EUA "preocupados" com cenário de fornecimento de armas russas a Pyongyang

por Cristina Sambado - RTP
Kremlin Pool - Via EPA

A sugestão, por parte de Vladimir Putin, de que a Rússia poderia fornecer armas à Coreia do Norte é "incrivelmente preocupante", afirmou Matthew Miller, porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, dias depois de Vladimir Putin e o líder do Norte, Kim Jong-un, terem assinado um pacto de defesa. Este acordo estabelece que os dois países forneçam assistência militar imediata em caso de ataque.

Matthew Miller, porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, afirmou que o fornecimento de armas russas a Pyongyang "desestabilizaria a Península Coreana, como é óbvio, e potencialmente, dependendo do tipo de armas fornecidas, violaria as resoluções do Conselho de Segurança da ONU que a própria Rússia apoiou".O Departamento de Estado adverte que tal ação poderia desestabilizar a península, numa altura em que a Coreia do Sul considera fornecer armamento à Ucrânia.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Coreia do Sul afirmaram que o tratado entre a Rússia e a Coreia do Norte representa uma "séria ameaça" à paz e à estabilidade na Península Coreana.

Blinken frisou que os EUA iriam considerar "várias medidas" em resposta ao pacto, que elevou os laços entre os Estados afetados pelas sanções ao seu nível mais alto desde a guerra fria.

A divergência em torno do envio de armas para ambos os lados da guerra na Ucrânia agravou-se esta semana, entre especulações de que Putin e Kim discutiram fornecimentos adicionais de mísseis e munições da Coreia do Norte para uso das forças russas quando se encontraram em Pyongyang na quarta-feira.


Durante uma visita de Estado ao Vietname, na quinta-feira, Putin afirmou que o fornecimento recíproco de armas russas à Coreia do Norte seria uma resposta adequada ao fornecimento de armas às forças ucranianas por parte do Ocidente.

"Aqueles que enviam estes mísseis para a Ucrânia pensam que não estão a lutar contra nós, mas eu disse, incluindo em Pyongyang, que nos reservamos o direito de fornecer armas a outras regiões do mundo, tendo em conta os nossos acordos com a Coreia do Norte", afirmou Putin. "Não excluo essa possibilidade".
Putin, que se encontrou com Kim pela segunda vez em nove meses, também avisou a Coreia do Sul que estaria a cometer um "grande erro" se decidisse fornecer armas à Ucrânia.

"Espero que isso não aconteça", afirmou o presidente russo aos jornalistas em Hanói. "Se acontecer, então estaremos a tomar decisões relevantes que dificilmente agradarão aos atuais dirigentes da Coreia do Sul."

A visita de Putin ao Vietname, onde foi recebido com uma salva de 21 tiros na quinta-feira, também causou mal-estar em Washington. Em resposta, o diplomata Daniel Kritenbrink visitará o Vietname esta sexta-feira e no sábado para sublinhar o compromisso de Washington em trabalhar com Hanói para garantir uma região do Indo-Pacífico "livre e aberta".

A Coreia do Sul, um exportador de armas em crescimento com um exército bem equipado apoiado pelos Estados Unidos, forneceu ajuda não letal e outros apoios à Ucrânia e juntou-se às sanções lideradas pelos EUA contra Moscovo. Mas o país tem uma política de longa data de não fornecer armas a países que estão em guerra.

Esta sexta-feira, Chang Ho-jin, conselheiro de segurança nacional do presidente sul-coreano, Yoon Su Yeol, disse que Seul iria reconsiderar a sua posição sobre o fornecimento de armas à Ucrânia.


“Estamos a planear reconsiderar a questão do apoio de armas à Ucrânia”, disse Yoon Su Yeol.O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, também manifestou a sua preocupação com o facto de a Rússia poder ajudar a Coreia do Norte a avançar com os programas de mísseis balísticos e nucleares - ambos com progressos significativos apesar de anos de sanções do Conselho de Segurança da ONU.

