Os tumultos em França após a morte do jovem Nahel pela polícia estão a ser aproveitados pela extrema-direita, francesa e de outros países europeus, para endurecer o discurso anti-imigração e atacar as políticas migratórias na União Europeia.
Marine Le Pen, a mais conhecida face da extrema-direita francesa e que muitos analistas consideram poder vir a ser a grande beneficiada de mais este momento de agitação social, tem optado por uma postura comedida, deixando declarações mais `incendiárias` para outras figuras do seu partido, o Rassemblement National, e para o seu grande rival, Eric Zemmour (líder do Reconquista, do mesmo espetro político).
Contudo, noutros países europeus vários responsáveis políticos da franja mais à direita não perderam tempo em comentar a atualidade francesa.
Em pleno Conselho Europeu em Bruxelas, no final da semana passada, que teve as migrações como tema principal, o primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawiecki, publicou um vídeo na sua conta oficial na rede social Twitter, no qual imagens do caos em França -- pilhagem, viaturas em chamas e confrontos com a polícia de choque, em cidades como Nanterre, Paris, Marselha e Estrasburgo --, são alternadas com cenas de paz e tranquilidade em localidades polacas como Varsóvia e Cracóvia, ilustradas por exemplo com um feliz piquenique de uma família predominantemente loira.
"Lojas pilhadas, carros da polícia incendiados, barricadas nas ruas -- isto é o que se está a passar no centro de Paris e em muitas outras cidades francesas. Não queremos tais cenas nas ruas polacas. Não queremos cenas como estas em nenhuma cidade da Europa", escreveu o chefe do governo ultraconservador polaco no segundo dia de uma cimeira que o Presidente francês, Emmanuel Macron, teve de abandonar prematuramente para gerir o estado de sítio no país.
Rápido a comentar a publicação de Morawiecki, o líder do partido de extrema-direita espanhola VOX, Santiago Abascal, em pré-campanha para as eleições gerais em Espanha, sustentou que "a imigração em massa e o multiculturalismo são um fracasso que está a destruir a nossa civilização".
Em período de précampanha para as eleições legislativas espanholas de 23 de julho, Abascal proclamou ainda que "a Europa deve defender as suas fronteiras e os seus valores e deve recuperar o seu território dos bárbaros, para devolver a segurança e a liberdade aos europeus".
Em Itália, o subsecretário de Estado para o Interior, Nicola Moltini -- do partido anti-imigração Liga -- considerou que os tumultos em França são "uma prova do fracasso da imigração descontrolada e um aviso para o resto da Europa",
Na Bélgica -- país onde também foram replicados os distúrbios da vizinha França - , o líder do partido ultranacionalista flamengo Vlaams Belang, Tom van Grieken, comentou que "o sonho multicultural da esquerda é um pesadelo multicultural para os cidadãos" e acusou o governo de ter "pouco controlo".
Para a analista Marta Mucznik, do `think tank ` (grupo de reflexão) European Policy Centre, estes "são bons exemplos do aproveitamento político" a que já se assiste por parte da extrema-direita europeia.
"Naturalmente o contexto varia um pouco de país para país, mas há uma mensagem comum: uma narrativa anti-imigração, e de fazer associações entre os distúrbios e a abertura de fronteiras", com promessas de "uma Europa mais segura", até porque tal vai ao encontro das preocupações de muitos cidadãos, disse Mucznik à Lusa.
"No fundo, é um bode expiatório fácil, embora estas questões naturalmente sejam muito mais complexas do que aquilo que os partidos e líderes populistas querem `pintar` e transmitir", acrescenta esta analista, especialista em populismo e extrema-direita.
Também o sociólogo português Virgílio Borges Pereira, conhecedor da realidade francesa, concorda que os recentes distúrbios são uma `arma` que não deixará de ser usada no plano político, sobretudo em França.
"Habitualmente, os atores políticos franceses não perdem oportunidades de aproveitar politicamente momentos como este. E, nesse sentido, haverá seguramente grandes movimentações políticas em torno deste assunto", disse à Lusa.
Para Marta Mucznik, no caso francês, Marine Le Pen "obviamente ganha com esta situação", enquanto Macron, já debilitado pela forte contestação nacional à sua reforma das pensões, fica "numa situação frágil".
Recentes sondagens dão já considerável vantagem a Le Pen sobre o atual Presidente, caso as eleições tivessem lugar hoje.
Comentando a postura "com alguma cautela" de Marine Le Pen, a analista nota que se assiste atualmente a "um momento em que cada vez mais os partidos da extrema-direita estão a conquistar o lugar no centro da paisagem política de vários países, não só em França", e para tal moderam um pouco a sua mensagem, precisamente para conquistar o `mainstream`.
Isto, refere, "enquanto o próprio centro-direita está a extremar um pouco as suas posições", para não perder eleitorado para os partidos mais extremistas ou porque necessitam destes.
O resultado, sublinha Mucznik, é haver "cada vez mais uma certa normalização deste discurso e destes partidos".
Numa altura em que, no panorama da UE, partidos da extrema-direita já fazem parte de governos de coligação - caso da Finlândia - ou são parceiros parlamentares indispensáveis de executivos de minoria no poder - como sucede na Suécia - e Polónia e Hungria ainda na passada semana voltaram a bloquear numa cimeira europeia um texto de conclusões sobre política migratória, a retórica das forças populistas ganha fôlego a menos de um ano das eleições europeias, agendadas para junho de 2024.
Marta Mucznik reconhece que o crescimento da extrema-direita nas eleições do próximo ano "é uma perspetiva bastante possível", restando saber "até que ponto vai afetar a composição do Parlamento Europeu" e influenciar os seus trabalhos legislativos, e considera um dado adquirido que o mesmo "é um risco para o projeto europeu como o conhecemos".
"Iríamos evoluir para uma UE muito diferente se os grandes Estados-membros vierem a ter líderes de extrema-direita, que têm projetos muito diferentes", diz, observando que, muito provavelmente, estas forças concentrar-se-iam em "voltar a transferir poderes de Bruxelas para os governos nacionais, travar o alargamento, e a integração em diversas áreas".