"Foram avisados". Jornalista russa e advogado atacados na Chechénia

por Andreia Martins - RTP
Yelena Milashina no hospital de Grozny após o ataque desta terça-feira. "Crew Against Torture" via Reuters

Um grupo de homens armados atacou esta terça-feira uma proeminente jornalista russa, Yelena Milashina, e o advogado Alexander Nemov. Ambos viajavam para a capital da Chechénia, Grozny, a partir do aeroporto local, quando o carro em que seguiam foi bloqueado.

Yelena Milashina, jornalista do Novaya Gazeta, e o advogado Alexander Nemov, deslocavam-se a Grozny para comparecerem numa audiência em tribunal no caso de uma mulher, Zarema Musayeva, que consideram estar a ser injustamente perseguida por motivos políticos.

Na sequência do ataque, Milashina e Nemov foram transferidos para um hospital numa região vizinha, em Beslan, e devem seguir ainda esta terça-feira para Moscovo, onde deverão receber cuidados médicos adicionais no hospital de Botkin. Os atacantes partiram vários dedos de Yelena Milashina, raparam-lhe parte do cabelo e cobriram-na de tinta verde. O advogado Alexander Nemov foi esfaqueado na perna.

“Foi um sequestro clássico. Agarraram o motorista, atiraram-no fora do carro, entraram, fizeram-nos baixar as nossas cabeças, amarraram as minhas mãos, fizeram-me ajoelhar e apontaram-me uma arma à minha cabeça”, relatou a jornalista ainda no hospital de Grozny, antes de ser transferida.

De acordo com o Memorial, grupo de Direitos Humanos banido na Rússia, Milashina e Nemov foram “brutalmente espancados, incluindo no rosto, foram ameaçados de morte, tiveram uma arma apontada às suas cabeças e os seus telemóveis foram retirados e esmagados”.

“Enquanto estavam a ser espancados, disseram-lhes: ‘Foram avisados. Vão-se embora daqui e não escrevam nada’”, adiantou o grupo Memorial através do Telegram.

De acordo com a publicação russa Medusa, a jornalista ficou com uma lesão no crânio e vários dedos partidos.

Elena Milashina é uma proeminente jornalista russa e trabalha há mais de 20 anos no jornal Novaya Gazeta. Ganhou notoriedade com a publicação de trabalhos sobre o submarino Kursk, que se afundou em agosto de 2000. Nos anos seguintes, publicou trabalhos sobre a violação de Direitos Humanos no Cáucaso do Norte e mais recentemente, desde 2017, tem abordado o tema da perseguição e tortura de homens homossexuais na Chechénia.

O jornal independente Novaya Gazeta é liderado por Dmitry Muratov, laureado com o Nobel da Paz em 2021. Desde a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022, o jornal suspendeu a publicação devido à censura em tempo de guerra, mas alguns repórteres continuam a trabalhar, sobretudo a partir do exílio.

Em 30 anos, seis jornalistas da Novaya Gazeta foram assassinados, incluindo a repórter Anna Politkovskaya, que também ganhou notoriedade nacional e internacional pelas suas reportagens sobre a Chechénia.

Milashina já tinha sido atacada na Chechénia em fevereiro de 2020. Em Grozny, a repórter e uma advogada de Direitos Humanos, Marina Dubrovina, foram alvo de agressões no lobby do hotel onde estavam alojadas. No ano passado, a repórter saiu da Rússia depois do líder checheno a ter descrito como uma “terrorista” numa publicação nas redes sociais.

“É difícil contabilizar quantas ameaças públicas já recebi de Ramzan Akhmatovich” afirmou na altura a jornalista, referindo-se ao presidente da república chechena, Ramzan Kadyrov.

Numa reação rara por parte do Kremlin, as autoridades russas consideraram que este foi um “ataque gravíssimo” que irá exigir “medidas energéticas” e deverá agora ser investigado, segundo adiantou o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov.

Já o presidente da Chechénia, Ramzan Kadyrov, garantiu que deu ordens aos “serviços competentes” para que façam “todos os esforços para identificar os atacantes”.

“As autoridades começaram a trabalhar de imediato após as notícias sobre o incidente”, afirmou através do canal no Telegram.
"Punida por ser mãe"
De acordo com o grupo de Direitos Humanos “Crew Against Torture”, o ataque ocorreu pelas 5h00 (hora local) perto do aeroporto de Grozny. O advogado atacado relata que o carro onde seguiam foi bloqueado por três viaturas e logo surgiram entre dez a 12 pessoas encapuzadas, que expulsaram o motorista de táxi e conduziram por mais alguns metros.

“Depois pararam, arrastaram-nos para fora do carro, atiraram-nos para a berma da estrada e começaram a pontapear-nos na cara e em todas as partes do corpo, alguns com paus. Esfaquearam-me na perna. Disseram-nos que não tínhamos motivos para estar ali, que trabalhássemos em casa, que não havia ninguém a precisar da nossa proteção”, relata o advogado.

O comissário de Direitos Humanos da Chechénia, Mansur Soltaev, visitou Yelena Milashina e Alexander Nemov no hospital de Grozny após o ataque. Foto: "Crew Against Torture" via Reuters


Os atacantes perguntaram ainda a Nemov sobre os casos em que está envolvido e quem é que estava a defender em julgamento. Enquanto procuravam desbloquear o seu telemóvel, tentaram ainda partir os dedos do advogado e levaram consigo informações sobre o caso de Zarema Musayeva, a cliente que ia representar em tribunal.

Zarema Musayeva é a mãe de dois ativistas de Direitos Humanos no exílio, Abubakar e Ibragim Yangulbayev, e está acusada de fraude e de ter atacado um polícia. Elena Milashina tinha viajado para Grozny para cobrir a audiência em tribunal.

Em declarações a uma ONG russa de Direitos Humanos “Crew Against Torture”, a jornalista relata o que ouviu por parte dos agressores enquanto visavam o advogado: “Defendes demasiado, defende-te a ti próprio, aqui não há ninguém para defender”.

Depois de realizar vários exames, a jornalista diz ter ficado com três dedos partidos e uma concussão. Sobre o caso que a levou à Chechénia, Milashina sublinha que Zarema Musayeva está a ser “punida por ser mãe”.

De acordo com o jornal The Moscow Times, as autoridades chechenas condenaram Zarema Musaeva a cinco anos e meio de prisão. A mulher de 53 anos foi detida pelas autoridades chechenas em janeiro de 2022 e está em prisão preventiva desde então.

Um dos filhos, Abubakar Yangulabev, considerou que esta sentença é equivalente a uma “pena de morte”, tendo em conta o estado de saúde de Zarema Musaeva, tendo-se inclusive disponibilizado para se apresentar às autoridades chechenas e pedindo em troca da libertação da mãe. Nos últimos meses, a família e vários grupos de Direitos Humanos têm alertado para a deterioração das condições de saúde de Musaeva por falta de cuidados de saúde adequados durante a detenção.

De acordo com o Moscow Times, as autoridades chechenas também já tentaram deter o pai dos dois ativistas, o juiz federal aposentado, Saydi Yangulbaev, mas o magistrado está protegido pela sua imunidade judicial.
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