EUA. Surto de sarampo no Texas faz primeiras vítimas mortais

por Graça Andrade Ramos - RTP
Placa a indicar um local de testes de sarampo em Gaines, Texas Sebastian Rocandio - Reuters

Pelo menos uma criança hospitalizada com sarampo morreu na noite de quarta-feira, no oeste do Texas, confirmou esta quarta-feira a porta-voz do Texas Tech University Health Sciences Center, Melissa Whitfield.

De acordo com o ministério da Saúde do Texas, "a criança em idade de ser escolarizada e não tendo sido vacinada, foi hospitalizada em Lubbock na semana passada, e testou positivo ao sarampo".

Uma hora depois, durante a primeira reunião de gabinete da Administração Trump, o secretário de Estado da Saúde, Robert F. Kennedy Jr, referiu a ocorrência de uma segunda morte.

“Duas pessoas morreram” de sarampo, anunciou Kennedy Jr, ao comentar a epidemia da doença, altamente contagiosa, que grassa actualmente no Texas, sem fornecer detalhes e apesar de nenhuma instituição de saúde texana ter referido uma segunda morte.

Kennedy Jr garantiu que a situação está a ser acompanhada, mas garantiu que a situação não é “anormal”. “Temos surtos de sarampo todos os anos”, afirmou. Embora o sarampo tenha sido declarado erradicado do país em 2000, graças à vacinação, os contágios voltaram a aumentar nos últimos anos, graças à queda das taxas de vacinação registadas desde a pandemia de Covid-19.

A confirmar-se o segundo caso, estas são as primeiras mortes por sarampo registadas nos Estados Unidos em quase dez anos, aumentando o receio de um regresso desta grave doença.

Terça-feira, o departamento estadual de saúde informou que o surto de sarampo na zona rural do oeste do Texas, iniciado no final de janeiro deste ano, contabilizava 124 casos em nove condados.

Está a ocorrer sobretudo entre a comunidade menonita "unida e subvacinada", disse a porta-voz do departamento de saúde, Lara Anton, especialmente entre as famílias que frequentam pequenas escolas religiosas privadas ou que estudam em casa.

Há também nove casos no leste do Novo México
, mas as autoridades dos dois Estados não tinham até há poucos dias qualquer prova a relacionar os casos, apesar de estarem centrados no condado de Lea, que faz fronteira com o condado de Gaines, o mais afetado no Texas.

Este é já o pior surto no Texas em quase três décadas. 
"Nunca vi isto"

A maioria das pessoas afetadas tem menos de 18 anos, com 39 infeções a ocorrer em crianças com menos de 4 anos e 62 em crianças dos 5 aos 17 anos. Dezoito adultos têm sarampo e cinco casos estão "pendentes" de determinação da idade.
A falta de vacinação, mesmo obrigatória, contribui para o contágio comunitário.
Gaines, um dos condados onde quase 14 por cento das crianças do ensino fundamental e médio não receberam pelo menos uma vacina obrigatória no ano letivo de 2023-24, registou até agora a maioria dos casos de sarampo, 80.

Logo depois surge Brownfield, no condado de Terry, com 21 casos.

O presidente da Câmara de Brownfield, Eric Horton, um republicano, disse acreditar na segurança da vacina conjunta contra o sarampo, a papeira e a rubéola (VASPR) porque é utilizada há muitos anos e impediu a propagação do sarampo nos EUA.

"Nunca vi isto tão de perto", disse Horton. "Sei que tivemos alguns surtos nos últimos anos, mas até aqui, sendo notícia nacional, isto é chocante."

A falta de informação sobre o que está a ocorrer também está a contribuir para o contágio, uma vez que a comunidade menonita está espalhada por pequenas cidades separadas por vastas extensões de terreno aberto pontilhadas por plataformas petrolíferas, mas ligadas devido às pessoas que viajam entre as cidades para trabalhar, ir à igreja, fazer compras e outras tarefas do dia-a-dia.

"Só descobri porque foi uma coisa de boca em boca", disse Dylan Cruz, de 28 anos, À Associated Press.
Um estudo desacreditado

Residente de Brownfield e pai de três filhos, Cruz disse que não está muito preocupado com o surto, já que os filhos estão vacinados contra o sarampo.

O ceticismo perante as vacinas tem contudo vindo a crescer nos Estados Unidos, com muitos pais a desconfiarem da forma como estas são produzidas e do conteúdo inoculado, depois de um estudo de 1998 ter relacionado a vacina VASPR com o aumento de casos de autismo.

O atual presidente, Donald Trump, prometeu que Kennedy Jr., um cético assumido sobre os processos de vacinação implementados nos EUA, iria debruçar-se sobre a suspeita, dando-lhe algum crédito.

Apesar disso, sabe-se que teoria teve origem em informações falsas difundidas pelo estudo de 1998, que foi depois retirado pelo jornal de medicina que o publicou.

Vários estudos científicos, repetidos nos EUA e no exterior, não encontraram provas de que as vacinas em geral ou aquelas com timerosal, ou tiomersal, causem autismo. O conservante foi entretanto removido das imunizações infantis de rotina, para sossegar o público e, embora permaneça em algumas vacinas contra a gripe, existem versões sem timerosal.


A Academia Americana de Pediatria considera as vacinas "uma das inovações médicas mais significativas do nosso tempo".

A vacina VASPR é segura e altamente eficaz na prevenção da infeção pelo sarampo e de casos graves da doença, com a primeira dose a ser recomendada para crianças entre os 12 e os 15 meses e a segunda entre os 4 e os 6 anos.

A série de vacinas é obrigatória para as crianças antes de ingressarem no jardim de infância nas escolas públicas de todos os Estados Unidos.

Antes da introdução da vacina em 1963, os EUA registavam cerca de três a quatro milhões de casos de sarampo por ano. Agora, são geralmente menos de 200 num ano normal.
Mais diagnosticos de autismo

Pelo contrário, os casos de autismo parecem cada vez mais prevalentes.

Em 2020, entre todas as crianças de 8 anos dos EUA, uma em 36 tinha autismo de acordo com a estimativa dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças. Um aumento face à relação de uma em 44, dois anos antes.

A diferença pode contudo relacionar-se com o aumento dos diagnósticos e pelo facto de muitos casos de perturbações de comportamento, que teriam sido anteriormente classificados de outra forma, serem agora abrangidos no âmbito das "desordens autísticas".

"A maior parte do aumento nas últimas décadas ocorreu em crianças e adultos relativamente levemente afetados que, talvez no passado, não teríam sido classificados como autismo", explicou Maureen Durkin, professora de ciências da saúde populacional na Universidade de Wisconsin-Madison.

Com a melhoria dos serviços de rastreio e do autismo, o diagnóstico sucede cada vez mais em idades muito jovens. E também tem havido mais consciência e defesa das famílias negras e hispânicas, levando a um aumento do autismo diagnosticado entre esses grupos.

com agências
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