EUA. Vacinação precipitada origina caos e menores taxas de administração
Nem todos os Estados norte-americanos vão ter boa nota no exame da vacinação contra a Covid-19, concluiu uma investigação da agência de notícias Associated Press, AP. E a culpa será da precipitação dos responsáveis políticos no alargamento das campanhas, a qual provocou uma corrida às vacinas a que se tornou impossível dar respostas atempadas e organizadas.
O sentimento geral nestes Estados é de frustração, de confusão e de resignação. E, apesar das promessas, a percentagem de pessoas ali vacinadas é menor do que noutros Estados mais lentos mas mais metódicos, como o Connecticut e o Havai.A atrapalhação revelada pelas autoridades é um embaraço. Para os governadores que anunciaram nos últimos dias uma verdadeira campanha alargada de vacinação, na precipitação de cumprir os desejos do presidente Joe Biden de ter toda a população norte-americana vacinada até dia 1 de maio, a lição é sem dúvida amarga.
As entregas erráticas das vacinas desde a chegada dos primeiros lotes, a 14 de dezembro, explicam apenas parte dos problemas, tal como as teorias de conspiração, o ceticismo face à vacinação, ou a comunicação pouco esclarecedora, são fatores associados que poderão ter dificultado a implementação dos programas.
O estudo da AP revela contudo que muitas das autoridades dos Estados norte-americanos que mais alargaram perderam as rédeas do processo e mostraram-se incapazes de controlar quem tinha acesso às vacinas, onde e quando, o que tornou impossível coordenar a distribuição e a administração.
A princípio, a decisão sobre quem deveria chegar-se à frente para ser vacinado, mesmo quando não havia lotes suficientes, foi simples. A maioria dos Estados seguiu o conselho dos especialistas a nível nacional e deu prioridade aos trabalhadores da área da Saúde e aos residentes de instituições de terceira idade. Esses dois primeiros grupos foram os mais fáceis. As doses podiam ser entregues diretamente onde as pessoas viviam e trabalhavam. "Sabíamos onde estavam e quem eram", explicou Wurtz.
No Missouri, o governo alargou a vacinação aos maiores de 65 anos a 18 de janeiro e depois voltou a expandir, sem acautelar adequadamente as reservas de vacinas nem a distribuição das doses que detinha.
Perante a descoordenação generalizada e a falta de doses nos grandes centros urbanos, os cidadãos tornaram-se criativos. Em todo o Missouri multiplicaram-se verdadeiras expedições à cata de vacinas nas zonas rurais.
Uma única pediatra da área suburbana de St Louis, a dra Elizabeth Bergamini, reconheceu ter conduzido cerca de 30 pessoas até locais muitas vezes recônditos onde sabia estar a ocorrer um evento de vacinação.
"Tem sido uma trapalhada monumental", descreveu sem hesitação à AP. "Partimos da vacinação de várias centenas de milhares de pessoas na área de St Louis e somámos mais meio milhão de pessoas sem ter vacinado todo o primeiro grupo", criticou a pediatra.
Os melhores e os piores
"Tornou-se um bocado caótico", reconheceu Marcus Plescia, diretor da Associação Estatal e Territorial de Responsáveis Clínicos. "Criámos uma procura muito superior à oferta. Isso stressou o sistema o que pode tê-lo deixado menos eficiente". A análise aos dados sugere que "uma planificação mais metódica, contida, ajuizada e baseada em prioridades, pode ser tão ou mais eficiente do que abrir tudo e tornar a vacinação acessível a mais pessoas - apesar da perceção do público", acrescenta Plescia.
Até inícios de março, a West Virginia era o Estado norte-americano com maior número de pessoas admitidas à vacinação em simultâneo com taxas altas de administração das vacinas. O segredo? O plano começou de forma lenta e as autoridades garantiram reservas antes de expandir o direito a novos grupos, conclui o estudo.
As consequências da abertura excessiva são evidentes na comparação Estado a Estado das percentagens de população vacinada, referem ainda a AP e a Surgo Ventures, que analisaram as estatísticas recolhidas pelo Howard Hughes Medical Institute's Department of Science Education.A análise só não abrangeu o Alasca. O Estado manteve um alto nível de vacinação de grupos limitados da sua população, mas a 9 de março, perto do fim do período em análise, alargou-a a todos os maiores de 16 anos, o que tornou impossível uma comparação fiável com outros Estados.
No Connecticut e na mesma data, a vacinação abrangia 30 por cento da população adulta e a velocidade de administração estava em quarto lugar a nível nacional.
Em contraste, o Mississipi já tinha alargado a vacinação a 83 por cento dos seus cidadãos tendo administrado somente 35.174 doses por cada 100 mil adultos, num desonroso 43º lugar entre os 49 Estados norte-americanos admitidos à análise. O Missouri, com 61 por cento da sua população admitida, tinha dispensado apenas 35.341 doses por cada 100 mil adultos.
Para acentuar a tendência, sete dos 10 últimos Estados quanto à eficácia da vacinação registavam um alargamento do direito à vacinação superior à média - casos da Georgia, do Tennessee, do Texas, da Florida, do Mississipi, da Carolina do Sul e do Missouri.
Em contraste, cinco dos 10 Estados com mais altos níveis de vacinação mantiveram um controlo apertado dos grupos eleitos a serem inoculados - foram eles o Novo México, o Dakota do Norte, o Connecticut, o Wyoming e o Havai.
Dois outros do grupo da frente, o Dakota do Sul e o Massachusets, foram medianos no alargamento das prioridades.
Ao ritmo da entrega das doses
"Esta é uma análise abrangente que prova uma associação clara entre o alargamento da elegibilidade e as taxas de vacinação em todos os Estados" norte-americanos, indica Mark McClellan, ex-diretor da Administração de Alimentos e Medicamentos, que não esteve envolvido no estudo.
A qualificação alta quanto à eficácia da administração das vacinas pode dever-se à prevenção desses Estados quanto às reservas de doses, e à inoculação completa dos grupos de risco antes de alargar a novas categorias das suas populações, lentamente e ao ritmo de novas entregas das vacinas, admite McClellan.
O que se irá seguir vai depender da capacidade de adaptação de cada Estado com piores resultados e de que forma poderão melhorar os respetivos sistemas de distribuição. Também os norte-americanos poderão mostrar-se mais desinteressados em receber a vacina, à medida que a pandemia abranda, conclui o analista.