EUA. Milhares de pessoas celebram o "sonho" de Martin Luther King

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Jim Lo Scalzo - EPA

Esta sexta-feira são esperadas milhares de pessoas numa marcha nacional em Washington, em comemoração da histórica marcha cívica de 1963 em defesa dos direitos civis. A manifestação é o culminar de meses de protestos contra a violência policial e o racismo nos EUA, uma realidade que está ainda longe do “sonho” que Martin Luther King idealizou há 57 anos

Esta sexta-feira espera-se que milhares de pessoas se reúnam no Lincoln Memorial, na capital norte-americana, para participar numa marcha em defesa da igualdade e de reformas na polícia.

O cenário será semelhante ao vivido precisamente há 57 anos naquele local, durante a histórica marcha cívica pelos direitos civis, que culminou com o célebre discurso de Martin Luther King. Perante mais de 200 mil pessoas, o ativista político partilhou o seu sonho de uma América unida e livre de racismo – um sonho que está ainda longe da realidade.

A marcha decorre numa altura em que os EUA são, há vários meses, palco de manifestações contra a violência policial e o racismo. A morte de George Floyd em maio - o afro-americano asfixiado por um agente policial branco - foi o ponto de partida dos protestos que recentemente se intensificaram após mais um caso de violência policial. No passado domingo, três agentes da polícia fizeram sete disparos, pelas costas, contra Jacob Blake, afro-americano de 29 anos.

“Temos de criar uma consciência diferente e um clima diferente na nossa nação”, disse Martin Luther King III, filho do ativista político e um dos responsáveis pela convocação da marcha. “Isso não vai acontecer, a não ser que nos mobilizemos”, sublinhou à agência Associated Press.

O reverendo Al Sharpton anunciou durante o funeral de George Floyd a organização da marcha que decorre esta sexta-feira. O objetivo é “restaurar e renovar o compromisso com o sonho que Martin Luther King Jr. definiu", bem como demonstrar a urgência de reformas na polícia, condenar a violência racial e exigir proteção do direito ao voto nas eleições presidenciais de novembro.
Problemas “muito persistentes”
Em 1963, Luther King já lamentava “os horrores indescritíveis da brutalidade policial” e mais de meio século depois, este é ainda um problema atual, assim como o racismo sistémico e a desigualdade.

“Muitos dos mesmos problemas ainda existem. É por isso que precisamos de continuar a falar sobre eles, continuar a marchar e a organizarmo-nos”, disse Danielle Belton, editora da revista digital The Root.

“Sim, algumas coisas mudaram de muitas formas e em muitos casos para melhor”, acrescentou Belton, citada por Al Jazzeera. “Mas a realidade é que muitas destas questões são muito persistentes, porque estão entrelaçadas na estrutura da sociedade americana”, concluiu.

A recente aprovação de duas leis é uma das esperanças na mudança. Em junho, a Câmara dos Representantes aprovou a lei de George Floyd, que proíbe o uso de estrangulamento pela polícia e acaba com a imunidade qualificada para agentes policiais.

Mais tarde, em julho, após a morte do ativista pelos direitos civis John Lewis, senadores democratas reintroduziram a legislação que restauraria uma cláusula do histórico Voting Rights Act, de 1965, eliminada pelo Supremo Tribunal dos EUA em 2013. A lei exigia que os Estados com um histórico de supressão de voto obtivessem autorização estatal antes de alterar os regulamentos de votação. Ambas as medidas aguardam aprovação no Senado, de maioria republicana.

“Estamos a exigir que sejam promulgadas”, disse o filho de Martin Luther King. “Os senadores nem tomarão medidas em relação a isso. Isso dá-nos uma oportunidade de dizer: ‘Ok, nós demo-vos uma oportunidade, nós enquanto povo, pessoas negras, pessoas brancas, latinas e hispânicas e vamos votar contra vocês'”, acrescentou Martin Luther King III.

“Há vários senadores que precisam de ir embora porque não têm a capacidade ou não demonstram ter capacidade de perceber o que precisa de acontecer na comunidade”, explicou.
Pandemia limita o número de participantes
Ao contrário das mais de 200 mil pessoas que participaram na marcha de 1963, esta sexta-feira os organizadores não esperam mais de 50 mil participantes, depois de a capital norte-americana ter impedido a chegada de pessoas de outros Estados devido à pandemia de Covid-19 que continua a aumentar no país.

Para contornar a situação, os grupos de direitos civis que organizam o evento incentivam a população a participar na marcha de forma virtual nos restantes Estados, onde ecrãs gigantes estarão a transmitir em direto a marcha em Washington.

Natalie Hopkinson, docente no Departamento de Comunicação, Cultura e Estudos de Media da Howard University, considera que uma menor multidão poderá afetar o impacto da marcha, mas não prejudicará o sentimento de urgência em relação à justiça racial e desigualdade no país.

“Os números fazem a diferença e isso foi o que tornou os protestos contra a morte de George Floyd realmente poderosos”, disse Hopkinson a Al Jazeera. “Mas atulamente estamos perante um acerto de contas moral e a marcha fará parte disso. Faz tudo parte do objetivo em obter justiça para a população negra”, explica a docente.

Após a manifestação comemorativa onde se espera um discurso do advogado de direitos civis Bem Crum, que representa várias das famílias das mais recentes vítimas de violência racial, os participantes irão em marcha até ao memorial de Martin Luther King, no Parque West Potomac.
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