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George Soros ataca Facebook e Google e apela à sua regulação

por Graça Andrade Ramos - RTP
George Soros em 2015 Charles Platiau - Reuters

Era para ser um discurso de meia-hora, segundo o próprio, mas, aos 87 anos, George Soros acabou por falar quase uma hora no seu jantar anual na cimeira de Davos, atribuindo o facto ao estado preocupante do mundo tal como ele o vê.

Soros denunciou o recuo dos "Estados livres" e a subida "das ditaduras e dos Estados Mafia" no mundo inteiro, dos quais "a Rússia de Vladimir Putin é um exemplo".

Já "nos Estados Unidos, o Presidente Trump gostaria de estabelecer um Estado Mafia", acusou, para logo depois aplaudir os esforços daqueles que o combatem ferozmente, incluindo ele próprio.

"Goste-se ou não, as minhas fundações, a maioria dos nossos bolseiros e eu próprio estamos numa batalha difícil para proteger as conquistas democratas do passado", lembrou.

Se os seus esforços se focavam até há uns anos no mundo em desenvolvimento, "agora que a sociedade aberta está em perigo nos Estados Unidos e na Europa, estamos a gastar mais de metade do nosso orçamento mais perto de casa, pois o que se está a passar afeta o mundo inteiro", lamentou.
A "sobrevivência da nossa civilização" em jogo
Se Trump é "um perigo para o mundo", mas "um fenómeno temporário que deverá desaparecer em 2020", a sua influência pode revelar-se devastadora para a atual ordem mundial, devido à escalada de tensões com a Coreia do Norte.

Trump e Kim Jong-un, o líder norte-coreano, "parecem ambos dispostos a arriscar uma guerra nuclear para se manterem no poder", acusou.

Aliás, defende Soros, a Coreia do Norte deve ser agora aceite como potência nuclear "por muito desagradável que isso seja", para evitar um armagedão para o resto do mundo.

A culpa de tudo isto, em parte, é de Trump, referiu. Com efeito, "os Estados Unidos estão a caminho de uma guerra nuclear ao recusar aceitar que a Coreia do Norte se tornou uma potência nuclear".

"Isto cria um forte incentivo para a Coreia do Norte desenvolver as suas capacidades nucleares como toda a velocidade possível, o que pode em devido tempo levar os Estados Unidos a usar a sua superioridade nuclear de forma preventiva; começando de facto uma guerra nuclear para evitar uma guerra nuclear", explicou.

"A ameaça da guerra nuclear é tão horrenda que nos inclinamos a ignorá-la. Mas é real", advertiu. "Não só a sobrevivência do mundo livre mas a sobrevivência de toda a nossa civilização está em jogo", disse ainda no Fórum Económico que junta em Davos os líderes do mundo inteiro.
Causadores de "uma variedade de problemas"
Mas novas ameaças juntam-se aos suspeitos do costume: o Facebook e o Google, que possuem um "poder monolítico" que está a ser usado para manipular e enganar os consumidores.

O resultado poderia ser um controlo totalitário, alertou o multimilionário e um dos maiores financiadores do Partido Democrático nos Estados Unidos.A vitória de Trump - um arrivista fora do sistema político - em 2016, continua a ser mal digerida nos Estados Unidos e a maioria dos democratas atribui uma influência direta na sua eleição à forma como o candidato e os apoiantes utilizaram as redes sociais - especialmente o Twitter - para espalhar a mensagem.

Para Soros, o papel que aquelas empresas desempenharam no passado, "libertador e de inovação", mudou e são agora "obstáculos". "Causaram uma variedade de problemas de que só agora nos começamos a aperceber".

De acordo com o seu diagnóstico, ao "explorar" o seu meio ambiente, o social, estas empresas "influenciam o modo de pensar e o comportamento das pessoas, sem que estas se apercebam disso".

"Isto tem consequências adversas de grande alcance no funcionamento da democracia, particularmente na integridade das eleições", concluiu o multimilionário, que financia o combate ao capitalismo ultraliberal no mundo inteiro e se arroga defensor da liberdade.
Solução? Regulação
Aliás, a forma como estas empresas se autofinanciam - juntas controlam mais de metade das receitas publicitárias na Internet - impondo regras aos consumidores e sem assumir a responsabilidade pelos conteúdos que difundem, devia ser controlada em nome da diversidade, recomendou Soros.

