Um estudo publicado esta semana na revista científica The Lancet conclui que as desigualdades de género têm um impacto negativo na prevenção, diagnóstico e no tratamento do cancro das mulheres. Os especialistas defendem, por isso, uma “abordagem feminista” no cancro, alegando que pode salvar a vida de até 800 mil mulheres por ano.
Os especialistas argumentam que os cuidados de saúde das mulheres estão focados na saúde reprodutiva e materna ou nos “cancros femininos” - como o cancro da mama e do colo do útero - apesar de o cancro do pulmão e o cancro do cólon e reto estarem entre as três principais causas de morte pela doença nas mulheres.
O relatório observa ainda que as desigualdades de género estão também a impedir o avanço profissional das mulheres como líderes na investigação, prática e formulação de políticas sobre o cancro, o que, por sua vez, perpetua a falta de prevenção e cuidados do cancro centrados nas mulheres.
“O impacto de uma sociedade patriarcal nas experiências das mulheres com o cancro tem passado largamente despercebido”, diz Ophira Ginsburg, médica oncologista e co-presidente da comissão Lancet, citada por The Guardian.
“Globalmente, a saúde das mulheres centra-se frequentemente na saúde reprodutiva e materna, alinhada com definições antifeministas do valor e do papel das mulheres na sociedade, enquanto o cancro permanece totalmente sub-representado”, observa.
Para contrariar esta tendência, a comissão defende a introdução imediata de uma abordagem feminista ao cancro, para que a doença passe a ser vista como uma “questão prioritária na saúde das mulheres”.
A comissão considera mesmo que essa “abordagem feminista” poderá salvar a vida de 800 mil mulheres por ano, já que esse é o número de mulheres que morrem em todo o mundo todos os anos por falta de cuidados e de tratamentos de qualidade.
Exposição aos fatores de risco
Um outro estudo publicado na The Lancet concluiu que 1,5 milhões de mortes prematuras por cancro em mulheres com menos de 70 anos em 2020 poderiam ter sido evitadas com a eliminação da exposição aos principais fatores de risco ou através de um diagnóstico precoce. Em 2020, cerca de 1,3 milhões de mulheres de todas as idades morreram devido a quatro dos principais fatores de risco do cancro: tabaco, álcool, obesidade e infeções.
Os especialistas explicam que no caso do tabaco e do álcool, por exemplo, a indústria continua a direcionar a comercialização dos seus produtos especificamente para o sexo feminino.
“Acreditamos que é hora de os governos contrariarem estas ações com políticas específicas de género que aumentem a sensibilização e reduzam a exposição a estes fatores de risco”, defende Isabelle Soerjomataram, co-presidente da comissão.
“O cancro é uma das principais causas de mortalidade nas mulheres e muitas morrem no auge da vida, deixando para trás cerca de 1 milhão de crianças só em 2020. Existem fatores importantes específicos das mulheres que contribuem para este fardo global substancial – ao abordarmos estes fatores através de uma abordagem feminista, acreditamos que isso reduzirá o impacto do cancro para todos”, defende.
A comissão defende, desta forma, a inclusão do sexo e do género em todas as políticas e diretrizes relacionadas com o cancro, bem como a adoção de estratégias destinadas a aumentar a sensibilização das mulheres para os fatores de risco e sintomas do cancro, juntamente com o aumento do acesso equitativo à deteção precoce, ao diagnóstico e ao tratamento do cancro.