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Estado do Alabama executou Kenneth Smith com gás nitrogénio

por Cristina Sambado - RTP
Dan Anderson - EPA

O Estado norte-americano do Alabama concretizou a primeira execução de um recluso no corredor da morte, nos Estados Unidos, com recurso a gás nitrogénio. Um procedimento não testado que os advogados de Kenneth Smith argumentaram ser uma forma de punição cruel e invulgar, proibida na Constituição.

Kenneth Eugene Smith, de 58 anos, foi declarado morto às 20h25 (2h25 em Lisboa) numa prisão do Estado do Alabama, depois de ter respirado gás nitrogénio puro através de uma máscara facial para provocar a privação de oxigénio. A execução durou cerca de 22 minutos.

Smith, que foi condenado à morte por ter assassinado uma mulher em 1988, travou uma batalha legal para impedir a execução por este método que nunca tinha sido testado, alegando que estava a ser tratado como uma cobaia. No entanto, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos recusou dar provimento aos argumentos do recluso e, na passada quarta-feira, autorizou a execução com gás nitrogénio, apesar das críticas internacionais para que as autoridades norte-americanas interviessem a tempo.
O Alabama afirmou que o método de execução usado “era, talvez, o mais humano alguma vez concedido. Em contrapartida, testemunhas oculares e jornalistas presentes na câmara mortuária frisaram que a morte de Kenneth Smith foi tudo menos humana.
O Estado do Alabama foi o primeiro a desenvolver uma alternativa às injeções letais - o método mais comum nas últimas décadas -, dada a dificuldade para adquirir os medicamentos nos últimos anos, devido à recusa das empresas farmacêuticas em utilizá-los para este fim.

O início da execução estava previsto para as 18h00 (horas locais), no Centro Correcional de Holman, em Atmore, Alabama, foi adiado enquanto o Supremo Tribunal dos Estados Unidos analisava o seu último recurso. Pouco antes das 20h00, o tribunal negou esse recurso, permitindo que a execução prosseguisse.

A juíza Sonia Sotomayor, que, juntamente com dois outros juízes liberais, discordou da execução, frisou: "Não tendo conseguido matar Smith na sua primeira tentativa, o Alabama escolheu-o como "cobaia" para testar um método de execução nunca antes testado. O mundo está a ver".
Já os advogados de Smith argumentaram que avançar com a execução nestas condições não testadas violaria as proteções constitucionais contra a crueldade.

Kenneth Smith também argumentou, sem sucesso, que estava a ser tratado de forma duplamente ilegal, pelo facto de já ter sido submetido a um processo de execução uma vez. Em novembro de 2022, o Estado amarrou-o durante quatro horas a uma maca e perfurou-lhe os braços e as pernas, numa tentativa falhada de encontrar uma veia através da qual o pudesse matar com medicamentos letais. No âmbito de um acordo de confissão subsequente, o Alabama comprometeu-se a nunca mais tentar matar Smith por injeção letal.

Este facto colocou Smith numa categoria muito rara de reclusos que podem descrever o que é sobreviver a uma execução.A defesa argumentou que o direito de Smith a não ser sujeito a penas cruéis, consagrado na Oitava Emenda da Constituição, foi violado.

Dias antes de ser executado, Smith disse ao jornal britânico The Guardian, num telefonema a partir da cela, que não estava preparado para morrer. Foi-lhe diagnosticado TEPT (Transtorno de Stress Pós-Traumático), provocado pela sua primeira tentativa de execução falhada, e que sofria de insónias e ansiedade.

Acrescentou que estava aterrorizado com a perspetiva de vomitar na máscara, o que o levaria à morte por afogamento no conteúdo do seu próprio estômago, uma possibilidade levantada pelos seus advogados em tribunal.

