Estados Unidos começam a discutir o sexismo dos eleitores na hora de votar

por Lusa

A preocupação sempre existiu, mas agora é discutida abertamente: estão alguns homens relutantes em votar na candidata democrata Kamala Harris por ela ser mulher?

A vice-presidente e candidata à Casa Branca raramente faz referência ao seu género na campanha, mas os seus principais apoiantes estão a começar a apelar mais diretamente a eleitores homens, esperando ultrapassar um sexismo enraizado -- ou apenas a apatia -- à medida que se aproxima o dia das eleições, reflete a Associated Press (AP).

O ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama disse estar a falar particularmente para os homens negros quando sugeriu que alguns "não estavam a interiorizar a ideia de ter uma mulher como presidente".

O ator Ed O`Neill implora num novo anúncio: "Seja um homem: vote numa mulher".

E o candidato a vice-presidente de Harris e governador do Estado do Minnesota, Tim Walz, está a ajudar a liderar `Hombres com Harris` (Homens com Harris), para ajudar a motivar os eleitores hispânicos.

"Penso que, de várias formas, têm que ser outros a ser o mensageiro", disse Debbie Walsh, diretora do Centro para as Mulheres Americanas na Política, na Universidade Rutgers.

Sobre eventuais apelos diretos de Harris a eleitores homens, acrescentou: "Não me parece que ela se possa levantar e dizer: `Tenham vergonha`".

"É triste, mas acho que ela precisa de validação externa", disse Walsh.

O exemplo mais claro é Obama, que, enquanto fazia campanha por Harris em Pittsburgh na quinta-feira à noite, parou num centro de campanha da candidata democrata para "dizer umas verdades", sobretudo a alguns eleitores homens negros que não estão muito entusiasmados em apoiar a vice-presidente.

"Em parte, isso faz-me pensar que, bem, vocês simplesmente não estão a interiorizar a ideia de ter uma mulher como presidente, e estão a arranjar outras alternativas e outras razões para isso", disse Obama.

"Estão a pensar ficar de fora, ou apoiar alguém que tem um historial a denegrir-vos, porque acham que isso é um sinal de força, porque acham que isso é que é ser um homem? Rebaixar as mulheres? Isso não é aceitável", acrescentou.

Keith Edmondson, um reformado de 63 anos dos subúrbios de Phoenix, que é negro e foi a um comício de Harris no Arizona na noite de quinta-feira, disse estar preocupado sobre se os jovens negros se vão mobilizar por Harris. Disse estar a tentar convencer os três netos para votar em Kamala, ainda que o pai deles, filho de Keith, seja um apoiante de Donald Trump.

"Há mais negros a apoiar Donald Trump do que eu pensava", disse, culpando o que chamou de desinformação sobre o passado de Harris como procuradora estadual.

Trump tem um longo padrão de desrespeito pelas mulheres. Num comício em Reading, Pennsylvania, esta semana, Trump reagiu à presença de Harris num `talk show` diurno na ABC chamando a candidata democrata de burra, e estendeu os insultos às apresentadoras do programa.

Trump tem dado prioridade a dar entrevistas a `podcasts` populares entre homens jovens e entrou na Convenção Republicana este verão ao som da canção de James Brown: `It`s a Man`s World (É um mundo de homens). A convenção foi montada no sentido de promover temáticas masculinas, incluindo convidar personalidades do `wrestling`.

O Projeto Lincoln, um grupo republicano que se opõe a Trump e que faz anúncios para o irritar, produziu um anúncio online com a voz de Ed O`Neill, da série `Uma Família Muito Moderna`, que insta os homens, no que diz respeito a Harris, a "deixá-la liderar", concluindo: "Seja um homem, vote numa mulher".

A mensagem foi muito mais direta do que a da própria Kamala Harris costuma ser. Apesar de fazer história como a primeira mulher racializada a liderar uma candidatura presidencial de um grande partido, publicamente não fez bandeira da natureza pioneira da sua candidatura, como fez Hillary Clinton em 2016.

Em vez disso, ela usou a Convenção Democrata no verão para sublinhar a sua experiência como procuradora e prometer que os EUA têm "a mais forte, mais letal força de combate no mundo".

"Ela está a falar, nesses momentos, para as pessoas que podem estar desconfortáveis, ou desconfiadas de que uma mulher possa liderar ao mais alto nível", disse Walsh.

Em 2020, as mulheres foram mais às urnas do que os homens. Dados da AP apontam para 53% de mulheres e 47% de homens a votar numas eleições em que os homens estavam mais inclinados a apoiar Trump e as mulheres Biden.

As sondagens apontam que eleger uma mulher para presidente não é uma prioridade para homens e mulheres, mas os homens, particularmente, não veem a questão como importante.

Uma sondagem do Pew Research Center no ano passado revelou que apenas 18% consideraram muito ou extremamente importante ver uma mulher eleita para chefiar a Casa Branca no seu período de vida. 64% desvalorizaram a questão.

Em termos étnicos, as mulheres hispânicas têm maioritariamente uma opinião positiva de Harris e negativa de Trump, mas os homens hispânicos estão mais divididos entre ambos.

A campanha de Harris rejeita a ideia de que a candidata não consiga transmitir uma mensagem vitoriosa a eleitores homens. Pelo contrário, argumenta, ela está a trabalhar para chegar a eles.

Mais do que simplesmente apelar à masculinidade, a campanha diz que estão a ser apresentados argumentos para captar o interesse dos homens em torno de temas centrais, como a economia.

Ainda assim, a campanha da democrata admite preocupação com o apoio a Trump por parte dos homens -- onde se incluem eleitores brancos, hispânicos e negros. Falam num empenho de Trump numa campanha em torno da cultura do `bro` (mano), que tem impacto sobretudo junto dos mais jovens.

Harris foi aconselhada a abordar o tema das criptomoedas nos discursos e entrevistas, em reconhecimento do interesse do tema junto dos homens, sendo que a candidata defende um maior nível de regulação superior ao defendido por Trump.

E deverá haver um esforço para tornar o `ticket` democrata mais visível em meios de comunicação mais próximos do eleitorado masculino nas últimas semanas de campanha.

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