França enfrenta vazio político devido a braço de ferro à esquerda e dissensões ao centro

por Graça Andrade Ramos - RTP
Um deputado socialista olha para os lugares ainda por ocupar na Assembleia após as eleições antecipadas de 2024 Sarah Meyssonnier - Reuters

Cinco dias após o voto em peso para afastar do poder a extrema-direita, a França permanece num impasse quanto à indicação de líderes, com a aliança de esquerda, Nova Frente Popular, e o campo do partido presidencial bloqueados por desacordos internos.

À esquerda, subsiste o braço de ferro quanto à escolha para líder do executivo. No quinto dia de negociações, os aliados da NFP já nem prometem entender-se rapidamente quanto a um nome para ocupar o cargo de primeiro-ministro. Mas a esperança ainda não morreu.

"Não é pelo facto de a questão do primeiro-ministro não estar resolvida que nada esteja a avançar", afirmou a chefe dos ecologistas Marine Tondelier citada pela Agência France Presse. "É normal que isto demore um pouco de tempo", acrescentou.

Primeira em número de deputados, 195, mas a 100 da maioria absoluta, a NFP enfrenta uma verdadeira prova de fogo que evidencia a pressa com que foi formada, simplesmente para derrotar o Rassemblement National, RN, de Marine Le Pen. Uma fragilidade que deixa a aliança exposta a eventuais moções de censura. A probabilidade de desentendimentos internos é igualmente elevada.

O secretário-geral do Partido Comunista Francês, Fabien Roussel, apontou esta tarde o dedo aos socialistas para explicar as dificuldades, já que estes insistem em propor para primeiro-ministro o seu líder, Olivier Faure.

Um nome criticado por Roussel, para quem é necessário alguém que una a esquerda. E a seu ver, Huguette Bello, de 73 anos, comunista e presidente do Conselho Geral da ilha de Reunião, seria perfeita para ocupar Matignon, a residência oficial do primeiro-ministro francês.

"É necessário propor uma personalidade que nos una a todos. Se for ela, tanto melhor e se for outra pessoa iremos ver", afirmou Roussel aos microfones da BFM-TV ao início da noite de sexta-feira. Fabien Roussel tentou entretanto tranquilizar os franceses, mesmo se considera “urgente” resolver a questão. “Demorar o que for preciso é o melhor meio de ser sólidos e de nos soldar”, explicou.

Bello parece gerar consensos. A ecologista Sandrine Rousseau considerou-a uma "personalidade interessante" e a socialista Valérie Rabaut admitiu que "pode pôr-nos a todos de acordo".

Jean-Luc Mélenchon, líder da LFI, [La France Insoumise, de extrema-esquerda], que viu o seu próprio nome ser rejeitado sem apelo nem agravo pelos aliados da NFP e que ridicularizou as obstruções socialistas e as pressões para impor Faure, vê na dirigente comunista de uma remota ilha no Oceano Índico, uma possibilidade real de entendimento e de derrota das pretensões socialistas.

"Huguette é uma mulher e estamos na era das mulheres. É uma mulher racializada e a nova França é racializada", considerou. É ainda "presidente de uma comunidade que conquistou à direita nas urnas e em torno de quem toda a esquerda local se une".

"Seria uma pessoa escutada com respeito", que pode "incarnar esta unidade", da esquerda e da França, rematou o líder da LFI.
Macron desagradado
O campo presidencial, que conseguiu eleger 160 deputados, continua por seu lado apostado numa maioria ao centro. Apesar disso foi difícil aceitar a liderança de Gabriel Attal, primeiro-ministro desde janeiro último e líder da campanha das legislativas.

O presidente Emmanuel Macron já evidenciou o seu desagrado com o "espetáculo desastroso" dado esta semana pelo seu campo.

Depois de uma semana tensa, marcada por rumores do avanço da antiga primeira-ministra Elisabeth Borne ou do ministro do Interior Gérald Darmanin, Attal acabou por ser o único candidato à presidência do grupo Renaissance [Renascença] na Assembleia francesa.

Será formalmente entronizado no sábado de manhã, na sequência de um voto eletrónico onde vão participar os deputados conotados com o seu grupo, 95 na manhã desta sexta-feira.

Tentando arrebanhar indecisos, Attal comprometeu-se, também hoje, a "proteger os franceses de qualquer governo que inclua ministros provenientes do RN [Rassemblement National, extrema-direita, de Marine Le Pen] ou da LFI".

Mas Darmanin já veio dizer que a eleição de Attal não irá resolver os problemas de fundo da "linha política do partido".
França mobiliza-se
Relegada para terceira força na Assembleia, apesar de ter obtido a maioria dos votos, graças à "frente republicana" formada para a bloquear, a força composta pelo RN e os seus aliados, já prometeu bloquear com os seus 140 deputados "qualquer governo onde LFI e ecologistas possuam responsabilidades ministeriais", nas palavras de Le Pen.

A eleição do novo governo e do primeiro-ministro francês poderá ultrapassar assim a data de 18 de julho fixada em princípio por Macron para oficializar a abertura da 17ª legislatura, com a formação dos grupos parlamentares.

O presidente apelou através de uma missiva a um entendimento das "forças republicanas" para que "construam uma maioria sólida", sublinhando que "ninguém ganhou".

Os sindicatos dos estudantes anunciaram entretanto uma manifestação domingo pelas 19h00 na Praça da Bastilha em Paris, para forçar o presidente a aceitar um primeiro-ministro da FNP.

"Macron recusa ver a realidade", afirmaram, convidando "todas as organizações associativas, sindicais e políticas a juntar-se às nossas manifestações por toda a França".
PUB