Na entrevista, Smith apelou ao povo norte-americano para que mostrasse misericórdia para com aqueles que, como ele, enfrentam execuções judiciais. "Sabes, irmão, eu diria: deixem espaço para a misericórdia. Isso simplesmente não existe no Alabama. A misericórdia realmente não existe neste país quando se trata de situações difíceis como a minha", disse.O relato da execução
O novo protocolo de morte adotado pelo Estado do Alabama envolveu a colocação de uma máscara de respiração de tipo industrial sobre a cabeça do prisioneiro e depois forçá-lo a respirar azoto puro. Esta técnica, conhecida como "hipoxia de azoto", conduz a uma privação fatal de oxigénio.

Durante a execução, Smith pareceu permanecer consciente durante vários desses longos 22 minutos, parecendo por vezes agitar-se e contorcer-se na maca e puxar contra as amarras. Seguiram-se vários minutos de respiração pesada, até que a sua respiração deixou de ser percetível.

Numa declaração final, Smith disse: "Esta noite, Alabama faz com que a humanidade dê um passo atrás. Vou-me embora com amor, paz e luz".

Fez o sinal de "amo-te" com as mãos viradas para os familiares que eram testemunhas. "Obrigado por me apoiarem. Amo-vos a todos”, concluiu Smith.

Marty Roney, do Montgomery Advertiser, relatou, The Guardian , que entre as 19h57 locais e as 20h01, "Smith contorceu-se e convulsionou-se na maca. Respirava fundo, com o corpo a tremer violentamente e os olhos a revirarem-se na parte de trás da cabeça".

O relatório de Roney continuou: "Smith cerrou os punhos, as suas pernas tremiam. Parecia estar a respirar. A maca abanou várias vezes".

O referendo Jeff Hood, conselheiro espiritual de Smith, que esteve ao lado do condenado durante a execução, afirmou que os funcionários da prisão na sala "ficaram visivelmente surpresos com a gravidade da situação".

"O que vimos foram minutos de alguém a lutar pela sua vida", acrescentou Hood.

"Parecia que Smith estava a suster a respiração o mais que podia", afirmou o comissário de correções do Alabama, John Hamm, numa conferência de imprensa.Smith foi condenado em 1988 pelo assassínio por encomenda da mulher de um pastor, Elizabeth Sennett. Ele e outro homem teriam recebido mil dólares cada um para a matar por Charles Sennett, um ministro da Igreja de Cristo que se suicidou depois de ter sido alvo de suspeitas.

Vários familiares de Sennett, que assistiram à execução, disseram aos jornalistas que tinham perdoado os assassinos de Elizabeth. "Nada do que aconteceu aqui hoje vai trazer a mãe de volta", disse Mike Sennett. "É um dia agridoce, não vamos andar aos saltos, a gritar, a gritar e tudo isso, não somos assim. Estamos contentes por este dia ter acabado".
Críticas internacionais
No período que antecedeu a execução, o Alabama foi alvo de uma série de críticas nacionais e internacionais. Centenas de clérigos judeus e líderes comunitários de todos os Estados Unidos assinaram uma carta organizada pela L'chaim!, Judeus Contra a Pena de Morte, apelando à suspensão da execução.

"A ideia de utilizar gás para as execuções é uma afronta à nossa comunidade", afirmou o cofundador da L'chaim, Mike Zoosman.

"O legado nazi de experimentação para encontrar a forma mais rápida de livrar a nossa comunidade de prisioneiros indesejáveis é uma corrente subjacente para qualquer pessoa que esteja ciente dessa história que não deve ser repetida no Alabama, ou em qualquer lugar", apelou.

A morte de Smith foi também denunciada por peritos das Nações Unidas em execuções arbitrárias e tortura, que se opuseram ferozmente à utilização do que consideraram ser uma experiência humana.

A alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Ravina Shamdasani, afirmou estar "seriamente preocupada" com a utilização deste novo método e apelou ao Estado do Alabama para suspender a execução e abster-se "de efetuar mais execuções deste tipo".

A organização não-governamental de defesa dos Direitos Humanos Amnistia Internacional advertiu que "este novo método não testado pode ser extremamente doloroso" para o preso, "em violação dos tratados internacionais de direitos humanos que os Estados Unidos ratificaram".
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