Filhos de sobreviventes de Chernobyl não têm alterações genéticas significativas

por Nuno Patrício - RTP
Gleb Garanich - Reuters

Existe o conhecimento cientifico de que o corpo humano, exposto a emissões radioativas durante um elevado período de tempo, pode sofrer alterações no comportamento celular e/ou degenerativas -algo a que os sobreviventes do desastre nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, foram sujeitos e com que tiveram que viver ao longo destes 35 anos.

Será que a exposição à radiação transformou a produção e/ou o código genético dos espermatozóides e óvulos, sujeitando os descendentes a doenças genéticas?

De acordo com o imunologista Dimitry Bazyka, diretor-geral do Centro Nacional de Pesquisa de Radioterapia em Kiev, Ucrânia, à revista Science online, “muitas pessoas pensam que, quando se está ou esteve na presença de uma elevada dose de radiação, durante um largo período de tempo, essa exposição tem efeitos colaterais no corpo humano e deve ter efeitos na próxima geração”.

Mas novos estudos realizados pela equipa dirigida por este imunologista vêm demonstrar que esses medos podem ser infundados. Dimitry Bazyka apresentou recentemente à comunidade científica um estudo, em que acompanhou ao longo dos anos mais de 200 sobreviventes de Chernobyl, que tiveram filhos, e os investigadores não encontraram evidências de um efeito transgeracional.

O estudo neutraliza em grande parte a incerteza em torno dos resultados na saúde humana provocados por um dos piores acidentes numa central nuclear, que ocorreu entre os dias 25 e 26 de abril de 1986.

Foto: Reuters

Os resultados parecem oferecer “uma mensagem tranquilizadora” aos afectados e evacuados das áreas contaminadas pelo acidente nuclear de Fukushima no Japão em 2011 .

“Ainda há muito nervosismo no Japão e noutros lugares sobre os efeitos transgeracionais”, refere o geneticista Stephen Chanock, diretor da Divisão de Epidemiologia e Genética do Cancro do Instituto Nacional do Cancro dos Estados Unidos, a revista científica Science.

O medo radioactivo chamado Chernobyl ou Fukushima
Apesar de haver uma maior implementação de fontes de produção de energia elétrica mais ecológicas e seguras (eólica e solar) a dependência energética da humanidade continua a crescer. E as centrais nucleares continuam, apesar dos riscos, a ser uma das maiores fontes de produção.

Para que se tenha uma noção do que se está a falar, está estimado que um grama de urânio enriquecido (U-235) fornece energia para alimentar uma casa familiar durante 50 anos. E apesar dos argumentos “risco”, o facto é que os níveis de segurança das centrais nucleares existentes “asseguram” e compensam as necessidades deste tipo de produção.

Mas nada pode ser dado como garantido e seguro a 100%. E ter uma central nuclear por perto comporta os seus perigos, como catástrofes naturais (Fukushima), falta de manutenção, incúria, falta de verbas ou guerras.

Máscara de gás de criança no recinto do jardim infantil abandonado | Gleb Garanich - Reuters
Foto: Reuters

Na explosão do reator nº 4 da central nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, em 26 de abril de 1986, isso ocorreu durante um teste de segurança que simulava uma falta de energia da estação, durante a qual os sistemas de segurança de emergência e de regulação de energia foram intencionalmente desligados.

Só que uma falha em cascata resultou numa reação descontrolada e sobreaquecimento do reator. A água, que servia para arrefecimento, foi instantaneamente transformada em vapor, dando origem a uma explosão, seguida de incêndio e com formações de vapores fulminantes que produziram correntes ascendentes consideráveis por cerca de nove dias.

Com todo este cenário, quer destrutivo quer radioactivo, o fogo só foi contido mais de uma semana depois.

As núvens produzidas pelos produtos de fissão nuclear lançados na atmosfera pelo incêndio precipitaram-se sobre partes da União Soviética e da Europa Ocidental e libertaram uma nuvem de contaminação radioativa sobre uma grande parte da Europa.

