O chefe da polícia responsável pela segurança do Capitólio pediu a demissão, na sequência do ataque perpetrado na quarta-feira àquele edifício por apoiantes do Presidente Donald Trump. A facilidade com que os manifestantes invadiram o edifício está a levantar questões relativamente à forma como a polícia respondeu ao assalto e à segurança do Capitólio para eventos futuros.
Steven Sund, chefe da Polícia do Capitólio dos Estados Unidos, vai renunciar no dia 16 de janeiro. A decisão surge horas depois de a presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, o ter instado a pedir a demissão. “Muitos dos nossos agentes do Capitólio agiram de forma tão corajosa e eles merecem a nossa gratidão. Mas houve uma falha de liderança por parte dos superiores da polícia do Capitólio”, acusou Pelosi.
O cerco ao Capitólio é já considerado uma das maiores falhas de segurança da história recente dos Estados Unidos e está a motivar apelos a uma investigação. A presidente da Câmara de Washington DC não tem dúvidas de que houve uma “falha”.
“Evidentemente que houve uma falha senão não teriam sido violadas as linhas de segurança da polícia”, disse Muriel Bowser. “Vai ter de ser aberta uma investigação sobre o que aconteceu”, sublinhou a mayor da capital norte-americana.
O que aconteceu?
Os responsáveis pela segurança do Capitólio reconheceram que não estavam preparados para conter uma multidão, mas muitos críticos têm apontado que a manifestação pró-Trump, com o mote “Salvem os EUA” e que juntou milhares de norte-americanos, estava já marcada há várias semanas e era motivo suficiente para que as forças policiais ativassem medidas preventivas mais robustas.
Durante semanas, à medida que se aproximava o dia em que o Congresso iria estar reunido numa sessão para ratificar a vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais, estavam a ser organizadas manifestações por parte de apoiantes de Donald Trump nas redes sociais e havia rumores de que os protestos poderiam ser violentos.
Porém, em entrevista à Associated Press (AP), o chefe da polícia agora demissionário, responsável pela segurança do Capitólio, explicou que as autoridades esperavam que fosse apenas uma manifestação de descontentamento face à vitória de Biden nas eleições e não um “ataque violento”, como veio a ocorrer.
Apesar dos vários alertas, a Polícia do Capitólio não solicitou ajuda antecipadamente para proteger o edifício e quando os manifestantes começaram a cercar a área, estavam apenas presentes cerca de 2.300 agentes responsáveis pela segurança do Congresso e dos 51 hectares de área do Capitólio. Quando os manifestantes quebraram as barreiras, conseguiram passar pelas forças de segurança e invadir o edifício. A Polícia do Capitólio não foi capaz de impedir, sozinha, o caos que se instalou.
A AP avança esta sexta-feira que a Polícia do Capitólio rejeitou ajudas para controlar os manifestantes. Três dias antes da invasão ao Capitólio, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos terá disponibilizado elementos da Guarda Nacional para reforçar a segurança do edifício, mas a oferta foi rejeitada.
“Perguntamos mais do que uma vez e a resposta final que obtivemos no domingo, dia 3, foi que eles não precisavam da ajuda do Departamento da Defesa”, revelou Kenneth Rapuano, secretário adjunto da Defesa para a Segurança Interna.
A mesma fonte acrescenta ainda que no próprio dia, à medida que os manifestantes iam chegando ao Capitólio, o Departamento de Justiça disponibilizou agentes do FBI, mas que a oferta foi novamente rejeitada.
Horas depois chegou ajuda e a Polícia do Congresso foi reforçada por unidades de intervenção do FBI e da Polícia Metropolitana. Mas era já tarde de mais. Por essa altura, os manifestantes estavam já dentro do edifício a arrombar portas, destruir a propriedade e a tirarem fotos de si próprios enquanto destruíam o Congresso.
Foram precisas quatro horas para expulsar os apoiantes de Trump do Capitólio. Como consequência deste assalto, há a registar cinco mortos, incluindo um polícia do Capitólio que tinha ficado gravemente ferido durante o ataque ao Congresso e morreu na quinta-feira.
