Extrema-direita "às portas do poder". Franceses chamados às urnas para segunda volta decisiva

por Rachel Mestre Mesquita - RTP
Jean-Luc Mélenchon (LFI) e Raphaël Glucksmann (PP) membros da Nova Frente Popular, ao centro o primeiro-ministro Gabriel Attal, do bloco Ensemble, e os líderes do Rassemblement National, Marine Le Pen e Jordan Bardella Rafael Garcin-Unsplash, Julien Mattia-EPA, Benoit Tessier, Yves Herman, Sarah Meyssonnier-Reuters

Após a vitória do Rassemblement National na primeira volta das eleições legislativas francesas, com cerca de 34 por cento dos votos, os franceses voltam às urnas este domingo com uma nova configuração nos boletins de voto. Mais de 200 candidatos da direita, centro-direita e esquerda desistiram na última semana, numa tentativa de bloqueio à extrema-direita, que vê as hipóteses de uma maioria absoluta de 289 deputados cada vez mais diluída, de acordo com as últimas sondagens. Este é um escrutínio decisivo num país fraturado e ameaçado pela ingovernabilidade.

Desde as 8h00 deste domingo (7h00 em Lisboa) que os eleitores franceses podem votar na segunda volta das eleições legislativas antecipadas. Nos territórios ultramarinos, os franceses foram chamados às urnas no sábado.

As assembleias de voto encerram às 18h00, mas em algumas grandes cidades permanecerão abertas até às 20h00. As eleições legislativas francesas são realizadas por sufrágio universal direto, por maioria de duas voltas e por círculo eleitoral. No final, 577 deputados serão eleitos.

As eleições legislativas realizam-se quase um mês depois da decisão do presidente francês, Emmanuel Macron, de dissolver a Assembleia Nacional, na sequência da vitória expressiva da extrema-direita nas eleições europeias, e de convocar eleições antecipadas para 30 de junho e 7 de julho.

A dissolução da Assembleia em França é a sexta desde a criação da Quinta República
. A última aconteceu em 1997 e poderá conduzir a uma quarta coabitação política.
A coabitação, um duelo pelos poderes do Estado

Na história da Quinta República, a França assistiu a três coabitações no poder. A primeira foi entre o presidente socialista François Miterrand e o primeiro-ministro conservador Jacques Chirac (1986-1988), a segunda entre Mitterand e o conservador Edouard Balladur como chefe de Governo (1993-1995) e a mais recente e longa da história entre Jacques Chirac como presidente de França e o primeiro-ministro socialista Lionel Jospin (1997-2002). A coabitação é o termo utilizado quando o presidente da República e o primeiro-ministro não provêm do mesmo campo político.

Nestas eleições, caso os resultados da primeira volta se confirmem, ou o das sondagens para a segunda volta, o campo presidencial do presidente Macron e do primeiro-ministro Gabriel Attal está longe de manter a sua maioria na Assembleia Nacional.

E se um partido ou bloco da oposição obtiver a maioria absoluta, como é o caso do Rassemblement National, de Jordan Bardella e Marine Le Pen, ou da aliança de esquerda, a Nova Frente Popular, de Raphaël Glucksmann e Jean-Luc Mélénchon, o presidente será assim obrigado a nomear um primeiro-ministro da força política que vencer as eleições. Uma eventual coabitação suscita preocupações quanto à repartição de poderes entre o presidente Macron e o novo primeiro-ministro eleito, escreve Le Monde.

A Constituição francesa prevê que a política interna do país seja confiada aos membros do Governo eleito, ao passo que o presidente da República passa a ter um papel mais secundário, em caso de coabitação.

"O primeiro-ministro dirige a ação do Governo, assegura a execução das leis e é responsável pela defesa nacional"
e "o governo determina e conduz a política da nação, tem à sua disposição a administração e as forças armadas", determina a Constituição.

Com poderes próprios e limitados, cabe ao presidente da República nomear o primeiro-ministro da sua escolha, presidir ao Conselho de Ministros e assinar descretos e portarias, dissolver a Assembleia Nacional, uma vez por ano se necessário, ou arrogar-se poderes executivos em caso de ameaça "grave e imediata" às instituições, à independência da nação, à integridade territorial ou ao cumprimento de compromissos internacionais, explicao jornal Le Monde.

De acordo com as últimas sondagens, as hipóteses de o Rassemblement National obter uma maioria absoluta na Assembleia (289 deputados em 577)  e formar Governo parecem estar a desaparecer, devido ao elevado número de desistências nas candidaturas de esquerda e centro-direita durante a última semana

Já a Nova Frente Popular surge como a segunda força mais votada, seguindo-se o campo presidencial Ensemble pour la République.
A França poderá tornar-se ingovernável?

Deste modo, a horas do veredicto final, não há garantias de que qualquer partido consiga obter uma maioria absoluta na Assembleia. A ausência de uma força maioritária necessária para governar ou de formação de uma coligação governativa poderão conduzir o país para um período de instabilidade política ou ingovernabilidade.

É o caso da maioria relativa, que parece ser o cenário mais provável para o futuro do país, o que poderá tornar a França ingovernável. Caso nenhuma força política consiga vencer claramente, o novo Governo em funções terá dificuldade em governar e avançar com projetos de lei e reformas. A aprovação do Orçamento de Estado poderá revelar-se mesmo impossível.

Após uma semana de campanha eleitoral violenta, com relatos de agressões a vários candidatos políticos, os eleitores franceses vão às urnas sob forte dispositivo policial nas ruas: mais de 30 mil polícias foram destacados para tentar controlar a cólera dos manifestantes da extrema-direita e da extrema-esquerda.
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