Um grupo de antropólogos da University College London (UCL) estudou, durante mais de um ano, a relação da população com os smartphones e a importância que estes têm na rotina diária. A equipa concluiu que os telemóveis deixaram de ser apenas um dispositivo através do qual as pessoas comunicam, para se tornarem "um lugar onde agora vivemos".
Onze antropólogos foram enviados para dez locais em nove países (incluindo o Brasil, Chile, Japão, Itália e China) onde passaram 16 meses a estudar a importância dos smartphones para a população.
Ao contrário da maioria dos estudos anteriores sobre o uso de smartphones, o estudo da UCL centra-se especificamente em utilizadores mais velhos, “aqueles que não se consideram nem jovens nem idosos”. Desta forma, segundo explicam os investigadores, o estudo analisa o uso dos smartphones não como um objeto utilizado por um “nicho demográfico específico”, mas como “propriedade da humanidade como um todo”.
No estudo da UCL, intitulado “The Global Smartphone: Beyond a youth technology”, os telemóveis são descritos como uma “casa portátil”, onde existem inclusivamente várias divisões onde cada pessoa pode passar um determinado tempo. “Podemos entrar através de um ícone para um lugar onde podemos jogar ou ver televisão. Existe outro ícone que nos transporta para um local de pesquisa e de estudo, outro para ouvir música e ainda outros onde fazemos as tarefas do dia-a-dia, como compras ou transferências bancárias”, lê-se no estudo.
Tal como nas casas físicas, podemos mesmo pensar nos smartphones como um espaço doméstico onde limpar e arrumar pode ser uma tarefa frequente. “Uma vez por mês, eu faço download das fotografias do telemóvel. Apago as fotos, apago vídeos. Todos os dias eu limpo o meu telemóvel. Todos os dias”, disse uma testemunha citada no estudo.
Os telemóveis deixaram, por isso, de ser apenas um objeto que serve para as pessoas comunicarem, mas também “um lugar onde agora vivemos”.
“Estamos sempre em casa com os nossos smartphones. Nós transformamo-nos em caracóis humanos, a carregar a nossa casa nos nossos bolsos”, explica o estudo. “O smartphone é talvez o primeiro objeto a desafiar a própria casa (e possivelmente também o local de trabalho) em termos da quantidade de tempo que permanecemos nele enquanto estamos acordados”, acrescenta.
Entre as aplicações que mais captam a atenção do utilizador, os investigadores destacam o WhatsApp, que descrevem como “o coração do smartphone”. “Para muitos utilizadores na maioria das regiões, uma única aplicação representa a coisa mais importante que o smartphone faz por eles”, aponta o estudo, referindo-se, por exemplo, ao WhatsApp no Brasil, ao LINE no Japão e ao WeChat na China.
“Estas aplicações são as plataformas onde os irmãos se reúnem para cuidar dos pais idosos, onde os pais orgulhosos enviam fotos infinitas dos seus bebés e os migrantes mantêm contacto com as suas famílias. Elas [aplicações] são o meio pelo qual ainda se consegue ser avô, mesmo a viver num outro país”, lê-se no estudo.
“Morte da proximidade”
Para além desta capacidade de conectar pessoas, os smartphones têm, ao mesmo tempo, a capacidade antagónica de provocar a “desconexão”. “A qualquer momento, seja numa refeição, numa reunião ou noutra atividade partilhada, a pessoa com quem estamos pode simplesmente desaparecer, tendo ‘ido para casa’ para o seu smartphone”, explicam os investigadores.
As pessoas “podem usar este portal para se deslocarem do local onde estão sentados e regressarem a casa, na qual podem realizar muitas atividades familiares, desde entretenimento até organizar a sua agenda ou enviar mensagens a amigos ou familiares”, lê-se no estudo.
Assim como a Internet trouxe a “morte da distância”, os smartphones podem implicar a “morte da proximidade”, explicam os investigadores. “Estamos a aprender a viver com o risco de que, mesmo quando estamos fisicamente juntos com outra pessoa, nós podemos estar sozinhos a nível social, emocional ou profissional”, acrescentam.
Para além disso, apesar de o ser humano ver o smartphone como a sua “casa portátil”, este está longe de ser um lugar de descanso ou de privacidade. “Os smartphones podemos destruir a ideia anterior do lar como um refúgio. Agora, espera-se que os funcionários permaneçam em contacto com o seu trabalho, por exemplo, mesmo depois de saírem do local de trabalho”, explicam os investigadores. “Uma criança vítima de bullying por parte de outros alunos da escola encontra agora pouco ou nenhum alívio ao regressar a casa”, exemplifica ainda o estudo.
“O smartphone está a ajudar-nos a criar e recriar uma vasta gama de comportamentos úteis, desde a recriação de famílias extensas até à criação de novos espaços para a saúde e debate político”, explicam os investigadores no estudo. Mas “é apenas ao olhar para os usos e contextos amplamente diferentes que podemos compreender totalmente as consequências dos smartphones para a vida das pessoas em todo o mundo”, sublinham.