Ex-chefe da Mossad admite autoria de Israel em ataques ao Irão

por Inês Moreira Santos - RTP
Keith Bedford - Reuters

Apenas uns dias depois de deixar o cargo, Yossi Cohen revelou detalhes específicos sobre as ações da Mossad contra o programa nuclear do Irão, o seu papel no acordo dos Emirados Árabes Unidos, os ataque em Gaza, o assassínio do principa cientista iraniano e sobre o ainda primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

Yossi Cohen, que se aposentou como chefe da Mossad na semana passada, revelou detalhes inéditos sobre a atividade recente da agência contra o Irão, numa entrevista ao documentário "Uvda", transmitidos na televisão israelita na quinta-feira à noite.

O ex-chefe dos Serviços Secretos do Estado de Israel expôs, entre outros assuntos, informações sobre o roubo do arquivo nuclear iraniano e como, com uma incursão em 2018, Israel conseguiu obter milhares de documentos.

"Foi importante para nós que o mundo visse isto, mas isto também afeta a liderança iraniana, dizendo-lhes: 'Queridos amigos: primeiro, foram descobertos; segundo, estamos a observar-vos; terceiro, a era das mentiras acabou", disse Cohen.

Como a BBC recorda, Netanyahu revelou os arquivos roubados numa conferência de imprensa em 2018, afirmando que tais documentos eram a prova de que o Irão estava a tentar produzir secretamente armas nucleares - acusação repetidamente negada por Teerão.

Cohen admitiu ainda na entrevista que esta operação foi planeada durante dois anos e que, dos 20 agentes envolvidos, nenhum era israelita.
Ataque à central nuclear de Natanz
Durante a entrevista Cohen ainda sugeriu que o Governo israelita estaria envolvido na destruição das instalações nucleares do Irão, em Natanz. Sobre as explosões nesta central, o entrevistador Ilan Dayan perguntou a Cohen onde colocaria explosivos se os pudesse transportar até à central de Natanz.

"Onde estão localizadas as centrifugadoras giratórias", respondeu Cohen, que não confirmou explicitamente a responsabilidade de Israel pela sabotagem em Natanz. "Dizemos muito claramente [ao Irão]: 'Não vamos permitir que produzam armas nucleares. O que não entendem'"?.

Já sobre o assassinato do cientista nuclear Mohsen Fakhrizadeh, não confirmou nem negou envolvimento da Mossad, mas admitiu que os conhecimentos do cientista preocupavam a agência. Fakhrizadeh, identificado por Israel como o pai do programa de armas nucleares do Irão, foi morto numa emboscada perto de Teerão em novembro de 2020. Na altura Israel foi acusado pelo assassinato; agora Cohen assumiu que o especialista era vigiado pela Mossad há anos.

Cohen deixou ainda um claro aviso a outros cientistas do programa nuclear iraniano. Segundo o antigo chefe da Mossad, estes especialistas nucleares também podem tornar-se alvos de assassinato, mesmo enquanto decorrem em Viena as negociações do Acordo Nuclear.

"Se alguém tem uma capacidade que põe em perigo os cidadãos de Israel, deve deixar de existir", disse na entrevista, acrescentando, no entanto, que um cientista nuclear pode ser poupado "se estiver preparado para mudar de profissão e não nos prejudicar mais".

Embora Cohen não assuma a responsabilidade pelo assassinato, Dayan afirmou que Cohen, na entrevista transmitida na televisão, aprovava "pessoalmente toda esta operação".

Na entrevista do programa de investigação do Canal 12, o ex-chefe da agência de inteligência israelita negou que a "proximidade a Netanyahu" e ao seu círculo íntimo tivesse comprometido a Mossad. Durante o seu mandato de cinco anos e meio, Cohen enfrentou críticas pelas ligações ao primeiro-ministro e a outras entidades, e pelas alegações de que as suas ações enquanto chefe da Mossad tinham motivos políticos.

"Eu sei que pago um preço pela minha proximidade" e que "a relação de confiança que tenho com o primeiro-ministro é muito útil para as operações da Mossad e o seu desenvolvimento", afirmou , acrescentando: "Eu trabalho para um objectivo superior. Não trabalho para o primeiro-ministro".

O primeiro-ministro israelita nomeou Cohen como chefe da Mossad no final de 2015, mas este já trabalhava para os Serviços Secretos israelitas desde 1982.

A comunicação social israelita funciona sob uma política que exige que os jornalistas eliminem histórias envolvendo questões de segurança através de censores militares. O facto de as declarações de Yossi Cohen aparentemente terem passado os censores sugere que Israel queria, com esta entrevista, deixar um novo aviso ao Irão.
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