Cidade abandonada de Pripyat | Gleb Garanich - Reuters

Morreram neste acidente dois trabalhadores da central e 28 bombeiros que combateram este incêndio vieram a falecer de envenenamento por radiação aguda.

Para a restante população que vivia nos arredores da central e outros expostos a radionuclídeos, os efeitos foram ocorrendo de forma mais gradual.

A radiação ionizante contribuiu para a quebra molecular do DNA humano e desencadeou milhares de casos de cancro da tiróide em crianças e adolescentes após o acidente. Outros estudos relacionaram outras doenças associadas a este derrame radioactivo, como leucemia e doenças cardiovasculares.

As preocupações com as mutações da linha germinativa lançaram uma longa sombra.

Antigo empregado visita o centro de cotrolo do reator nº 4 que explodiu | Gleb Garanich - Reuters
Foto: Reuters

Segundo estudos médicos os progenitores normalmente transmitem de 50 a 100 dessas mutações, que aparecem no DNA dos seus espermatozóides e óvulos e passam para a geração seguinte.

Associado a este risco está a idade do elemento masculino: quanto mais velho for, mais mutações de novo (DNMs) existem e são passadas.

Embora DNMs não sejam necessariamente prejudiciais, alguns foram associados a algumas formas de autismo e outros transtornos de desenvolvimento.

Em 1993 o geneticista Stephen Chanock estabeleceu uma colaboração com Bazyka entre outros investigadores para "caçar" DNMs em progenitores que tivessem sido expostos à radiação, bem como a evolução na sua cadeia familiar e genética (filhos).

Entre as várias pessoas que fizeram parte do estudo, os investigadores analisaram em particular o estado de saúde de pessoas que estiveram envolvidas nas operações de limpeza das ruínas do reator em Chernobyl e seus descendentes, pessoas que foram evacuadas horas após o acidente.

Funcionário circula na sala do reator do terceiro bloco |Gleb Garanich - Reuters
Foto: Reuters

Ora estes elementos, como trabalhadores da central, transportavam dosímetros e os investigadores tiveram desta forma acesso à dose de radiação ionizante a que eles foram sujeitos.

De acordo com os dosímetros, os homens retratados no estudo, apresentavam doses de radiação entre zero a 4 Gy (Gray - quantidade de energia de radiação ionizante); nas mulheres da região, elas variaram de zero a 550 ml Gy (cinco Gy numa única exposição pode matar)

Agor,a e passados precisamente 35 anos do acidente de Chernobyl, no estudo elaborado entre os colegas do Broad Institute a equipe de Chanock refere que sequenciou os genomas de 105 pais e 130 crianças nascidas entre 1987 e 2002. E concluiu que o número de DNMs não foi maior do que o observado na população em geral - mesmo nas doses mais altas de radiação, relatam os pesquisadores à revista cientifica Science.

Um resultado promissor, apesar de os estudos realizados com os ratos de laboratório apontarem para um efeito transgeracional porque, ao contrário dos trabalhadores de limpeza ou evacuados de Chernobyl, que estavam expostos à radiação, não foram sujeitos a intensas explosões únicas de radiação, como os ratos usados nestas experiências, disse Chanock.

As exposições que ocorrem durante horas ou dias, podem permitir que os mecanismos celulares de reparação genética do DNA eliminem o excesso de mutações antes de serem transmitidas às crianças.

Foto: Reuters

Algo que Yuri Dubrova, um geneticista da Universidade de Leicester, que na década de 1990 e no início de 2000 relatou taxas de mutação elevadas, acha como uma explicação plausível. “Eles podem estar certos”, afirma. “Não sabemos por quanto tempo as células germinativas podem ter a capacidade de 'recordar' a história do ‘insulto’ mutagénico.”

Apesar destas conclusões agora apresentadas, os investigadores Chanock e Bazyka dizem continuar o estudo e continuar a analisar mais descendentes dos trabalhadores de limpeza de Chernobyl nascidos em 1987 e 1988, logo após o acidente, mas também dos netos.
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