Fronteira entre Líbia e Tunísia. Mãe e filha morreram abandonadas no deserto

por Rachel Mestre Mesquita - RTP
@RefugeesinLibya via Twitter

Uma semana após a divulgação nas redes sociais da fotografia de dois corpos encontrados lado a lado sem vida, de uma mulher e uma criança, a organização Refugiados na Líbia conseguiu identificá-las e revelou a sua história. Trata-se de Fati Dosso, de 30 anos, e da filha Marie, de seis, que acabaram por não aguentar a travessia do deserto, sem acesso a água, comida ou assistência, depois de terem sido detidas pelas autoridades tunisinas e abandonadas.

Fati Dosso, de 30 anos, e a filha Marie, de apenas seis, foram encontradas mortas com os rostos submersos na areia pelo jornalista líbio Ahmad Khalifa, depois de terem sido deixadas à sua sorte no deserto, na fronteira entre a Tunísia e a Líbia.

”A mulher sem rosto e a sua filha atiradas para o deserto há alguns dias não eram apenas migrantes [...] tinham uma história, uma vida", lê-se na conta Twitter da organização Refugiados na Líbia que conseguiu identifica-las e tem vindo a revelar a sua história.

Na travessia estavam acompanhadas por Mbengue, conhecido por Pato, de 30 anos, marido de Fati e pai de Marie, que acabou por sobreviver ao inferno que atravessam centenas de migrantes.

"É exatamente a mesma posição em que as duas costumavam dormir. Tinha esperança que estivessem apenas cansadas”, disse em estado de choque Mbengue, ao reconhecer a sua família através das fotografias que circulavam nas redes sociais. A família, de origem costa-marfinense e camaronesa, vivia na Líbia há vários anos depois de múltiplas tentativas falhadas para chegar à Europa. No passado dia 13 de julho, Fati, Marie e Pato, acompanhados por três homens e outra mulher, embarcaram numa viagem para fugir da Líbia para a Tunísia, mas não foram bem recebidos pela polícia tunisina, que recorreu à violência, segundo conta Mbengue, em relato à Refugees in Libya.

"Chegámos à Tunísia na sexta-feira de manhã. Tentámos atravessar a fronteira, a polícia apanhou-nos e bateu-nos com armas, mandando-nos de volta para o deserto. Ficámos lá o dia todo e na sexta-feira à noite tentámos novamente, mas desta vez conseguimos. No sábado de manhã, já estávamos em Ben Gardane, Zarzis. Procurávamos um lugar onde pudéssemos beber água e foi aí que a polícia intercetou a minha mulher, a minha filha e a mim", explicou Mbengue.

Segundo o seu relato, depois de uma noite de sofrimento e fome no deserto, foram transferidos pelas autoridades para outro posto de controlo, onde foram novamente vítimas de maus-tratos. No domingo de manhã, foram abandonados com mais três dezenas de migrantes no deserto.

"Caminhámos durante pelo menos uma hora até eu perder os sentidos, a minha mulher e a minha filha começaram a chorar. Pedi-lhes que se fossem embora e me deixassem, porque se ficassem morreriam comigo, por isso o melhor era apanhar os outros e entrar na Líbia. Elas foram-se embora, deixando-me estendido no deserto. Já não tinha forças e sabia que, para mim, ia ficar por ali, porque mal conseguia respirar", revelou o marido de Fati e pai de Marie, que conseguiu ser ajudado por três sudaneses, segundo conta, e levado até à Líbia numa viagem noturna.

Um deserto onde as temperaturas podem atingir os 50 graus e onde ninguém pode sobreviver sem água, comida ou abrigo, é o local, depois da passagem de Ras Ajdir, onde são deixados centenas de migrantes. Desde o discurso violento do presidente tunisino, Kais Saied, a 21 de fevereiro, que aumentaram os confrontos provocados pelo ódio racial e muitos africanos subsarianos, legais e ilegais, receiam ser alvo de ataques racistas e de deportações.

Nas últimas duas semanas, cerca de 25 pessoas foram encontradas mortas nesta fronteira. Desde o início do mês que as autoridades tunisinas iniciariam uma campanha de deportações, que desencadearam uma vaga de expulsões em massa de migrantes da Tunísia para a Líbia.

"Os guardas de fronteira da Líbia resgataram dezenas de migrantes que foram deixados no deserto pelas autoridades tunisinas sem água e comida e o número está a aumentar, disse um oficial", revela a agência France Press (AFP) no Twitter.

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