Extremismo islâmico é principal ameaça à liberdade religiosa em Moçambique

por Lusa

As perseguições, crimes e violência religiosa agravaram-se em Moçambique, onde a principal ameaça é o extremismo islâmico, segundo o relatório da Fundação AIS sobre a liberdade religiosa no mundo, divulgado hoje.

O estudo, que avaliou 196 países, entre meados de 2018 e 2020, coloca Moçambique entre as 23 nações africanas onde a liberdade religiosa está ameaçada e alerta para o risco de progressão do "jihadismo transnacional" no continente africano, protagonizado por "cerca de duas dezenas de grupos" que atuam e cooperam "cada vez mais ativamente" em 14 países.

Destaca, neste contexto, a entrada de Moçambique para "o sinistro clube" dos países que acolhem os grupos islâmicos mais ativos na África Subsaariana, registando a deterioração da liberdade religiosa com perseguições, crimes de ódio e violência desencadeada por motivos religiosos.

O relatório escolheu Moçambique como um dos casos de estudo em África, considerando que o país vive um "ciclo de violência descontrolada" provocada pelo grupo fundamentalista Ahlu Sunnah Wa-Jama (localmente conhecido como Al-Shabaab), filiado no Daesh, que se estima, terá matado nos últimos três anos mais de 2.500 civis e deslocado mais de 700 mil pessoas.

"A partir de Moçambique, os `jihadistas` proclamam ter estabelecido "províncias do Califado" nas Comores, no norte de Madagáscar e, através do Oceano Índico, até à Indonésia, Malásia e Filipinas, aponta o relatório, sublinhando que "a ascensão do extremismo islamita no norte de Moçambique é um fenómeno complexo e de múltiplas causas".

Entre os fatores que permitem a "rápida disseminação e capacidade de recrutamento" das redes `jihadistas`, o estudo aponta a pobreza e corrupção, as fracas estruturas estatais na região, a falta de educação e oportunidades de emprego, as redes criminosas transnacionais que beneficiam do comércio ilícito de recursos naturais ou do narcotráfico, a frustração da população local perante a sua exclusão dos lucros dos minerais, as ações repressivas cometidas pelas forças de segurança e "influências fundamentalistas" de países como a Arábia Saudita e a Somália.

"Estas raízes, estimulando a ascensão de grupos como o Al-Shabaab, refletem um padrão e uma dinâmica semelhantes de radicalização islamita e de violência extrema observada em regiões como a Bacia do Lago Chade, o Sahel e a Somália", assinala o estudo.

O relatório destaca que a reação às raízes socioeconómicas do conflito, "até agora tem sido profundamente militarizada, contribuindo para uma nova espiral de violência".

Ainda de acordo com o relatório, em África, 42% dos países (23 em 54) registam violações da liberdade religiosa, com 12 Estados com perseguições extremas baseadas na religião.

O estudo aborda ainda os impactos da pandemia de covid-19 na prática religiosa, adiantando que nos primeiros meses, grupos terroristas e `jihadistas` aproveitaram o facto de os governos estarem focados na pandemia para aumentar os seus ataques violentos, consolidar os ganhos territoriais e recrutar novos membros.

"Inúmeras publicações de propaganda da Al-Qaeda, Daesh e Boko Haram na Internet descreveram a covid-19 como um castigo de Deus para o "Ocidente decadente", prometeram imunidade contra o vírus e asseguraram um lugar no paraíso para os `jihadistas`", refere o relatório.

Por outro lado, como resultado de regulamentos de distanciamento social impostos para conter a propagação do vírus, na maioria dos países africanos os locais de culto permaneceram fechados durante vários meses, incluindo durante a Semana Santa para os Cristãos e durante o Ramadão para os Muçulmanos.

Esta medida foi recebida com protestos em alguns países, nomeadamente em Moçambique e no Gabão, onde surgiram tensões quando o Governo prolongou o encerramento dos locais de culto apesar da reabertura de mercados, escolas e hotéis.

Na Libéria, Guiné-Bissau e Zâmbia, houve casos em que líderes religiosos decidiram manter igrejas e mesquitas fechadas, apesar da permissão do Governo para reabrir.

No Mali e no Senegal as mesquitas reabriram para as celebrações do Ramadão, mas a liderança da Igreja Católica decidiu não reabrir locais de culto devido ao elevado número de casos registados de covid-19.

Globalmente, um em cada três países no mundo não respeita liberdade religiosa e 67% da população mundial (5.200 milhões) vive em países com graves violações.

Em 43 países (2.932 milhões de habitantes), a liberdade religiosa é ameaçada por governos autoritários, em 26 países (1.252 milhões de pessoas) pelo extremismo islâmico e em quatro países (1.642 milhões de pessoas) por nacionalistas étnico-religiosos.

Fundada em 1947 para ajudar refugiados de guerra, a Fundação AIS (Ajuda à Igreja que Sofre) é uma organização católica internacional que apoia mais de 5 mil projetos pastorais em mais de 145 países por ano.

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