O analista e historiador francês Michel Cahen considera que o ataque a Palma, Moçambique, expõe os interesses de França na região, onde opera a petrolífera Total, mas uma intervenção militar estrangeira não resolve o problema.
"O interesse da França é a Total". A "França também tem interesses geopolíticos na zona e está preocupada com a segurança marítima", mas, "a meu ver, uma intervenção militar estrangeira na zona não vai resolver o problema", disse à Lusa Michel Cahen, diretor emérito do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), especializado na história da África lusófona.
Segundo o historiador, a presença da Total, que tinha anunciado na semana passada a retoma de atividade na base de Afungi, a cerca de 8 quilómetros de Palma, para a prospeção de gás natural, foi um investimento que permitiu à França uma maior ação diplomática no país, mas não deve levar a uma intervenção militar estrangeira na região.
"A França está a intervir há mais de cinco anos no Mali e após esforços e mortes de dezenas de soldados franceses, a situação não melhorou. Era bom não reproduzir um segundo Mali em Moçambique", considerou.
O momento para o ataque do grupo jiadista foi também, segundo o historiador francês, um indicador que o movimento, que conta com o apoio formal do autoproclamado Estado Islâmico, está atento à situação política e económica da região.
O grupo, "apesar de se ter dito que estava enfraquecido, demonstrou ser capaz de operações militares de grande importância e também com sensibilidade política. Obviamente que ter atacado Palma depois de a Total ter decidido retomar as suas atividades significa que têm uma boa capacidade política de análise do que se passa na região", indicou.
Para Cahen, especialista na história da África lusófona durante o século XX, a ação do grupo, que se apresenta como Al-Shabaab, é motivada por mais do que questões religiosas, mas também questões de desigualdade social e étnica.
"Durante a primeira guerra civil de Moçambique, entre 1977 e 1992, ao nível das bases sociais, o baluarte da Renamo era Cabo Delgado e parece serem os mesmos pontos do atual grupo jihadista, o que quer dizer que há setores da população que ainda se sentem marginalizados pelo Estado moderno", sublinhou o historiador.
O apoio de uma parte da população e a filiação de jovens moçambicanos a este grupo terrorista não surpreende assim o investigador, já que muitas pessoas na região "não têm a mínima esperança de melhorarem a vida na conjuntura atual" o que faz com que "a guerra em si se torne um projeto social de vida".
Uma solução para sair da lógica de terror que se vive atualmente em Cabo Delgado é fazer "trabalho preventivo" com os jovens da região e aplicar "uma amnistia" a todos os jovens que se queiram render às Forças Armadas moçambicanas.
"E também tentar negociar. Dizem que não se negoceia com terroristas, mas se for para trazer a paz, sim", concluiu.
Desde o início do conflito em Cabo Delgado, em outubro de 2017, mais de 670.000 pessoas foram forçadas a fugir da violência, de acordo com a OIM e mais de metade são crianças, embora os números de deslocados superem já os 700.000.
Segundo o secretário-geral da ONU, António Guterres, a população moçambicana precisa da ajuda urgente de cerca de 254 milhões de dólares (cerca de 217 milhões de euros) "para enfrentar a tripla crise resultante da violência, das crises climáticas e da pandemia de covid-19".
O movimento terrorista Estado Islâmico reivindicou na segunda-feira o controlo da vila de Palma, junto à fronteira com a Tanzânia.