As autoridades norte-americanas acreditam que a Coreia do Norte pretende adquirir a Moscovo aviões de combate, mísseis terra-ar, veículos blindados, materiais e equipamento para a produção de mísseis balísticos e outras tecnologias avançadas.


Os EUA e a Coreia do Sul afirmam que existem provas de que Pyongyang já forneceu um número significativo de mísseis balísticos e projéteis de artilharia à Rússia. Alegações que a Coreia do Norte descreveu como "absurdas".

A exportação de armas russas para a Coreia do Norte agravaria as tensões na península coreana e, segundo alguns peritos, poderia intensificar uma corrida regional ao armamento que já envolveu a Coreia do Sul e o Japão - ambos aliados dos EUA. Relações entre Seul e Pyongyang agravaram-se

As relações entre as duas Coreias deterioraram-se drasticamente, nas últimas semanas, com o recomeço da guerra psicológica da era da guerra fria, que incluiu a utilização pela Coreia do Norte de balões para largar grandes quantidades de lixo no lado sul da fronteira entre os dois países.

Seul respondeu com a difusão de propaganda anti-norte-coreana através de altifalantes. Esta sexta-feira, as tropas sul-coreanas dispararam tiros de aviso depois de soldados da Coreia do Norte terem alegadamente atravessado a fronteira pela terceira vez este mês.Coreia do Norte está a construir muro na fronteira
Há também indícios de que a Coreia do Norte está a construir muros em pontos ao longo da fronteira, dias depois de vários dos seus soldados terem sido mortos ou feridos durante a limpeza de terrenos em zonas repletas de minas.

Segundo a BBC, imagens de satélite de alta resolução de um troço de sete quilómetros da fronteira parecem mostrar pelo menos três secções onde foram construídas barreiras. É possível que tenham sido construídos mais muros ao longo de outros troços da fronteira.A data exata do início da construção não é clara devido à falta de imagens anteriores de alta resolução na área. No entanto, estas estruturas não eram visíveis numa imagem captada em novembro de 2023.

As imagens analisadas pela BBC Verify mostram também que foram limpos terrenos dentro da Zona Desmilitarizada (DMZ), o que, segundo os especialistas, pode constituir uma violação das tréguas de longa data com a Coreia do Sul.

A DMZ é uma zona tampão de quatro quilómetros de largura entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, que tecnicamente ainda estão em guerra por nunca terem assinado um tratado de paz. A DMZ está dividida em duas, sendo cada lado controlado pelas respetivas nações.

Esta atividade recente é "invulgar", segundo os especialistas, e surge numa altura de tensões crescentes entre os dois países.

"A minha avaliação pessoal é que esta é a primeira vez que eles constroem uma barreira no sentido de separar sítios uns dos outros", afirmou à BBC, Uk Yang, um especialista militar e de defesa do Instituto Asan de Estudos Políticos em Seul.As últimas imagens de satélite do extremo leste da fronteira mostram o que parece ser uma estrada de acesso recentemente criada.

"Na década de 1990, a Coreia do Norte tinha erguido muros antitanque para impedir o avanço dos tanques em caso de guerra. Mas, recentemente, a Coreia do Norte tem vindo a erguer muros com dois a três metros de altura, e não se parecem com os muros antitanque", sublinhou Yang.

"A forma dos muros sugere que não são apenas obstáculos [para os tanques], mas que se destinam a dividir uma área", acrescentou o especialista depois de analisar as imagens de satélite.

A Guerra da Coreia terminou em 1953 com um armistício, no qual ambas as partes se comprometeram a não "executar qualquer ato hostil dentro, a partir ou contra a zona desmilitarizada". Mas não houve um acordo de paz definitivo.

Embora a reunificação tenha parecido improvável durante anos, este sempre foi o objetivo declarado dos líderes norte-coreanos até ao início de 2024, quando Kim Jong Un anunciou que o seu país deixaria de perseguir essa ambição.
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