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Estudo prevê extinção da maioria dos ursos polares até ao fim do século

por Andreia Martins - RTP
Lisi Niesner - Reuters

O estudo publicado pela Nature Climate Change revela que as populações de ursos polares no Ártico deverão extinguir-se em menos de 100 anos caso as emissões de gases de efeito de estufa mantenham a trajetória atual. A falta de gelo no Ártico e o aquecimento global poderão levar à fome e falhas reprodutivas da espécie a partir de 2040, levando à extinção em vários locais logo a partir dessa década.

Para os ursos polares, cada vez mais sob ameaça devido às alterações climáticas, a extinção da espécie já tem datas e locais marcados. De acordo com o estudo Fasting season length sets temporal limits for global polar bear persistence, grande parte dos ursos polares irá experienciar falhas reprodutivas daqui por 20 anos, com extinções localizadas da espécie.

Num cenário em que as emissões de gases de efeito de estufa se mantenham constantes, os cientistas estimam que os ursos polares consigam sobreviver até ao final do século e apenas nas ilhas Rainha Isabel, o aglomerado de ilhas mais a norte do arquipélago ártico do Canadá.

Mas mesmo nos locais mais remotos, a maioria das populações de ursos polares terá dificuldades reprodutivas em 2080. Péter Molnár, biólogo da Universidade de Toronto Scarborough e um dos principais autores do estudo, sublinha que a ligação entre o desaparecimento dos ursos polares e o aquecimento global não é novidade: o que é surpreendente é a velocidade a que esta extinção deverá ocorrer.

“Não era ainda claro quando poderíamos esperar grandes declínios na sobrevivência e reprodução dos ursos polares, que poderia levar à sua extinção”, refere o cientista em declarações ao jornal The Guardian.
Extinção de várias subpopulações já não é evitável

O estudo publicado esta semana examinou 13 das 19 subpopulações de ursos polares, o que representa 80 por cento da população total da espécie. Os cientistas estimam hoje que restam apenas cerca de 26 mil ursos polares espalhados por 19 subpopulações entre o Ártico do Alasca, Sibéria, Noruega e Canadá.

Enquanto espécie, os ursos polares são incapazes de encontrar alimento em terra e dependem do gelo marítimo para caçar. Por isso, a diminuição drástica do gelo marítimo com o aquecimento global traduz-se também na extinção dos ursos polares.

Devido à diminuição do gelo – em extensão e espessura - durante os meses de verão, os ursos polares estão habituados a jejuar por longos períodos de tempo e recorrem às reservas de energia acumuladas com o alimento recolhido durante o inverno.

Obrigados a passar cada vez mais tempo em terra e sem acesso a alimentação, os ursos polares enfrentam dificuldades crescentes para garantir a sua sobrevivência enquanto espécie.

Com o aquecimento global, o gelo do mar que permanece no Ártico durante todo o ano tem vindo a diminuir a uma taxa de 13 por cento por década desde que há registos, no final da década de 70.

Por exemplo, no Mar de Beaufort, no sul do Alasca, a população de ursos polares já diminuiu 25 a 30 por cento devido a períodos demasiado extensos de jejum na sequência da falta de gelo. Na baía de Hudson, no nordeste do Canadá, a população de ursos polares diminuiu 30 por cento nos últimos 30 anos.

Mesmo que as emissões de gases de efeitos de estufa diminuam significativamente, algumas das populações estudadas serão afetadas. Perante uma redução imediata de emissões de gases de efeito de estufa, a extensão do gelo marinho levaria, ainda assim, entre 25 e 30 anos a estabilizar, tendo em conta o dióxido de carbono que já está na atmosfera.

“Ainda que consigamos mitigar as emissões, vamos ver a extinção de algumas subpopulações antes do final do século”, frisou Péter Molnár.

O cientista assume, no entanto, que com uma mudança ao nível das emissões, haveria possibilidade de “substancialmente mais populações sobreviverem até ao final do século, mesmo com uma reprodução mais reduzida”.

Para compreender as fronteiras fisiológicas dos ursos polares em termos de jejum e resistência, os cientistas que participaram neste estudo calcularam o número de dias possíveis de privação tendo em conta os limites da espécie e o uso de energia por parte destes animais até ao limite em que a taxa de sobrevivência de ursos polares e respetivas crias é posta em causa.

“Em primeiro lugar vamos perder na sobrevivência das crias, porque as crias vão nascer, mas as fémeas não terão gordura corporal suficiente para produzir leite e para as transportar durante a estação em que não há gelo” explica o cientista Steven Amstrup, em declarações à BBC.

Esses números e estimativas foram confrontados com uma projeção para os próximos anos do número de dias sem gelo no mar em diferentes locais do Ártico. Uma projeção importante para perceber onde e quando as populações de ursos polares deverão enfrentar maiores dificuldades, mas também para preparar as comunidades daqueles locais que convivem com a espécie.

Ajudar ou não ajudar?

Em 2017, um vídeo publicado pela revista National Geographic correu o mundo. As imagens mostravam um urso polar esfomeado e subnutrido que se arrastava em terra, na ilha Somerset, à procura de alimento.

Ainda que a publicação tenha reconhecido posteriormente que a condição precária do animal poderia dever-se também a outros fatores desconhecidos, como doença, o vídeo galvanizou os defensores do clima e chamou a atenção para outro problema de fundo: como ajudar esta espécie cujo habitat está tão ameaçado?



A linha de tempo na luta pela sobrevivência dos ursos polares será também uma linha de tempo no conflito e interação com os homens, refere Andrew Derocher, professor de biologia da Universidade de Alberta.

O especialista, responsável pelo Polar Bear Science Lab, não participou neste estudo mas destaca que nem todas as comunidades do Ártico têm planos para lidar com ursos polares nas respetivas localidades. Não há qualquer orientação, por exemplo, sobre se os humanos devem procurar ajudar ursos polares em dificuldades quando o local onde vivem desaparece a cada ano que passa.

Derocher salienta que é necessário pensar nesta questão moral antes que a extinção se intensifique, por exemplo ao nível de um eventual fornecimento de alimentação suplementar ou na recolocação dos ursos em regiões onde ainda exista gelo marinho.

“No caso dos ursos polares, nós não lhes vamos conseguir recuperar o habitat, por isso não é óbvio que devamos tentar manter essas populações. Quando começarmos a ter um grande número de ursos em terra a morrer de fome, que tipo de intervenção deve ser adotada?”, questionou.
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