Eurovisão. Vitória de Nemo reacende debate sobre pessoas não-binárias na Suíça

por Rachel Mestre Mesquita - RTP
Leonhard Foeger - Reuters

Após a vitória do jovem suíço Nemo, na última edição do Festival da Eurovisão da Canção, reacende-se o debate nacional sobre as pessoas não-binárias e a existência de um terceiro sexo no país. Com a vitoriosa canção "The Code", o artista de 24 anos tornou-se a primeira pessoa não-binária, ou seja, que não se identifica como feminina ou masculina, a vencer o concurso.

Através da sua música "The Code", o rapper suíço quis "quebrar o código" e apelar ao reconhecimento oficial da Suíça daqueles que, como ele, não se identificam nem como homens nem como mulheres."Espero que este concurso possa continuar a encorajar a paz e a dignidade para todos", disse Nemo no momento da vitória, depois de ter conseguido alcançar um total de 591 pontos.

Ao contrário de outros países como as vizinhas Áustria ou Alemanha, onde vive atualmente, a Suíça não reconhece a existência de um terceiro sexo .
Mas a questão que se coloca, neste momento é: vai a Suíça mudar de posição em relação às pessoas não-binárias e reconhecer a existência de um terceiro sexo?
Ministro aberto à discussão
Para já, está previsto um encontro - ainda sem data marcada - entre o jovem artista suíço e o atual ministro suíço da Justiça, Beat Jans, que respondeu favoravelmente ao convite feito por Nemo, durante a conferência de imprensa, no sábado à noite, em Malmõ, na Suécia, segundo os meios de comunicação suíços. Aproveitando o palco internacional, Nemo considerou "absolutamente inaceitável" que não seja possível a inscrição de um terceiro género na Suíça e afirmou que a situação no país tinha de ser alterada: "Temos de mudar isso".

Desafio aceite pelo ministro suíço da Justiça, Beat Jans, que ficou "encantado" com Nemo e a sua "vitória no Festival da Eurovisão da Canção", de acordo com a porta-voz do ministro, Kathrin Alder. "O ministro Beat Jans ficou encantado com Nemo. Ele está muito feliz com a vitória de Nemo na Eurovisão e envia os seus mais calorosos parabéns", disse a porta-voz do ministro, segundo o diário suíço 20 minutes"O ministro Jans está ansioso por este encontro. Está-se agora a procurar uma data adequada", acrescentou.

Segundo o canal de televisão estatal suíço RTS, as pessoas não-binárias têm grandes esperanças em Beat Jans, uma vez que conseguiu adotar a lei cantonal sobre a igualdade durante o seu mandato como presidente cantonal de Basileia. A lei foi revista para incluir pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros, não-binárias e intersexuais, um passo inédito na Suíça alemã.

O recém-empossado ministro suíço da Justiça,
Beat Jans, em funções desde dezembro de 2023, já tinha promovido a melhoria da situação das pessoas LGBTQ+ a nível cantonal com a adoção da lei que visa criar "um modelo de género contemporâneo" que "rejeita a binaridade - feminino e masculino - e a heteronormatividade". O relatório que então suportava o projeto de lei defendia que o género e a orientação sexual devem "ser considerados na sua diversidade".
A Suíça não está preparada?
Apesar de o Parlamento suíço ter alterado as disposições sobre o registo de género no Código Civil, em janeiro de 2022, permitindo a qualquer pessoa que esteja "firmemente convencida de que não pertence ao género inscrito no registo civil" pode ter a sua inscrição alterada, só poderá escolher entre dois géneros reconhecidos: feminino e masculino.

A este propósito, o Conselho Federal suíço considerou há dois anos, num relatório publicado sobre o assunto, que a Suíça não estava suficientemente preparada para registar um terceiro género no registo civil e que o princípio de binaridade dos sexos ainda estava demasiado enraizado na sociedade suíça. Para além das numerosas alterações à Constituição e às leis nacionais e cantonais que exigiriam o abandono do princípio de binaridade.

Mais de dois anos depois a vitória do jovem suíço não-binário, género não reconhecido legalmente na Suíça, reacende o debate sobre a questão que tem divido a esquerda, que é favorável, e a direita conservadora doPartido Popular Suíço (SVP, na sigla em alemão) e o centro-direita que se opõem à ideia de alterar o modelo atual baseado no princípio da binaridade.

Com a sua vitória na 68ª edição do Festival Eurovisão da Canção, que se realizou na cidade sueca Malmö, de 7 a 11 de maio, Nemo tornou-se também no segundo vencedor suíço, depois de a cantora canadiana Céline Dion ter vencido o concurso em 1988, em representação da Suíça, o que levou o país a começar os preparativos para acolher a próxima edição do concurso em 2025.
pub