Gaith atravessou a Europa a pé para chegar a Paris e agora tem "medo de ser expulso à bastonada"

por Lusa

Gaith, tunisino de 38 anos, atravessou a Europa a pé com a mulher para chegar a Paris e ter "uma vida melhor" e agora tem medo de ser "expulso à bastonada pela polícia", a três dias das legislativas.

Em outubro de 2021, Gaith e Malika, casados, apanharam o avião da Tunísia, onde viviam, com destino a Istambul, na Turquia, "à procura de uma vida melhor e de trabalho", numa altura em que o país vivia uma forte crise económica e política, provocada em parte pela pandemia de covid-19.

De Istambul, fizeram um percurso a pé que durou dez meses: da Turquia para a Bulgária, passando pela Sérvia, Hungria, Áustria, Alemanha, Bélgica e, finalmente, França, onde chegaram em agosto de 2022.

Da viagem, Malika recorda "muitos acidentes", dos quais guarda uma marca: uma cicatriz que começa no início do seu polegar da mão direita e desce até ao pulso.

"Quando chegámos a França, vimos que isto era muito difícil: não há trabalho, alojamento. Temos um bebé de cinco meses e vivemos na rua. Não temos documentos, nem temos direito a asilo, porque não há guerra na Tunísia", salienta.

Agora, a poucos dias da segunda volta das eleições legislativas francesas - que, segundo as sondagens, deverão ser ganhas pela União Nacional (Rassemblement National, em francês) - Malika e Gaith afirmam estar arrependidos de terem vindo para França e manifestam preocupação com o crescimento da extrema-direita.

"Estou muito preocupado e tenho medo que eles, para nos obrigarem a voltar para o nosso país de origem, venham com a polícia e nos expulsem à bastonada. Eu tenho muito medo, não por mim, mas pela minha pequena filha", diz Gaith.

Com um programa em parte centrado no combate à imigração ilegal, o líder da União Nacional, Jordan Bardella, já anunciou que, se vencer as eleições, vai apresentar um projeto de lei para a "suspensão imediata da regularização" das pessoas que estão em situação ilegal em França.

Nesse diploma, o partido pretende também criar a figura jurídica de "crime de residência ilegal", quer faria com que quem estivesse em França sem documentos passasse a ser passível de multas, penas de prisão ou expulsão.

Apesar de a maioria dos imigrantes entrevistados pela Lusa não considerarem que o programa do RN possa ser aplicado no imediato - salientando que são eles que põem a economia a funcionar -, muitos manifestam-se no entanto preocupados com os potenciais impactos que poderia ter nas suas vidas.

Sokhona, de 31 anos, chegou a França em 2019. Fugiu da Mauritânia, onde disse que a situação estava a ficar demasiado perigosa, para Marrocos onde, no fim de 2018, apanhou um barco para Espanha.

Da primeira vez, o barco virou a 10 metros da costa, obrigando-o a nadar para regressar. Da segunda, ficou sem gasolina a meio do caminho, deixando-os dois dias no meio do mar, sem comida nem água. Os tripulantes foram posteriormente resgatados por um barco humanitário que os levou para Espanha, onde passou três meses, antes de vir para França.

Desde então, vive na rua, com a mulher - que chegou há três anos, ao abrigo da lei do reagrupamento familiar - e a filha, que nasceu entretanto. No entanto, ainda não conseguiu regularizar a situação.

"Já pedi asilo três vezes. A primeira vez rejeitaram, recorri e voltaram a rejeitar. Estou agora a tentar uma terceira vez", refere, salientando que a rua é perigosa para o casal e a sua filha, que ouve insultos, apesar de nunca ter sido alvo de violência física.

"É muito complicado e muito duro para mim. Não me posso arrepender de ter vindo, porque agora estou aqui e não tenho outra solução. Se me mandarem voltar para a Mauritânia, não tenho outro remédio, mas seria muito perigoso para mim", afirma.

À Lusa, Charlotte Kwantes, da associação humanitária Utopia 56 - que ajuda imigrantes a encontrarem diariamente alojamento - refere que um dos impactos da extrema-direita - além de só ir aumentar o número de imigrantes em situação precária em França - também é "o efeito que tem em termos de libertação de um discurso profundamente racista e xenófobo, permitido por um partido político também ele racista e xenófobo".

"Desde as eleições europeias [ganhas pela União Nacional] já assistimos a isso. Em Calais [no norte de França] vimos violências muito graves sobre pessoas que estavam a viver em acampamentos. Achamos que esse tipo de situações só vai aumentar", adverte.

Para as famílias de imigrantes entrevistados pela Lusa, o racismo que têm sentido até agora ainda não se traduziu em qualquer ato de violência física em concreto: traduz-se em olhares, gestos ou palavras depreciativas. Mas muitos temem que isso possa vir a mudar.

Tópicos
PUB