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FBI apresenta desculpas por inação às ginastas vítimas de Larry Nassar

por Inês Geraldo - RTP
Simone Biles, McKayla Maroney, Maggie Nichols e Aly Raisman compareceram perante o Congresso norte-americano SAUL LOEB - POOL - EPA

O diretor do FBI, Christopher A. Wray, apresentou um pedido de desculpas a Simone Biles, Alexandra Raisman, Maggie Nichols e McKayla Maroney. As ginastas denunciaram na última quarta-feira perante o Congresso norte-americano os episódios de abusos sexuais a que foram sujeitas por parte de Larry Nassar, agora condenado a prisão perpétua, e acusaram o FBI de inação e deturpação quando reportaram pela primeira vez os abusos de que foram vítimas.

O diretor do FBI, Christopher A. Wray, esteve presente no Congresso e reconheceu os procedimentos deficientes que levaram à inação do FBI no caso Larry Nassar. Wray revelou que o agente que era responsável pela investigação, e que falou com McKayla Maroney em 2015, foi despedido.
Diretor do FBI pede desculpa às vítimasFoi a primeira vez que uma figura do FBI apareceu em público para falar da ação da organização no caso que abalou as fundações da ginástica nos Estados Unidos.

Wray tornou-se diretor em 2017 e mostrou-se “furioso e desgostoso” quando soube que o FBI havia cometido vários erros na investigação, antes de ter chegado ao cargo de diretor.

“Peço desculpa pelo facto de tanta gente vos ter desiludido uma e outra vez. Peço especialmente desculpa pelo facto de haver pessoas no FBI que tiveram a oportunidade de parar este monstro em 2015 e falharam, e isso não tem desculpa. Nunca deveria ter acontecido e estamos a fazer de tudo em nosso poder para ter a certeza de que não volta a acontecer”.

Christopher Wray explicou que Michael Langeman, que falou com Maroney, foi despedido há duas semanas e foram cometidos demasiados erros básicos que vão contra o protocolo estabelecido pelo FBI para investigações sobre abusos sexuais.

“Não tenho uma explicação plausível para nenhuma de vocês. Em nenhum planeta, aquilo que aconteceu neste caso é aceitável"
Organizações desportivas no pelourinho
Simone Biles, uma das ginastas mais medalhadas de todos os tempos, considerada uma das melhores atletas na sua modalidade, sete vezes medalhada em Jogos Olímpicos, abriu a sessão dizendo: “Sou uma sobrevivente de abusos sexuais e acredito, sem a menor dúvida, que as circunstâncias que levaram ao meu abuso e que permitiram que o mesmo continuasse, são consequência direta do facto de que organizações criadas pelo Congresso, como a Federação de Ginástica e o Comité Olímpico e Paralímpico dos Estados Unidos, falharam em proteger-nos”.


Demonstrando desconforto por estar no Congresso norte-americano, Biles culpou todo um sistema que em vez de promover a segurança de atletas, encobriu as ações de um médico que usou a sua profissão para ganhar a confiança e abusar centenas de mulheres, incluindo atletas olímpicas que representaram os Estados Unidos no maior palco desportivo a nível mundial.



“Não quero que outra rapariga, jovem ginasta, atleta olímpica ou outra pessoa qualquer experiencie o horror que eu e centenas de outras mulheres passámos às mãos de Larry Nassar”, continuou Biles, com um discurso emocionado.

“Para ser perfeitamente clara, culpo Larry Nassar e também culpo um sistema que permitiu e perpetrou todos estes abusos. A Federação de Ginástica e o Comité Olímpico e Paralímpico dos Estados Unidos sabiam que eu estava a ser abusada pelo médico da equipa olímpica muito antes de eu saber que eles tinham esta informação na sua posse”.

Continuando o seu discurso, Simone Biles declarou que o FBI nunca a contactou sobre o abuso que sofreu às mãos de Larry Nassar.
Acusações de deturpação de relatóriosOutra das participantes da audição no Congresso foi McKayla Maroney, uma das faces mais visíveis do abuso por parte do antigo médico. Maroney foi contactada em 2015 pelo FBI mas acusou o entrevistador de dar pouca relevância ao seu testemunho e de o mesmo ter deturpado as suas declarações no relatório que realizou.

“Eles [FBI] permitiram que um pedófilo andasse à solta por mais de um ano e esta inação permitiu a Larry Nassar a abusar de mais raparigas”.


Maroney fez um discurso em que deu detalhes gráficos sobre as sessões com Larry Nassar e perguntou que razões podem levar as vítimas a fazer queixa ao FBI quando os seus agentes vão realizar relatórios que depois vão guardar “numa gaveta”.



