"Fanáticos com fantasias". Scholz ataca extrema-direita após discussão de deportações

por Cristina Sambado - RTP
Liesa Johannssen - Reuters

Os líderes da extrema-direita alemã reuniram-se em Potsdam para discutir um plano de deportação de migrantes, incluindo os de nacionalidade alemã. Olaf Scholz já reagiu e ataca os "fanáticos com fantasias de assimilação".

O chanceler alemão apelou aos democratas que se unam contra a extrema-direita depois de ter sido revelado um “plano diretor” de deportações em massa.

O partido de extrema-direita alemão Alternativa para a Alemanha (AfD) admitiu na passada quarta-feira ter discutido com um extremista austríaco que defende a "re-emigração", mas negou apoiar a ideia de expulsão em massa de estrangeiros.
A reunião, que envolveu membros do AfD, neonazis e empresários, decorreu em novembro numa vivenda em Potsdam, uma cidade perto de Berlim, para discutir um plano de expulsão de estrangeiros ou pessoas com a cidadania alemã de origem estrangeira.

De acordo com o jornal alemão Correctiv, que foi o primeiro a relatar a história, o conceito de "re-emigração" - o regresso forçado de migrantes, alegadamente incluindo os que têm cidadania alemã, aos seus países de origem através de deportações em massa - dominou as discussões.

O jornal acrescenta que Martin Sellner, cofundador do Movimento de Identidade Austríaco (IBÖ), apresentou um plano para enviar até dois milhões de pessoas - requerentes de asilo, estrangeiros e cidadãos alemães não assimilados - para o Norte de África.

Sellner confirmou à AFP que esteve presente no encontro. "Foi no final de novembro, apresentei o meu livro e o meu conceito de identidade da remigração", a terminologia utilizada pelos partidos hostis aos estrangeiros na Europa.

Martin Sellner, uma figura-chave da "Nova Direita" pan-europeia, em 2019, foi permanentemente impedido de entrar no Reino Unido devido às suas opiniões extremistas, recorda o jornal britânico Guardian.


Numa declaração enviada ao Guardian, Sellner confirmou que tinha apresentado a ideia de "remigração" na reunião, mas disse que não se tratava de um "plano secreto" e que os seus comentários tinham sido encurtados e retirados do contexto.

Durante a reunião, Sellner disse que tinha deixado "inequivocamente claro que não pode ser feita qualquer distinção entre diferentes tipos de cidadãos [alemães] - que não deve haver cidadãos de segunda classe - e que todas as medidas de remigração têm de ser legais".

"A remigração inclui não só deportações, mas também assistência local, Leitkultur [cultura orientadora] e pressão para a assimilação. A exigência faz parte de uma política alternativa de migração e família, cujo objetivo é controlar a imigração para que não ultrapasse os limites de acolhimento da Alemanha", acrescentou.Entre os membros da AfD presentes na reunião encontravam-se o representante pessoal da colíder do partido, Alice Weidel, Roland Hartwig, o deputado Gerrit Huy e o presidente do grupo parlamentar regional da AfD na Saxónia-Anhalt (leste da Alemanha), Ulrich Siegmund, entre outros.

Segundo o ADF, Hartwig limitou-se a apresentar um projeto de rede social" na reunião, para a qual tinha sido convidado. O partido garantiu que não elaborou qualquer estratégia política nem "trouxe para o partido as ideias de Sellner sobre a política de migração". Além disso, não tinha "qualquer conhecimento prévio" dessas ideias", acrescenta.

A reunião foi organizada pelo antigo proprietário da cadeia de padarias alemã "Backwerk", Hans Christian Limmer, e pelo extremista de direita Gernot Mörig.

O AfD, impulsionado em parte pelo descontentamento com a imigração, está em primeiro lugar nas sondagens nos cinco estados do leste da Alemanha, três dos quais (Saxónia, Turíngia e Brandeburg) deverão realizar eleições no final deste ano. Embora a conservadora União Democrata-Cristã (CDU) e o liberal e pró-empresarial Partido Democrata Livre (FDP) tenham, por enquanto, excluído a possibilidade de entrar em coligações com o partido, a presença do AfD na reunião sugere uma organização de extrema-direita com os olhos postos em ganhos políticos num futuro próximo.

Nos últimos meses, o partido beneficiou do sentimento de insegurança da população, resultante de um novo afluxo de imigrantes ao país e das disputas entre os três partidos da coligação de centro-esquerda de Olaf Scholz.

Longe de se sentir embaraçado com a reunião, Maximilian Krah, o principal candidato do partido às eleições para o Parlamento Europeu, em junho, prometeu abordar o grande número de migrantes que chegaram ao país em 2022, mais de 40 por cento dos quais eram alegadamente provenientes da Ucrânia.

"Em 2022, 2,7 milhões de pessoas migraram para a Alemanha", escreveu no X. "Isso está a destruir o nosso país! Só o AfD vai parar isto e organizar o seu regresso".
Reunião provoca indignação
A notícia da reunião provocou indignação, com os críticos a estabelecerem comparações entre as propostas da reunião para que as pessoas fossem deportadas para um "Estado modelo no Norte de África" e o plano inicial dos nazis para deportar os judeus europeus para Madagáscar, antes de optarem pelo assassínio em massa.

Olaf Scholz condenou veementemente, na quinta-feira, os alegados planos. "Protegemos todos, independentemente da origem, da cor da pele ou de quão desconfortável alguém é para os fanáticos com fantasias de assimilação", escreveu nas redes sociais.


"Aprender com a história é mais do que apenas falar", acrescentou, no que parecia ser uma referência à ditadura nazi, que fez da ideologia racial, do ostracismo e da deportação de judeus, ciganos, homossexuais e muitos outros a pedra angular da sua política. Scholz continuou: "Os democratas devem manter-se unidos".


Já a ministra alemã do Interior, Nancy Faeser, afirmou num retweet de um artigo do jornal alemão Der Spiegel que relatava o encontro: "Esta ideologia é dirigida contra os próprios fundamentos da nossa democracia. A dignidade do ser humano é inviolável. De todos os seres humanos".
c/ agências internacionais
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