França acolhe mulheres afegãs em exílio "ameaçadas pelos taliban"

por Rachel Mestre Mesquita - RTP
"Está a ser dada uma atenção especial às mulheres ameaçadas pelos Taliban porque ocupam posições importantes na sociedade afegã (...) ou têm contactos estreitos com ocidentais. É o caso das cinco mulheres que chegarão hoje", avançou Didier Leschi. Ali Khara - Reuters (arquivo)

Cinco mulheres afegãs, incluindo uma com três filhos, aterraram esta segunda-feira à tarde no aeroporto Charles-de-Gaulle, em Paris, depois de terem sido "ameaçadas pelos taliban" e estarem exiladas há meses no Paquistão. Uma luz ao fundo do túnel - encontrada por ativistas e defensores dos Direitos Humanos Humanos que apelam à implementação de um corredor humanitário "feminista" - para centenas de mulheres nesta situação.

“Ainda não estou em mim, sinto-me como se estivesse a sonhar”, disse uma ex-professora de 28 anos, à sua chegada a Paris. Em Cabul, os talibãs “pediram-lhe que deixasse de ensinar” e ameaçaram-na de prisão caso entrasse em contacto com os seus alunos, acrescentou.

Com a subida ao poder dos taliban no verão de 2021, muitas mulheres afegãs não conseguiram transporte aéreo para os países ocidentais e tiveram de fugir do Afeganistão com os seus próprios meios e refugiar-se no vizinho Paquistão.

Particularmente expostas e ameaçadas pelo regime taliban, as mulheres que chegaram hoje a França têm em comum a posição importante que ocupavam então na sociedade afegã: antiga diretora de uma universidade, consultora em ONG, apresentadora de televisão ou professora numa “escola secreta de Cabul”.

"De acordo com as instruções dadas pelo presidente da República, está a ser dada uma atenção especial às mulheres ameaçadas pelos taliban porque ocupam posições importantes na sociedade afegã (...) ou têm contactos estreitos com ocidentais. É o caso das cinco mulheres que chegaram hoje", avançou Didier Leschi, diretor-geral do Serviço Francês de Imigração e Integração (OFII, sigla em francês), organismo tutelado pelo ministério do Interior, à agência noticiosa France Presse.
Operação Apagan - exfiltração de afegãs para França
Num primeiro momento, estas mulheres serão alojadas num centro de “trânsito” na região de Paris, registadas como requerentes de asilo e encaminhadas para um alojamento de “longa duração”, enquanto o Gabinete Francês de Proteção dos Refugiados e Apátridas (OFPRA) analisa e toma uma decisão sobre os seus casos, explicou Didier Leschi.
"A operação "Apagan" (de exfiltração de afegãos para França) prossegue silenciosamente", acrescentou.
Após a queda do governo a 15 de agosto de 2021, e consequente deterioração da situação de segurança no país, o presidente francês, Emmanuel Macron, prometeu que a França permaneceria “ao lado das mulheres afegãs”, no meio de uma operação de evacuação.

Autorizou então uma missão de evacuação do Afeganistão, através do envio de meios aéreos, batizada Operação Apagan, realizada pelo Ministério francês das Forças Armas, em estreita coordenação com o Ministério francês da Europa e dos Negócios Estrangeiros.De acordo com as autoridades francesas, entre a primavera de 2021 e o final de julho de 2023, mais de 15 mil pessoas foram evacuadas.

Como parte da operação “Apagan”, trata-se da primeira operação de evacuação de mulheres afegãs para França provenientes do Paquistão, há muito esperada pelos seus defensores, e é “suscetível de ser repetida se outras mulheres com este perfil tiverem encontrado refúgio no Paquistão", confirmou Didier Leschi.

De acordo com Delphine Rouilleault, diretora-geral da associação humanitária France Terre d'Asile, cujo centro as acolherá inicialmente, a chegada destas mulheres é “uma boa notícia”, mas não é “o resultado de uma decisão política”, mas sim “duramente conquistada” por ativistas que lutaram “para obter vistos” para estas mulheres.
Centenas de mulheres afegãs negligenciadas
Há vários meses que a associação France Terre d’Asile apoia estes pedidos de evacuação e pede um “programa de acolhimento ad hoc mais vasto” para ajudar as “centenas” de mulheres afegãs “escondidas” no Paquistão, conta Delphine Rouilleault.

Apesar do apoio prometido pelo presidente francês, dois anos depois "as mulheres, sobretudo as solteiras que não possuem as competências interpessoais necessárias, foram largamente negligenciadas", lamenta o grupo Accueillir les Afghanes, dirigido por jornalistas, num artigo publicado no jornal francês Le Monde, no final do mês de abril.

"Hoje, tudo o que lhes resta são iniciativas ad-hoc, muitas vezes levadas a cabo à distância por jornalistas, investigadores e organizações, para lhes permitir sair do Afeganistão de forma fragmentada", lamenta o grupo, que apela ao Governo francês para que crie um programa de acolhimento humanitário de "emergência".


"Um sistema de asilo feminista é, portanto, possível", declarou Solène Chalvon-Fioriti, coordenadora do grupo Accueillir les Afghanes, numa publicação sua conta X, antigo Twitter.

Nos últimos dois anos, e à luz de mais de 50 decretos, ordens e restrições, as autoridades islamitas reduziram progressivamente os direitos das mulheres afegãs no país, impondo-lhes um modo de vida rigoroso que suprimiu praticamente todos os direitos em sociedade: com restrições no acesso à educação, ao trabalho, à vida pública e à aplicação de códigos de vestuário.

“Não têm nada", disse Najla Latif, uma das mulheres afegãs evacuadas depois de se ter tornado a primeira mulher a dirigir uma faculdade no país.  "Já não tínhamos futuro no Afeganistão", lamentou na sua chegada a França.


"Obrigada ao Governo francês por mostrar que é possível. O próximo passo é abandonar a abordagem gota a gota e criar uma verdadeira eclusa humanitária para estas mulheres afegãs", comentou a antiga ministra socialista Najat Vallaud-Belkacem, atualmente presidente da associação France Terre d'Asile, responsável pelo centro que acolherá estas mulheres.

Apesar da conquista dos ativistas e defensores dos Direitos Humanos ser uma luz ao fundo do túnel, ainda não é claro se a evacuação desta segunda-feira, será seguida de outras. Contactados pela agência France Presse (AFP), nem o Quai d’Orsay nem o Palácio do Eliseu quiseram comentar.

As associações – como a France Terre d’asile - que apelam para que Paris mude de rumo e para que seja criado um corredor humanitário dedicado às mulheres, lamentam o facto de o Governo francês não tomar nenhuma posição, o que desvincula “o compromisso da França” para com a operação.

c/agências

PUB