Fragmentos de satélite russo destruído podem causar ondas de inativação em satélites operacionais
O teste realizado por um míssil balístico antissatélite (ASAT), efetuado pela Rússia esta segunda-feira, e que destruiu o satélite Cosmos-1408, foi já comparado pelas autoridades de rastreio de lixo espacial ao teste ASAT chinês, realizado em 2007, que criou milhares de fragmentos.
O problema preocupa cientistas e agências espaciais, pois estes fragmentos, por muito pequenos que sejam, podem comprometer ou mesmo destruir outros satélites em órbitas próximas.
Ainda na memória das autoridades científicas está o teste ASAT realizado pela China, há 14 anos, que criou um elevado número de fragmentos e que atualmente ainda por lá orbitam, e que não estão isentos de criar problemas.
A agravar as preocupações surge agora este teste aumentando as dores de cabeça de cientistas e agências espaciais, conscientes do que está em risco.
De acordo com dados avançados pelos centros de rastreamento do Governo norte americano e agências comerciais, o satélite russo, Cosmos-1408, foi destruído entre o final do dia 14 e o início do dia 15 de novembro.
O Cosmos -1408 era um satélite militar de observação, com um peso a rondar as duas toneladas, lançado em 1982, e foi rastreado pela última vez numa órbita circular a cerca de 485 quilómetros de altura.
Segundo o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, em declarações numa reunião do Departamento de Estado, a destruição deste satélite foi provocada por um teste ASAT: “A Federação Russa imprudentemente conduziu um teste destrutivo de satélite com um míssil anti-satélite de ascensão direta contra um de seus próprios satélites”. Ned Price disse ainda que esta destruição “criou até agora mais de 1.500 fragmentos orbitais rastreáveis e centenas de milhares de fragmentos orbitais menores que ameaçam agora os interesses de todas as nações.”
Um problema e um risco acrescido para missões presentes e futuras para astronautas e cosmonautas na Estação Espacial Internacional, bem como para outras atividades de voos espaciais humanos”.
Neste momento estão em órbita, operacionais e habitadas, duas estações espaciais, a Estação Espacial Internacional (EEI), com sete astronautas a bordo e a Estação Espacial Chinesa, com três taikonautas.
Astronautas da EEI recebem ordens para evacuação em caso de colisão
Quando soaram os alarmes nas estações de rastreio orbital da NASA, avisando o sistema do desaparecimento de um dos satélites (Cosmos -1408) na madrugada desta segunda-feira, e verificando que na última localização conhecida não estava lá um objeto do tamanho de um carro, mas sim seis pequenos outros objetos não identificados, manda o protocolo que sejam tomadas todas as medidas de salvaguarda dos astronautas que se encontram em missão espacial.
De imediato foi emitida a ordem aos sete astronautas presentes na EEI, para procurarem abrigo nos módulos de transporte Dragon e Soyuz. Em causa estava uma eventual “nuvem de destroços”, que poderia colidir com a estação, colocando em risco a vida dos tripulantes.
Os sete astronautas (Anton Shkaplerov, Matthias Maurer, Mark Vande Hei, Pyotr Dubrov, Raja Chari, Thomas Marshburn e Kayla Barron) presentes na Estação Espacial Internacional foram mesmo obrigados a permanecer nos módulos de transporte por duas horas
Para além desta medida de salvaguarda, a NASA reposicionou a Estação Espacial para uma órbita “aparentemente” mais segura, localizando-se agora numa órbita circular a cerca de 421 quilómetros de altitude.
Sabe-se agora que a nuvem de destroços fez várias abordagens próximas à estação, a cada 90 minutos (tempo de orbita terrestre completa da EEI), embora não exista nenhum relato de colisão dos detritos causados pela destruição do satélite militar.
De acordo com a NASA a tripulação já retomou algumas das operações programadas, mas por salvaguarda há zonas da estação que continuam isoladas por precaução contra eventuais impactos.
Após a comprovação do teste ASAT realizado pela Rússia, e a confirmação de vários detritos espaciais em órbita, provocados pelo teste, Bill Nelson, administrador da NASA, fez saber em comunicado que estava profundamente “indignado” com tal ato negligente por parte dos militares russos.