"Elas afirmam que apenas distribuem informação. Mas o facto de serem distribuidores em situação de quase monopólio, faz delas meios de utilidade pública e devia sujeitá-las a regulações mais rigorosas, com vista à preservação da competitividade, inovação e acesso universal justo e livre", referiu.

Gradualmente está a emergir para estas empresas um novo modelo de negócio baseado não na só publicidade mas "na venda de produtos e serviços diretamente aos utilizadores", afirmou Soros.

"Elas exploram os dados que controlam, agrupam os serviços que oferecem e usam preços discriminatórios para guardarem para si mais lucros do que de outra forma teriam de partilhar com os consumidores". Em conclusão, tornaram-se uma ameaça "à eficiência da economia de mercado".
Manipuladoras e viciantes
"As empresas de social media enganam os utilizadores manipulando a sua atenção e levando-a para os seus próprios objetivos comerciais. Tornam deliberadamente viciantes os serviços que providenciam. Isto pode ser muito prejudicial, especialmente para os adolescentes", advertiu também Soros."Existe uma similitude entre as plataformas de internet e as empresas de jogo" - George Soros.

Para Soros, é essencial controlar este poder o mais depressa possível.

"Está a suceder algo muito prejudicial e talvez irreversível à atenção humana na nossa era digital. Não só distração e adição; as empresas de redes sociais estão a induzir as pessoas a desistir da sua autonomia", concluiu.

"O poder de formar a atenção das pessoas está cada vez mais concentrado nas mãos de algumas empresas", refere, dizendo que está a ser necessário um esforço real para defender a "liberdade da mente" que pode estar a ser perdida entre as pessoas que estão a crescer nesta era digital e que podem nunca a recuperar. Isto pode ter consequências políticas de grande alcance, denunciou.

"Pessoas sem liberdade de pensamento podem ser facilmente manipuláveis. Este perigo não se avulta apenas no futuro; já desempenhou um importante papel nas eleições presidenciais americanas de 2016", exemplificou.
Aliança infernal
Um outro perigo se perfila no horizonte, alertou ainda o multimilionário, que aplaudiu os esforços da comissária europeia para a Competitividade na regulação da internet.

"Poderá haver uma aliança entre os estados autoritários e estes enormes monopólios IT ricos em dados, que iria juntar sistemas nascentes de vigilância corporativa patrocinada pelo Estado. Isto pode resultar numa rede de controlo totalitário de uma dimensão que nem Aldous Huxley ou George Orwell poderiam ter imaginado", alertou o multimilionário.

Um tal "casamento ímpio" tem mais possibilidades de "ocorrer primeiro na Rússia e na China".

"Particularmente, as empresas de IT chinesas são perfeitamente equiparadas às americanas. E gozam ainda do apoio total e da proteção do regime de Xi Jingping. O Governo da China é suficientemente forte para proteger os seus campeões nacionais, pelo menos dentro das suas fronteiras", acrescentou.

"Os monopólios de IT baseados nos EUA estão já tentados a comprometer-se de forme a conseguir entrar nestes vastos mercados de crescimento rápido. Os líderes ditatoriais nestes países podem ficar muito felizes em cooperar com eles, já que pretendem aumentar os seus meios de controlo das suas próprias populações e expandir o seu poder e influência nos Estados Unidos e no resto do mundo", alertou.
Dias contados
"Os donos das plataformas gigantes consideram-se donos do universo mas são de facto escravos da preservação da sua posição dominante", referiu ainda Soros, sem se perceber se isso era ou não uma boa notícia.

É "apenas uma questão de tempo até o domínio dos monopólios de IT americanos ser quebrado", continuou o multimilionário, para quem o crescimento destas empresas à custa da aquisição de novos utilizadores também está em decréscimo.

"Davos é um bom lugar para anunciar que têm os dias contados", considerou Soros, vaticinando um futuro sombrio para tais ameaças globais: "a regulação e tributação vão ser a sua ruína e a Comissária para a Competição [Margrethe] Vestager será a sua nemesis".
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