“Imaginem se os terroristas não fossem brancos”
As diferenças na atuação das forças policiais durante estes protestos, que envolveram maioritariamente manifestantes brancos, e as manifestações durante o verão do movimento Black Lives Matter estão também a provocar uma onda de críticas.
As imagens da atuação policial nestes dois momentos mostram grandes diferenças. Na quarta-feira, os manifestantes pró-Trump não foram impedidos de invadir o Capitólio e vaguearam durante horas no interior do edifício, enquanto deixavam um rasto de destruição. Por sua vez, os manifestantes negros que durante o verão do ano passado saíram às ruas em protestos, maioritariamente pacíficos, contra a brutalidade policial enfrentaram medidas de policiamento muito mais robustas e agressivas, com os agentes a recorrerem a gás lacrimogéneo, a balas de borracha e ao abuso de força para afastar os manifestantes.
“Imaginem o que teria acontecido se os terroristas domésticos que vimos ontem [quara-feira] no Capitólio não fossem brancos?”, questionou Rashawn Ray, um professor de sociologia e especialista em policiamento da Universidade de Maryland, citado pelo Finantial Times.
O presidente eleito Joe Biden respondeu a esta questão, sugerindo que a resposta da polícia teria sido mais contundente se os manifestantes fizessem parte do Black Lives Matter.
“Ninguém me pode dizer que se tivesse sido um grupo do movimento Black Lives Matter a protestar na quarta-feira, eles não teriam sido tratados de uma forma muito, muito diferente do que foram os bandidos que invadiram o Capitólio”, disse Biden. “E é inaceitável, completamente inaceitável”, sublinhou.
A ex primeira-dama Michelle Obama também deixou uma mensagem no Facebook a criticar as disparidades na atuação da polícia. “E se estes terroristas se parecessem com as pessoas que vão à Igreja Batista Ebenezer todos os domingos? O que teria acontecido de diferente? Acho que todos sabemos a resposta”, escreveu a mulher do antigo Presidente norte-americano, referindo-se à igreja, situada em Atlanta, onde Martin Luther King pregou até ser assassinado em 1968.
“Quando os negros protestam em defesa da sua vida, somos habitualmente confrontados por militares da Guarda Nacional ou polícia equipada com armas automáticas, escudos, gás lacrimogéneo e capacetes”, disse em comunicado o grupo Black Lives Matter.
“Não se enganem, se os manifestantes fossem negros, teríamos sido atingidos com gás lacrimogéneo, espancados e talvez baleados", acrescentou o movimento ativista, que foi o principal organizador dos protestos do ano passado contra a morte do afro-americano George Floyd.
Segurança reforçada no Capitólio para a cerimónia de tomada de posse
Os distúrbios e a perda de controlo por parte da polícia levantaram sérias questões sobre a segurança no Capitólio para eventos futuros, nomeadamente para a tomada de posse de Joe Biden, no próximo dia 20.
A equipa responsável pelo planeamento já teve de adaptar a cerimónia de forma a atender às recomendações de segurança face à pandemia da Covid-19. Agora, com o “ataque sem precedentes à democracia”, como descreveu Biden, a equipa tem de avaliar novas questões de segurança na preparação do evento que dá as boas-vindas ao novo Governo.
Apesar destes incidentes de última hora, os responsáveis pela coordenação do dia da tomada de posse já garantiram que a cerimónia se vai realizar.
“A grande tradição americana de uma cerimónia inaugural ocorreu em tempos de paz, de tumulto, em tempos de prosperidade e em tempos de adversidade”, disse o senador republicano Roy Blunt, do Missouri, e a senadora democrata Amy Klobuchar, do Minnesota. “Estaremos a prestar juramento ao Presidente eleito Biden”, acrescentaram.
As forças de segurança já começaram a tomar precauções adicionais após o ataque de quarta-feira. Aproximadamente 6.200 membros da Guarda Nacional de seis Estados estarão a prestar auxílio à Polícia do Capitólio e a outras autoridades em Washington nos próximos 30 dias.
Também foram colocadas umas vedações altas em metal no terreno do Capitólio de forma a ser impossível de escalar e penetrar o edifício.
c/agências