“Tal como o secretário de Estado Antony Blinken já referiu, estou indignado com essa ação irresponsável e desestabilizadora. Com a sua longa e admirável história em voos espaciais humanos, é impensável que a Rússia ponha em perigo, não apenas os astronautas americanos e parceiros internacionais na EEI, mas também os seus próprios cosmonautas.” Os destroços, acrescenta Bill Nelson, não só ameaçam agora a Estação Internacional, mas também a Estação Espacial da China, que apresenta atualmente três taikonautas a bordo.
Questionado mais tarde se os Estados Unidos apresentariam um protesto diplomático formal, Price disse que os Estados Unidos "falaram várias vezes com altos funcionários russos para alertá-los sobre a irresponsabilidade e perigosidade de tal teste". No entanto recusou-se a comentar outras “medidas específicas” que o Governo dos Estados Unidos ou aliados tomariam em resposta ao teste.
“Os testes de armas anti-satélite de ascensão direta da Rússia demonstram claramente que a Rússia continua a perseguir sistemas de armas antiespaciais que minam a estabilidade estratégica e representam uma ameaça para todas as nações”, referiu Price.
Antes da declaração oficial do Departamento de Estado norte-americano, havia a dúvida sobre o que teria destruído o Cosmos-1408, especialmente devido aos avisos enviados para os aviões que sobrevoavam território russo, e que terá sido o lançamento de um foguete Plesetsk consistente com um teste ASAT de ascensão direta.
Cenário de uma nova ”Guerra Fria” chega ao espaço
O teste militar russo efetuado com um míssil antissatélite (ASAT) e que teve como objetivo a destruição do satélite militar Cosmos-1408 não é realizado de forma inocente.
Todos estes movimentos fazem parte de uma campanha de demonstração de poderio militar por parte do Governo de Vladimir Putin, perante medidas originárias de ambos os países (Estados unidos e Rússia) na criação de agências ou sistemas de controlo militar espacial.
É do conhecimento geral que os Estados Unidos criaram um ramo militar para o controlo e vigilância a partir de objetos em órbita (Space Force) e os russos perante estes atos não querem ficar atrás e demonstram que estão na posse de meios para destruir o que houver lá em cima, caso seja necessário, não olhando a meios (inclusive os seus próprios cosmonautas).
Teste ASAT desfaz Cosmos -1408 em mais de 1500 destroços
O problema de lixo e destroços de veículos espaciais em órbita começou no dia em que o homem conseguiu colocar na órbita terrestre um objeto artificial (Sputnik 1 – 1957). Desde então são cada vez mais os objetos indiferenciados que permanecem a girar em volta da Terra, sem qualquer utilidade, e que constituem um perigo para todo um conjunto de satélites ativos quer científicos, de comunicação ou navegação.
A destruição natural ou artificial de um objeto como um satélite
aumenta ainda mais a probabilidade de um evento de destruição em
“cascata” podendo mesmo provocar o “shutdown” de toda uma rede montada
em torno da comunicação humana.
Precisamente para assegurar a manutenção desta rede “invisível”, mas imprescindível na sociedade moderna, foram criados vários centros de rastreio de objetos em órbita terrestre, com uma atividade em permanência 24 horas sobre 24, todos os dias do ano.
Um desses centros, a LeoLabs, era um dos responsáveis por seguir a trajetória do satélite russo Cosmos -1408. “Estamos a seguir o que sobra do Cosmos-1408. Onde existia um satélite, agora vemos seis sinais de radar, que podem ser objetos individuais, destroços ou nuvens de destroços ”, referia Dan Ceperley, chefe-executivo da LeoLabs, poucas horas antes do comunicado do Departamento de Estado. Mais tarde e após a confirmação do teste ASAT a empresa revela novos dados e alerta que passadas algumas horas já estavam a registar pelo menos 30 objetos distintos.
Atualmente as agências de comunicação dão conta já de mais de 1500 fragmentos, estando estes a dispersar-se radialmente a uma velocidade superior a 20 mil quilómetros horários.
Evolução do número de objetos no espaço nos últimos 60 anos. Fonte: NASA Orbital Debris - 2019