Estudo. Promessas climáticas de empresas petrolíferas não passam de "greenwashing"

por Inês Moreira Santos - RTP
Daniel Becerril - Reuters

As grandes empresas petrolíferas prometem ações climáticas e estratégias amigas do ambiente, mas as promissoras alegações não são mais do que uma forma de desviar as atenções e, enquanto isso, continuam a alimentar a extração e uso dos combustíveis fósseis. As cada vez mais frequentes acusações de greenwashing contra este setor são bem fundamentadas e, na maioria dos casos, verdadeiras, concluiu uma investigação.

O estudo divulgado esta semana pelo Guardian investigou os dados e registos da ExxonMobil, da Chevron, da Shell e da BP – todas juntas responsáveis por mais de dez por cento das emissões globais de dióxido de carbono desde 1965 – e concluiu que, nos últimos 12 anos, as promessas destas empresas não estão alinhadas com as suas ações.

"Vinte empresas de combustíveis fósseis são responsáveis ​​por 35 por cento de todas as emissões de dióxido de carbono e metano associadas à energia em todo o mundo desde 1965", lê-se no estudo, que acrescenta que "o principal emissor de propriedade de investidores é a Chevron, seguida de perto pela Exxon, a BP e a Shell".

Os investigadores identificaram um aumento acentuado da menção de expressões como “clima”, “baixo carbono” e “transição verde” nos relatórios anuais destas empresas, mormente da Shell e da BP, com cada vez mais promessas de estratégias climáticas. Contudo, quando analisadas, as ações concretizadas eram escassas.

“A análise financeira revela uma dependência contínua do modelo de negócios aos combustíveis fósseis, juntamente com gastos insignificantes em energia limpa”, escreveram no relatório os autores do estudo.

Embora não seja surpreendente, a conclusão a que chegaram os investigadores é que as acusações de greenwashing de que são alvo estes gigantes do petróleo são, efetivamente, fundamentadas. As petrolíferas continuam a tentar parecer mais ecológicas e amigas do ambiente do que realmente são e mantêm, ao mesmo tempo, os modelos de negócio que contribuem para o aquecimento global.
Pouco “progresso verde”
São inúmeros os estudos que vinham indicando que existem, atualmente, mais reservas de petróleo e de gás natural do que as acordadas no Acordo de Paris, face ao objetivo de garantir que a temperatura global do planeta não aumenta mais do que 1,5º C. Além disso, em maio de 2021, a Agência Internacional de Energia declarou que não podia insistir-se mais no desenvolvimento com recurso a combustíveis fósseis de forma a chegar “às emissões de zero carbono” até 2050.

As empresas petrolíferas estão, cada vez mais, pressionadas pela comunidade internacional para alinhar os negócios com as metas climáticas. Mas os ambientalistas e investigadores continuam céticos quanto à aplicação das estratégias climáticas destas instituições e, por isso, avançaram com a investigação.

“Muitos anunciaram várias metas para mitigar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) de operações ou produtos ao mesmo tempo em que declaram apoio público à tabelação dos preços do carbono. Alguns – como a BP e a Repsol – afirmam mesmo estar em transição para a energia limpa”, refere o estudo, para concluir que, “no entanto, o comportamento histórico sugere que a autenticidade destas intenções deve ser examinada de forma crítica e exaustiva”.

Como adiantam os autores, vários estudos documentam como as grandes petrolíferas partilharam “estrategicamente informações erradas e obstruíram agressivamente o progresso da ação climática”.

“Até que haja um progresso muito concreto, temos todos os motivos para sermos muito céticos sobre essas alegações de que estão num rumo verde”
, afirmou ao Guardian Gregory Trencher, da Universidade de Kyoto, no Japão.

Mesmo as maiores empresas do setor petrolífero e as mais ambiciosas estão simplesmente a mitigar as emissões de carbono em alguns produtos, mas não apostam na “descarbonização em toda a empresa”. E é por isso que as suas alegações e promessas climáticas são consideradas greenwashing.

“Se se estivessem a afastar dos combustíveis fósseis, esperaríamos ver, por exemplo, declínios na atividade de exploração e produção de combustíveis fósseis, assim como de vendas e lucro com os combustíveis fósseis”, disse Trencher. “Mas concluímos que é o inverso que continua a acontecer”.

“As promessas recentes parecem muito boas e estão a dar esperança a muitas pessoas, mas temos que as avaliar no contexto do histórico de ações de cada empresa”
, acrescentou o investigador. “É como um adolescente rebelde que diz aos professores 'Prometo fazer todos os meus trabalhos de casa na próxima semana', mas esse aluno nunca estudou muito”.
Mais as metas desenhadas do que as ações concretas
De acordo com este estudo, publicado na revista PLOS ONE, as menções de palavras-chaves relacionadas com o clima aumentaram significativamente entre 2009 e 2020. A BP, por exemplo, passou de 22 menções de “alterações climáticas” a 326 nos relatórios anuais. Mas, em termos de estratégia e ações, os investigadores concluíram que “as empresas prometem uma transição para energia limpa e estabelecer de novas metas, mas concretizam poucas ações”.

A BP e a Shell comprometeram-se a reduzir os investimentos em projetos de extração de combustíveis fósseis, mas ambas aumentaram, nos últimos anos, as áreas para novas explorações. Além disso, a investigação descobriu que a Shell, a BP e a Chevron aumentaram os volumes de produção de combustíveis fósseis durante o período do estudo.

Nenhuma das empresas divulga diretamente dados sobre os investimentos em energia limpa, mas as informações fornecidas ao Carbon Disclosure Project indicam níveis médios baixos, variando de 0,2 por cento do investimento anual pela ExxonMobil a 2,3 por cento pela BP. Uma outra análise independente da AIE indica que o investimento em energia limpa por empresas de petróleo e gás foi de cerca de um por cento em 2020.

“Até que as ações e o comportamento de investimento se alinhem com o discurso, as acusações de greenwashing parecem bem fundamentadas”, salientaram os autores.

Ao Guardian, um porta-voz da ExxonMobil afirmou que “a mudança para um futuro de emissões mais baixas requer várias soluções a implementar em escala”.

“Queremos desempenhar um papel de liderança na transição energética, mantendo a flexibilidade de investimento num portfólio de oportunidades em evolução, incluindo, por exemplo, a extração de carbono, hidrogénio e biocombustíveis, para maximizar o retorno dos acionistas”.

Da parte da Chevron, os responsáveis alegam estar “focados em reduzir a intensidade de carbono das nossas operações e a tentar desenvolver negócios com menos carbono” e que pretendem “investir 10 mil milhões de dólares em projetos de baixo carbono até 2028”.

Já a meta da Shell é tornar-se “um negócio de energia com zero emissões líquidas até 2050, em sintonia com a sociedade” e “consistente com a meta mais ambiciosa de 1,5º C do Acordo de Paris”.

E a BP assegurou que, em 2020, estabeleceu uma “nova ambição zero carbono”, tendo completado a “maior transformação da empresa”, no ano que passou.

Mas, segundo Trencher, na forma como os mercados de energia estão estruturados em todo o mundo, “os combustíveis fósseis ainda usufruem de muitas vantagens [regulatórias e fiscais] e as energias renováveis continuam em desvantagem”.
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