Explosões numa fábrica de Nova Orleães vieram hoje juntar ao caos instalado desde a passagem do Katrina o medo de que produtos tóxicos na atmosfera agravem as condições já extremas em que milhares de pessoas esperam por ajuda.
A retirada dos refugiados prossegue hoje a ritmo lento, agravado pela decisão da Cruz Vermelha de encerrar as portas do estádio Astrodome, em Houston, quando ali tinha chegado apenas cerca de metade dos refugiados retirados do Superdome, em Nova Orleães, estando os restantes a ser desviados para outros locais.
Na cidade de Nova Orleães - como, em menor escala, em muitos outros locais das zonas devastadas -, milhares de pessoas continuavam hoje desesperadamente à espera de ajuda.
Desde segunda-feira, muitos milhares de pessoas que permaneceram na cidade apesar da ordem de evacuação continuam isoladas, sem água, sem alimentos, sem electricidade e sem comunicações, à espera de uma ajuda que não está a chegar.
O Congresso, em Washington, aprovou quinta-feira uma ajuda de emergência de 10,5 mil milhões de dólares (cerca de 8,5 mil milhões de euros), o Pentágono anunciou o envio de 1.400 militares da Guarda Nacional por dia e o Presidente garantiu, nas televisões, que uma ajuda maciça está a chegar.
Mas apenas alguns helicópteros com água e alimentos estão a conseguir chegar aos refugiados, que enfrentam, além do resto, um clima de anarquia em que bandos armados vagueiam pela cidade assaltando, pilhando, atacando, matando e violando.
A governadora do Luisiana, Kathleen Blanco, voltou hoje a manifestar a sua irritação com os "vadios" e avisou que centenas de militares da Guarda Nacional recém-chegados do Iraque estão em Nova Orleães e "têm ordens para disparar a matar".
A isto juntam-se problemas de saúde pública, provocados não só pelas condições insalubres que apresenta uma cidade inundada, destruída e em que os sistemas de água e esgotos não funcionam, como também pelos cadáveres, já em decomposição, espalhados pela cidade.
Uma forte explosão seguida de várias mais pequenas abalou hoje de madrugada a zona ribeirinha da cidade, iluminando o céu escuro da noite com um enorme incêndio seguido de uma espessa coluna de fumo negro.
As explosões deram-se, segundo a polícia, numa fábrica de produtos químicos situada na margem oriental do Mississipi, próximo do caminho-de-ferro, o que fez surgir o receio de que incidentes como este provoquem a libertação de químicos tóxicos na atmosfera.
Uma equipa especializada em produtos perigosos foi enviada para o local pouco após as explosões, que se registaram às 04:35 locais (10:35 em Lisboa), mas até ao momento as autoridades não dispõem de informações adicionais sobre o ocorrido.
Ali perto, junto ao Superdome, o estádio de Nova Orleães usado para acolher 25.000 refugiados do Katrina, milhares de refugiados continuam à espera de ser retirados, num ambiente de total falta de condições e, também aqui, tentando escapar aos conflitos que surgem regularmente dentro do estádio.
O transporte dos refugiados para Houston, no vizinho Texas, foi suspenso quinta-feira à noite, quando a população dentro do Astrodome atingiu as 11.325 pessoas, menos de metade das 25.000 esperadas.
"Atingimos a capacidade limite que garante segurança e um mínimo de conforto às pessoas cá dentro", explicou Dana Allen, porta- voz da Cruz Vermelha, acrescentando que "as pessoas estão bastante apertadas" no chão do estádio.
Mesmo assim, dentro do Astrodome, os médicos estão a enfrentar dificuldades para atender todas as pessoas que precisam de assistência.
"As pessoas podem pensar que estamos muitos (médicos e paramédicos) aqui dentro, mas não estamos. Precisamos de ajuda", disse o médico Steven Glorsky, que tem estado a tratar ataques cardíacos, feridas e diabetes.
Algumas pessoas, cujo número não foi precisado, foram detidas no Astrodome, nomeadamente alguns homens que forçaram a entrada nos duches das mulheres.
Todos os refugiados que entraram no Astrodome foram revistados e todas as armas - cerca de 30 - e drogas encontradas foram-lhes retiradas.
Os que não couberam no Astrodome vão, segundo as autoridades, ser transferidos para outros locais de acolhimento em Houston, embora não tenha sido explicado de que forma isso vai afectar as outras operações previstas, que envolviam o acolhimento de um total de 75.000 refugiados nesta cidade e em Dallas e San Antonio.
à espera da evacuação continuam nomeadamente as 15.000 a 20.000 pessoas refugiadas no Centro de Convenções de Nova Orleães, onde, segundo o chefe da polícia, Eddie Compass, o ambiente é muito conflituoso e há relatos de violações e espancamentos.
"Há turistas a dirigirem-se para lá e, quando chegam, são molestados", disse.
Um helicóptero militar tentou hoje várias vezes aterrar no terraço do Centro para deixar água e alimentos, mas foi impedido pela enorme multidão que se precipitou para o local, na tentativa de estar entre os primeiros a receber a ajuda.
Os militares optaram então por lançar as caixas de uma altura de três metros e foram-se embora.
"Eles (o governo) não fazem ideia do que aqui se passa", disse o presidente da câmara de Nova Orleães, Ray Nagin.
"Não faço ideia do que é que eles estão a fazer, mas digo- lhes: Deus está a ver-nos e, se eles não estão a fazer tudo o que podem para salvar as pessoas, vão pagar um preço, porque a cada dia que passa há pessoas a morrer e estão a morrer às centenas", acrescentou.
Em Washington, antes de partir para mais um voo sobre as zonas devastadas, George W. Bush respondeu às críticas afirmando que "os resultados (da resposta) são inaceitáveis".
"Vamos ultrapassar esta situação. E vamos ajudar todas as pessoas que precisam de ajuda", afirmou o Presidente.
Um alto responsável do exército, o general Steve Blum, considerou hoje que a situação de segurança em Nova Orleães deve melhorar consideravelmente nas próximas 24 horas, com a chegada de vários milhares de soldados suplementares.
Segundo o general, 1.976 membros da Guarda Nacional chegaram esta madrugada à cidade e, até ao fim do dia de hoje, um total de 7.000 estarão envolvidos no restabelecimento da ordem.
A passagem do furacão Katrina fez um número ainda indeterminado de mortos, que pode atingir os milhares, e estragos avaliados em muitos milhares de milhões de dólares - mais de 100 mil milhões de dólares, numa estimativa feita hoje pela empresa norte- americana Risk Manamegement Solutions, especializada na gestão de catástrofes.
Cerca de 235.000 quilómetros quadrados, mais de duas vezes e meia a área de Portugal, foram devastados pelo furacão, que atingiu com particular dureza os estados do Mississippi, do Alabama e do Luisiana (sul).