“Depois de contar a minha história toda ao FBI no verão de 2015, não só o FBI não reportou os abusos como, 17 meses depois, quando documentaram as minhas declarações o relatório tinha afirmações falsas sobre tudo o que havia contado”.

A partir destas declarações de Maroney, o Inspetor-geral do Departamento de Justiça, Michael Horowitz, fez notar que esta ação por parte do FBI podia ter colocado em causa toda a investigação contra Larry Nassar.

McKayla Maroney explicou que falou dos abusos ao FBI antes de revelar os mesmos à sua mãe e falou da chamada de três horas que teve com um agente da organização, que terminou com a pergunta: “É tudo?”. A antiga ginasta revelou ter-se sentido menosprezada e esmagada pela falta de empatia do entrevistador.

“O Departamento de Justiça recusou-se a indiciar todos estes indivíduos. Porquê? O trabalho do Departamento de Justiça é responsabilizar estas pessoas. Estou farta de esperar que façam a coisa certa, porque o meu abuso foi mais do que suficiente e nós merecemos justiça”, concluiu McKayla Maroney.
Aly Raisman continua a pedir investigações independentesA antiga ginasta é uma das maiores referências da modalidade nos Estados Unidos. Esteve por duas vezes nos Jogos Olímpicos (Londres, 2012, e Rio de Janeiro, 2016), foi capitã de duas equipas e conquistou seis medalhas, incluindo três de ouro.

Foi uma das primeiras a reportar o abuso de Larry Nassar, acusa várias entidades de encobrirem a ação do médico, explicou a dificuldade em lidar com o stress pós-traumático de toda a situação e revelou sentir-se culpada por saber de inúmeros casos de raparigas abusadas porque queriam ser acompanhadas pelo médico da equipa olímpica da altura.



“Em 2015 era sabido que pelo menos seis atletas da equipa nacional tinham sido abusadas por Nassar. Houve, inclusivamente, uma atleta que foi abusada enquanto estava a ser gravada por uma câmara. Dado o acesso sem restrições que o nosso abusador tinha a crianças, pará-lo devia ter sido uma prioridade”.

Raisman também culpou o FBI por não ter atuado a tempo de parar Nassar na altura em que foram reportadas as primeiras queixas, antes de a grande investigação do Indianopolis Star ter sido publicada e ter criado um terramoto na comunidade da ginástica norte-americana.

“O que ocorreu foi o seguinte: o FBI não entrevistou os partidos mais pertinentes em tempo de adequado. Levou mais de 14 meses para o FBI me contactar, apesar de ter pedido por várias vezes para falar com eles”.

E acrescentou: “Senti-me pressionada pelo FBI a aceitar um acordo com Larry Nassar. O agente que falou comigo desvalorizou o significado do meu abuso e fez-me sentir que não valia a pena investigar o meu caso. Lembro-me de estar sentada com o agente a tentar convencer-me de que não tinha sido assim tão mau. Foram precisos vários anos de terapia para perceber de que os abusos de que fui vítimas foram maus e que tinham importância”.

Desde 2017, no rescaldo dos Jogos Olímpicos de 2016, que Aly Raisman tem sido uma das vozes mais ativas a pedir responsabilidades à Federação de Ginástica e Comité Olímpico e a questionar por que razão estas entidades têm colocado vários obstáculos a investigações independentes sobre as ações de Larry Nassar.
“Sem saber quem sabia o quê e quando, não podemos identificar todos aqueles que permitiram [os abusos] e determinar se essas mesmas pessoas continuam em posições de poder. Não podemos solucionar um problema que não percebemos e não vamos percebê-lo até conseguirmos ter todos os factos apurados”.
“Se não fizermos tudo o que pudermos para ter todos os factos, os problemas de que aqui falamos vão persistir e temos a ilusão de que outras crianças vão ser protegidas do abuso institucionalizado e normalizado que eu e muitas outras tivemos de aguentar”.

Maggie Nichols, aspirante à equipa olímpica de 2016, disse sentir-se traída pelas instituições que falharam em proteger as atletas e denunciar Larry Nassar na altura em que fez queixa pela primeira vez.

“Os meus sonhos olímpicos terminaram no verão de 2015 quando eu e a minha treinadora reportamos o abuso de Larry Nassar à liderança da Federação Americana de Ginástica”.

“Reportei o meu abuso há seis anos e desde essa altura tanto eu como a minha família recebemos poucas respostas e temos ainda mais perguntas sobre como foi possível toda esta situação ter ocorrido mesmo depois de ter feito queixa”.

E concluiu ao dizer: “Ao sacrificar a minha infância por uma oportunidade para competir pelos Estados Unidos, continuo a ser perseguida pelo facto de que, mesmo depois da minha queixa, muitas outras raparigas continuaram a ser abusadas e tiveram de sofrer às mãos de Larry Nassar”.
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