Algumas notas sobre a primeira-volta das eleições presidenciais francesas.
1. Os dois grandes derrotados da primeira-volta das eleições presidenciais francesas foram os dois principais partidos da V República: socialista e neo-gaullistas. No entanto, esta também foi a derrota dos candidatos eleitos em primárias abertas, o que poderá ser demonstrativo do desfasamento entre as escolhas de militantes e simpatizantes e as preferências do eleitorado em geral. Há uma maioria de eleitores que não participa em eleições primárias e estas parecem não servir para cativar indecisos nem para fixar o próprio eleitorado. No caso do gaullismo, todos os estudos de opinião indicavam que Alain Juppé, preterido nas primárias, teria melhores condições do que François Fillon para chegar à presidência. Este ano, as eleições legislativas no Reino Unido poderão confirmar a tendência, com a mais do que previsível derrota dos trabalhistas de Jeremy Corbyn, líder eleito directamente por militantes e simpatizantes trabalhistas.
2. Numa leitura precipitada, a vitória de um candidato centrista poderia transmitir a ideia de uma França em contra-mão, num quadro europeu em que os partidos radicais têm vindo a crescer acentuadamente. Porém, se olharmos de forma mais atenta para os resultados, constaremos que a soma dos candidatos de extrema-direita e de esquerda radical totaliza 40,9% dos votos expressos. Este é o valor mais elevado da história da V República e claramente acima dos 29% de 2012. Também deve registar-se que Marine Le Pen obteve o melhor resultado, até à data, da extrema-direta em eleições presidenciais.
3. O discurso de Emanuel Macron, grande vencedor da primeira-volta, continua a carecer de substância. O seu desejo de fazer a síntese entre esquerda e direita não é novo em França e a evidente tentativa de retirar carga ideológica à política tem como resultado o não comprometimento e uma linguagem que não vai além de grandes propostas vagas e genéricas. Na prática, o seu programa tem muitas afinidades com as políticas levadas a cabo por François Hollande e por Manuel Valls, com uma vantagem: já não está vinculado ao Partido Socialista, pelo que não soa a contraditório.
4. A ausência de um partido estruturado a servir de base à candidatura de Macron, caso seja eleito presidente, resultará num aumento da importância das eleições legislativas de Junho. A diminuição da duração dos mandatos presidenciais, a partir das eleições de 2002, conferiu mais estabilidade ao sistema semi-presidencialista mas contribuiu para a sua “presidencialização”: Chirac (2002), Sarkozy (2007) e Hollande (2012) obtiveram sólidas maiorias parlamentares que lhes permitiram, na prática, governar livremente. Não se prevê que Macron ou Le Pen beneficiem deste automatismo, pelo que assistiremos a um aumento do peso político do parlamento e a dificuldades para a materialização do programa de qualquer dos candidatos.
5. Será interessante verificar o comportamento do fragmentado Partido Socialista e de “Os Republicanos” nas legislativas e a forma como se irão posicionar para influenciar, através do parlamento, a governação tutelada por uma eventual presidência Macron.
6. Mesmo perdendo a segunda-volta, como indicam todos os estudos de opinião, Marine Le Pen e a Frente Nacional já podem ser considerados vencedores: o seu resultado será sempre muito superior ao obtido por Jean-Marie Le Pen na segunda-volta das presidenciais de 2002 (17,8%) e essa diferença traduzirá de forma clara o crescimento da extrema-direita em 15 anos.
7. Jean-Luc Mélenchon, por agora, demonstrou que dá mais valor ao seu futuro do que ao país e à democracia. A indefinição no discurso, em clara contradição com tudo o que disse nas eleições presidenciais de 2002, espelha as contradições de uma esquerda radical para quem a crítica ao "neo-liberalismo” levou a uma perda de perspectiva em relação a valores mais amplos. Caso esta posição não se altere no decorrer da campanha para a segunda-volta, não seria de espantar que o eleitoral mais politizado de Mélenchon optasse pela abstenção e que uma parte do eleitorado menos politizado votasse Le Pen. A confirmar-se, isto significaria que, em termos práticos, Mélenchon seria um contribuinte líquido de largos milhares de votos da extrema-direita.