Eventual eleição da extrema-direita em França é um perigo para as mulheres?

por Rachel Mestre Mesquita - RTP
"O RN é como o teu ex, ele diz que mudou mas não é verdade", pode ler-se no cartaz durante uma manifestação feminista contra a extrema-direita, em Paris, junho 2024 Anna Margueritat - AFP

O líder do Rassemblement National, Jordan Bardella, apresenta-se como o primeiro-ministro que "garantirá", de forma infalível, a todas as mulheres de França "os seus direitos e liberdades", numa tentativa de atrair os votos do eleitorado que lhe escapa. Nas próximas eleições, "também vocês vão votar pelos vossos direitos", afirmou nas redes sociais, antes de elencar uma lista de "avanços" pelos quais os deputados do RN alegadamente "lutaram". Mas declarações e recentes votações do seu partido demonstram o contrário. Um "feminismo de fachada" denunciado por associações feministas que alertam para o "perigo real" que esta eleição representa para o direito das mulheres.

Num vídeo que se tornou viral, publicado nas redes sociais a 17 de junho, Jordan Bardella dirigiu-se às mulheres francesas como o grande defensor dos seus direitos e apelou ao voto no partido de extrema-direita nas próximas eleições legislativas, cuja segunda volta está agendada para o próximo domingo. Isto numa tentativa de recuperar o voto feminimo no partido, que durante muito tempo esteve bloqueado pelas mulheres, especialmente durante a liderança do seu fundador, Jean-Marie Le Pen.

"A 30 de junho e a 7 de julho, também vocês vão votar pelos vossos direitos", apelou Jordan Bardella. "Serei o primeiro-ministro que garantirá de forma infalível a cada rapariga e cada mulher de França os seus direitos e liberdades", prometeu o presidente do RN, garantindo-lhes que "em França a mulher é livre e continuará a sê-lo".


Mas o programa eleitoral do RN, as posições dos membros do partido e as recentes votações das leis e medidas tanto na Assembleia francesa como no Parlamento Europeu demonstram exatamente o oposto das suas promessas, de acordo com a imprensa francesa que tem analisado ao pormenor a  "manipulação retórica" feita pelo partido de extrema-direita.

Na edição desta quinta-feira, o jornal francês Libération denuncia a "farsa" do Rassemblement National, que, "por detrás de uma fachada de feminismo, continua a ser uma ameaça aos direitos das mulheres" e denuncia uma estratégia do partido de extrema-direita que "sequestra o feminismo para promover o ódio", a xenofobia e o racismo, responsabilizando sistematicamente os estrangeiros e imigrantes pela violência e insegurança no espaço público


Quer seja no direito ao aborto (IVG), desigualdade salarial ou nas medidas de combate à violência doméstica, o Rassemblement National de Marine Le Pen nunca defendeu os direitos das mulheres quando teve oportunidade, denunciam várias associações de defesa dos direitos das mulheres e especialistas no assunto.

Apesar das suas promessas eleitorais no combate à violência contra as mulheres, o RN absteve-se na votação de uma lei destinada a reforçar a luta contra a violência sexual e de género, conhecida como "lei Schiappa", em 2018. Assim como também não participou na votação sobre a igualdade profissional, designada "lei Rixain", em 2021 e votou contra a proposta de lei que propunha que 40 por cento dos lugares na função pública fossem atribuídos a mulheres, em 2023.
O RN defende o direito ao aborto?
Apesar de Jordan Bardella ter afirmado, no vídeo, que o RN defende "o direito fundamental das mulheres ao controlo do seu próprio corpo", o partido de extrema-direita parece continuar muito dividido sobre a interrupção voluntária da gravidez (IVG), votando contra e abstendo-se em diversas ocasiões.

Por exemplo, a 4 de março quase metade dos seus deputados votaram contra a consagração histórica deste direito na Constituição francesa, com 11 votos contra, 20 abstenções e 14 ausentes, dos 91 deputados eleitos. Mas "porque nenhuma mulher deve temer que um único destes direitos seja posto em causa, Marine Le Pen apoiou a inscrição do aborto na Constituição", afirmou Bardella.

E talvez por esta razão o líder do partido tenha optado por mencionar apenas o nome da sua antecessora, Marine Le Pen, que apoiou desde 2012 o direito ao aborto rompendo com a posição defendida pelo seu pai, Jean-Marie, e mais recentemente apoiou a inscrição da IVG na Constituição.
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