EUA - Possível maioria católica no Supremo Tribunal gera debate no país
Pela primeira vez na história dos Estados Unidos, o Supremo Tribunal poderá ter dentro de dias uma maioria de juízes católicos, com a aprovação pelo Senado de Samuel Alito para a instituição.
Num país em que a religião desempenha um papel importante na vida política e social, o advento de uma maioria católica no seu mais alto órgão jurídico está a provocar reacções que vão desde o receio da influência de posições conservadoras do Vaticano na opinião dos juízes a outros que pensam que a crença dos juízes pouca ou nenhuma implicação tem na prática.
Uma maioria católica no Supremo está dependente da aprovação pelo Senado norte-americano de Samuel Alito, considerado ultra- conservador, escolhido pelo Presidente George W. Bush para substituir Sandra Day O`Connor, uma moderada, no Supremo Tribunal.
As nomeações vitalícias ou até o juiz se decidir reformar têm que ser aprovadas pelo Senado que iniciou segunda-feira as audiências com Samuel Alito, o qual durante vários dias irá ser questionado sobre a sua filosofia jurídica, moral e mesmo religiosa em relação aos aspectos mais prementes da lei norte-americana.
As audiências de confirmação da nomeação, transmitidas em directo por alguns canais de televisão, são autênticos combates verbais em que testemunhas são chamadas a depor a favor ou contra o juiz.
A comissão do Senado que está a ouvir Alito deverá votar a 17 de Janeiro, antes de um voto definitivo em sessão plenária prevista para o fim do mês.
Os católicos são cerca de um quarto da população dos Estados Unidos, um país onde até à eleição de John Kennedy (também ele católico), no início da década de 1960, o anti-catolicismo e a desconfiança em relação aos católicos era uma vertente da cena política do país.
A possibilidade de uma maioria católica no Supremo Tribunal (cinco dos nove juízes) é vista como um sinal claro do avanço dos católicos nas instituições norte-americanas, onde cada vez menos as diferenças religiosas entre grupos cristãos desempenham um papel determinante.
Mas o facto de nas audiências de confirmação no Senado se preverem perguntas sobre a religião de Alito tal como nas recentes audiências para a nomeação do Juiz John Roberts para o cargo de presidente do Supremo Tribunal, faz com que alguns analistas afirmem que o anti-catolicismo é ainda uma realidade na sociedade norte- americana.
Manuel Miranda, fundador da Conferência do Terceiro Ramo, uma organização que monitoriza questões judiciais no país considera as perguntas que foram feitas a Roberts e que vão ser feitas a Alito sobre a sua religião de "totalmente desapropriadas" e um sintoma de "intolerância religiosa".
"É insultuoso e é uma ofensa", disse Miranda para quem Alito deveria informar os senadores que lhe façam tal pergunta de que "a Constituição proíbe que ela seja feita seja a quem for".
Douglas Kmiec, professor de lei constitucional na Faculdade de Direito da Universidade de Pepperdine, na Califórnia, considera, no entanto, que o Senado tem a obrigação de fazer perguntas sobre "a fidelidade à lei" sendo portanto "totalmente apropriado que a questão seja colocada".
"O que é desapropriado é que o Senado só faça essa pergunta a católicos", disse Kmiec, acrescentando que a "história das audiências do Senado assim o mostra".
Dos quatro juízes católicos actualmente no Supremo Tribunal (Antonin Scalia, Anthony Kennedy, John Roberts e Clarence Thomas) três deles (Scalia, Kennedy e Roberts) foram questionados sobre que influência a religião teria nas suas decisões. Todos responderam guiar- se pela lei, não pela Bíblia ou outra fonte de inspiração religiosa.
Alguns analistas consideram que as acusações de anti- catolicismo são uma manobra de círculos conservadores para impedir a discussão de "uma área crucial da filosofia jurídica".
"É muito difícil discutir-se esta questão sem se ser acusado de ser anticatólico", disse o reverendo Welton Gaddy da Aliança Inter- Fé para quem, "na verdade, não se trata de uma questão religiosa mas sim política".
Muitos analistas consideram que "a questão católica" no Supremo Tribunal não existe, pois o anti-catolicismo que existia mesmo aquando da eleição de John Kennedy já desapareceu.
Para Cathleen Kaveny, professora de Teologia e Lei na Universidade de Notre Dame, "no mínimo (a nomeação de Alito) é uma vitória sobre a intolerância histórica (anticatólica)" enquanto Dennis Hutchinson, um especialista na história do Supremo Tribunal na Universidade de Chicago, lembra que tem havido juízes católicos muito liberais e outros muito conservadores.
"Todos sabem que os católicos podem ser conservadores ou liberais, isso é verdade para qualquer juiz quer seja protestante, judeu ou católico", disse.
Marci Hamilton, autor de um livro sobre a religião e a sua influência na lei norte-americana (God versus the Gavel: Religion and the Rule of Law), considera que mais importante do que a religião dos juízes "é a Universidade onde foram educados".
Se Alito for nomeado, disse Hamilton, sete dos nove juízes serão formados pela Faculdade de Direito da prestigiosa Universidade de Harvard.
"As ortodoxias desta academia jurídica terão provavelmente mais influência em certas questões jurídicas do que qualquer opção religiosa", escreveu Hamilton num artigo de opinião no Los Angeles Times.
Sabe-se que dos quatro juízes católicos no Supremo Tribunal, pelo menos três deles (Scalia, Thomas e Roberts) são católicos praticantes. Samuel Alito é igualmente católico praticante.