Investigadores concluíram que a crise climática agravou os quatro dias de chuvas fortes e inundações mortais. A poluição causada pelo aquecimento do planeta duplicou a probabilidade de ocorrência dos níveis extremos de precipitação como os que assolaram a Europa Central em setembro.
As chuvas tornaram-se pelo menos sete por cento mais fortes devido às alterações climáticas, segundo o World Weather Attribution (WWA), o que levou a que as cidades fossem atingidas por volumes de água que teriam metade da probabilidade de ocorrer se os seres humanos não tivessem aquecido o planeta.
“A tendência é clara”, disse Bogdan Chojnicki, um cientista climático da Universidade de Ciências da Vida de Poznań e coautor do estudo ao jornal britânico The Guardian. “Se a população continuar a encher a atmosfera com emissões de combustíveis fósseis, a situação será mais grave.”A tempestade Boris assolou a Europa Central em meados de setembro e desencadeou quantidades históricas de chuva na Áustria, República Checa, Hungria, Polónia, Roménia e Eslováquia. A pluviosidade transformou ribeiros calmos em rios selvagens, provocando inundações que destruíram casas e mataram duas dúzias de pessoas.
Os investigadores afirmaram que as medidas de adaptação reduziram o número de mortos em comparação com inundações semelhantes que atingiram a região em 1997 e 2002. Mas apelaram a melhores defesas contra as inundações, sistemas de alerta e planos de resposta a catástrofes, alertando ainda para a necessidade de continuar a reconstruir em regiões propensas a inundações.
“Estas inundações indicam até que ponto as alterações climáticas estão a tornar-se dispendiosas”, afirmou Maja Vahlberg, coautora do estudo. “Mesmo com dias de preparação, as águas das cheias devastaram cidades, destruíram milhares de casas e levaram a União Europeia a prometer uma ajuda de dez mil milhões de euros”.Os estudos de atribuição rápida examinam a forma como a influência humana afeta as condições meteorológicas extremas no rescaldo imediato de uma catástrofe.
Os cientistas compararam a precipitação registada na Europa Central durante quatro dias, em setembro, com quantidades simuladas para um mundo 1,3ºC mais frio - o nível de aquecimento causado até à data pela queima de combustíveis fósseis e pela destruição da natureza. Atribuíram uma “duplicação da probabilidade e um aumento de sete por cento da intensidade” à influência humana.
Para os cientistas, os resultados são “conservadores”, porque os modelos não modelam explicitamente a convecção, pelo que podem subestimar a precipitação. “Sublinhamos que a direção da mudança é muito clara, mas a taxa não é”.Os físicos demonstraram que cada grau celsius de aquecimento permite que o ar retenha mais sete por cento de humidade, mas isso depende da disponibilidade de água. As chuvas na Europa Central foram desencadeadas quando o ar frio do Ártico se encontrou com o ar quente e húmido do Mediterrâneo e do Mar Negro.
A WWA descreveu a semana que se seguiu à tempestade Boris como “hiperativa”, porque 12 catástrofes em todo o mundo preencheram os seus critérios de análise, mais do que em qualquer outra semana na história da organização.
O estudo não tentou determinar em que medida o aquecimento global aumentou a destruição causada pelas chuvas, mas os investigadores afirmaram que mesmo pequenos aumentos da precipitação aumentaram desproporcionadamente os prejuízos.
“Em quase todo o mundo, um pequeno aumento da precipitação conduz a um aumento da mesma ordem de grandeza das inundações”, afirmou Friederike Otto, cientista climática do Instituto Grantham do Imperial College de Londres e coautora do estudo. “Mas isso leva a um aumento muito maior dos danos”.
“Inundações com esteroides”
Os mares mais quentes favorecem a parte chuvosa do ciclo hidrológico, embora a tendência em algumas partes da terra seja para condições mais secas, disse Miroslav Trnka, um cientista climático do Instituto de Investigação das Alterações Globais, que não esteve envolvido no estudo. Quando as condições são propícias, disse, “podemos ter inundações com esteroides”. Jornal da Tarde | 25 de setembro de 2024
Trnka comparou os fatores que resultam em precipitações extremas a um jogo de lotaria. O aumento do risco devido ao aquecimento global, disse, é como comprar mais bilhetes de lotaria, fazê-lo durante um período de tempo mais longo e alterar as regras para que mais combinações de números resultem num prémio.
“Se apostarmos durante tempo suficiente, temos uma maior probabilidade de ganhar o jackpot, afirmou Trnka. O estudo concluiu que se o mundo aquecer 2ºC acima dos níveis pré-industriais, ocorrerão fenómenos de precipitação mais intensa durante quatro dias, com um aumento adicional em relação à situação atual de cerca de cinco por cento na intensidade da precipitação e de 50 por cento na probabilidade de ocorrência.
Outros fatores poderão aumentar ainda mais este fenómeno, como a ondulação da corrente de jato, que alguns cientistas suspeitam estar a prender cada vez mais os sistemas meteorológicos num só local devido ao aquecimento global. Um estudo publicado na revista Nature Scientific Reports, na passada segunda-feira, prevê que esses sistemas de bloqueio aumentem em cenários de emissões médios e pessimistas.
Hayley Fowler, cientista climática da Universidade de Newcastle, que também não participou no estudo, afirmou: “Estas grandes tempestades, isoladas da corrente de jato, podem estagnar num único local e produzir enormes quantidades de precipitação, alimentadas pelo aumento da humidade e da energia dos oceanos, que estão a atingir temperaturas recorde”.
Estas tempestades lentas “bloqueadas” estão a tornar-se mais frequentes e prevê-se que aumentem ainda mais com o aquecimento adicional”, acrescentou. “A questão não é se precisamos de nos adaptar a um maior número destes tipos de tempestades, mas se podemos fazê-lo.”