George Floyd. Um ano depois, a violência policial é ainda uma preocupação nos EUA

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Quarenta e seis por cento dos americanos brancos e 90 por cento dos afro-americanos consideram hoje que um americano negro está mais sujeito a força letal por parte da polícia do que um americano branco Lucas Jackson - Reuters

Apesar de toda a atenção mediática dada aos protestos contra a morte de George Floyd, poucos norte-americanos acreditam que o país tenha evoluído positivamente em relação à violência policial e racismo. Uma sondagem do Centro de Pesquisa de Assuntos Públicos da Associated Press-NORC concluiu que a maioria dos americanos considera que a morte do afro-americano de 46 anos, às mãos de um agente policial, não produziu transformações na sociedade ou no sistema de justiça criminal. Trinta e um por cento dos inquiridos defendem mesmo que houve uma mudança para pior.

A morte do afro-americano George Floyd, a 25 de maio de 2020, foi o ponto de partida para o início de uma vaga de protestos contra o racismo e a violência policial que se estenderia dos EUA a vários países do mundo. “I can’t breath” (“Não consigo respirar”), a frase repetida por Floyd mais de vinte vezes durante a detenção, enquanto o agente Derek Chauvin pressionava o seu pescoço com o seu joelho, passou a ser o slogan destes protestos e do movimento Black Lives Matter.

Um ano após a morte de Floyd, poucos norte-americanos acreditam que o país tenha evoluído de forma positiva relativamente à violência policial e consideram que este continua a ser um problema bem presente na sociedade.

Uma sondagem do Centro de Pesquisa de Assuntos Públicos da Associated Press-NORC, publicada na passada sexta-feira, demonstra que relativamente poucos americanos (24 por cento) consideram que a atenção mundial dada aos protestos e à violência policial produziu efeitos positivos e levou a uma mudança na sociedade e no sistema de justiça criminal. A maioria (44 por cento) não vê alterações e 31 por cento defende mesmo que houve uma mudança para pior. Segundo dados da página Mapping Police Violence, 181 afro-americanos foram mortos pela polícia desde o assassinato de Floyd. Desde o início do ano, morreram 89 afro-americanos às mãos de agentes policiais.

Para além disso, mais norte-americanos consideram hoje que a violência policial é um problema sério em comparação com o período anterior à morte de Floyd.

Em 2019, apenas 36 por cento dos norte-americanos consideravam a violência policial um problema muito ou extremamente sério. Após a morte de Floyd, esse número aumentou para 48 por cento e atualmente está nos 45 por cento.


A pesquisa, que reuniu mais de 1800 respostas aos inquéritos entre 29 de março e 3 de maio, permite ainda concluir que persistem grandes assimetrias na forma como norte-americanos brancos e afro-americanos veem o racismo e a violência policial no país. Dos 45 por cento dos americanos que responderam considerar a violência policial um problema grave, 36 por cento são norte-americanos brancos e 77 por cento afro-americanos.

Questionados sobre quão grave consideram ser o racismo nos EUA, 60 por cento dos americanos negros respondeu “extremamente grave”, enquanto apenas 23 por cento dos americanos brancos votou nesta resposta. Para a maior parte dos americanos (29 por cento), a questão do racismo nos EUA é um problema “moderado”.
60% considera mais provável uso de força letal em negros
Quando questionados sobre se já foram vítimas de discriminação devido ao tom de pele, a grande maioria das respostas afirmativas foram de afro-americanos. Por sua vez, sobre as situações em que essa discriminação aconteceu, 25 por cento respondeu em candidaturas para empregos, mas a maior parte dos afro-americanos (60 por cento) respondeu “ao lidar com a polícia”. Apenas dez por cento dos americanos brancos afirmaram ter sido vítimas de discriminação quando confrontados pela polícia.

Mesmo antes da morte de George Floyd, desde julho de 2015, a grande maioria da comunidade negra sempre considerou que a polícia norte-americana tem uma maior probabilidade de usar força letal contra os americanos negros do que os brancos. A percentagem atingiu o seu valor máximo (92 por cento) em junho de 2020, um mês após a morte de Floyd. Nesse mês, cerca de seis em cada dez norte-americanos respondeu ser mais provável o uso de força policial letal contra um negro do que contra um branco.

Segundo a sondagem, apesar de essa percentagem ter diminuído em comparação com os dados de abril/maio, a opinião não se alterou e a grande maioria continua a considerar que a violência policial é desproporcional. Quarenta e seis por cento dos americanos brancos e 90 por cento dos afro-americanos consideram hoje que um americano negro está mais sujeito a força letal por parte da polícia do que um americano branco.

No caso de George Floyd, o uso excessivo de força esteve na origem da causa de morte, após o ex-agente Derek Chauvin ter pressionado o pescoço do afro-americano com o seu joelho durante oito minutos e 46 segundos, levando à asfixia.
Condenação de Chauvin não alterou a confiança no sistema de justiça
A 20 de abril deste ano, Chauvin foi considerado culpado da morte de George Floyd. O veredicto foi considerado um ponto de viragem uma vez que, nos EUA, os agentes policiais raramente são condenados, ou mesmo acusados, por mortes ocorridas sob custódia.

Segundo o Star Tribune, o maior jornal de Minnesota, há registo de 208 mortes por agentes policiais neste Estado desde 2000.
Chauvin foi apenas o segundo agente policial a ser condenado por homicídio em Minnesota e o primeiro a ser considerado culpado pela morte de um negro.

Apesar deste sinal positivo do sistema jurídico norte-americano, cerca de metade dos inquiridos na sondagem da AP-NORC, incluindo 60 por cento dos afro-americanos, responderam que a condenação de Chauvin não mudou o seu nível de confiança no sistema de justiça criminal. Apenas 35 por cento dos inquiridos, nomeadamente 36 por cento dos americanos brancos e 28 por cento dos americanos negros, consideram que a condenação do ex-agente de Minneapolis fortaleceu a sua esperança no sistema de justiça criminal.

Por sua vez, a maioria dos americanos apoia a adoção de medidas para prevenir a violência policial, assim como profundas reformas no sistema de justiça criminal.

Os americanos, independentemente da raça, concordam com a implementação de medidas como o uso de câmaras corporais, a adoção de critérios claros para o uso da força, responsabilização dos agentes que usem força excessiva, atitudes preconceituosas e racistas e o apelo à denúncia de más condutas por parte de outros agentes.

Relativamente às reformas, 25 por cento dos inquiridos consideram que são necessárias mudanças radicais no sistema de justiça criminal e 43 por cento exigem grandes mudanças. Vinte e sete por cento defendem apenas pequenas mudanças e somente quatro por cento dos norte-americanos consideram que não são necessárias alterações.

Em relação à resposta que tem sido dada pela Casa Branca, a maioria dos norte-americanos aprova o método de atuação do presidente Joe Biden, em contraste com o seu antecessor Donald Trump. A maioria dos americanos (59 por cento, nomeadamente 77 por cento dos afro-americanos) aprova a resposta que tem sido dada por Biden às questões raciais e 52 por cento (72 por cento dos afro-americanos) concorda com a atuação do presidente relativamente a questões policiais.
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