Espanha dá nacionalidade a 170 descendentes de membros de brigadas internacionais da guerra civil

Espanha vai conceder a nacionalidade a 170 descendentes de elementos das brigadas internacionais que lutaram na guerra civil de 1936-1939 nas fileiras republicanas, contra o golpe militar que originou a ditadura do general Francisco Franco, anunciou hoje o Governo.

Lusa /

O anúncio foi feito pelo primeiro-ministro, Pedro Sánchez, na cerimónia do "dia de memória e homenagem a todas as vítimas do golpe militar, da guerra e da ditadura", que se assinala anualmente em 31 de outubro desde 2022, com a entrada em vigor, nesse ano, da Lei de Memória Democrática de Espanha.

Foi também ao abrigo desta lei que 170 descendentes de combatentes das brigadas internacionais pediram a nacionalidade espanhola.

"No próximo Conselho de Ministros, ou seja, na próxima terça-feira, vamos conceder a nacionalidade espanhola aos quase 170 descendentes de membros das brigadas internacionais que a solicitaram ao abrigo do disposto pela Lei de Memória Democrática", disse Sánchez, em Madrid.

"Será uma honra chamar-lhes compatriotas", acrescentou o líder do Governo espanhol, que considerou que está em causa um direito das pessoas que solicitaram a nacionalidade cujo reconhecimento é uma forma de cultivar a memória democrática em Espanha.

O Código Civil espanhol estabelece a possibilidade de concessão da nacionalidade por decreto do Governo em casos em que se verifiquem circunstâncias excecionais e sem necessidade de renunciar a outra nacionalidade.

A Lei de Memória Democrática determinou que essas circunstâncias excecionais são aplicáveis aos voluntários que integraram as brigadas internacionais da guerra civil, assim como aos seus descendentes "que comprovem um trabalho contínuo de difusão da memória dos seus ascendentes e de defesa da democracia em Espanha".

Como acontece desde 2022 no dia 31 de outubro, o Governo espanhol homenageou hoje 20 vítimas da guerra civil e da ditadura, entre eles, o poeta Frederico García Lorca, o cineasta Luis Buñuel ou uma sobrevivente espanhola do campo de concentração nazi de Mauthausen, Maria Luis Ramos, que continua viva e esteve na cerimónia desta sexta-feira em Madrid.

Uma sobrinha de García Lorca, Laura García Lorca, falou na cerimónia em nome dos homenageados e famílias e apelou a que se mantenha viva a memória do tio, mas também de todas as vítimas da guerra civil e da ditadura franquista.

"A reparação moral é um dever", afirmou Laura García Lorca.

O poeta Frederico García Lorca foi assassinado em agosto de 1936 e "transformou-se em símbolo do horror, mas também numa advertência" porque "a cultura, a poesia, a liberdade de pensamento podem ser perseguidas mas não se destroem", considerou a sobrinha do escritor.

"Durante muitos anos a esperança via-se ao longe, mas a memória paciente, tenaz, continuou o seu caminho. Sobreviveu nos arquivos, na poesia, nas valas [onde continuam enterrados milhares de cadáveres], nas mãos dos familiares que nunca deixaram de recordar, de procurar", acrescentou Laura García Lorca, para quem a guerra civil espanhola foi uma "tragédia política", mas também "uma fratura moral e humana que atravessou Espanha inteira e que a ditadura prolongou durante décadas".

Na cerimónia de hoje não estiveram, como já aconteceu nos anos anteriores, os partidos da direita espanhola.

A Lei da Memória Democrática foi aprovada com os votos contra dos partidos de direita (Partido Popular, Cidadãos e União do Povo Navarro) e da extrema-direita (Vox), que invocaram que a legislação ia "reabrir feridas" já fechadas na sociedade espanhola e que a lei abrange alegados crimes e processos que vão além do período da ditadura.

O PP, que lidera a oposição, garantiu que revogará a lei quando voltar ao poder.

A lei, que substitui outra de 2007, aprovada durante o governo socialista de José Rodríguez Zapatero, reforça o compromisso de Espanha na procura de desaparecidos durante a guerra civil e o franquismo (que terminou com a morte do ditador Francisco Franco, em 1975) e abre a porta à investigação de possíveis violações de Direitos Humanos durante esse período e o que se seguiu à aprovação da Constituição atual, entre 1978 e 1983.

Em paralelo, ampliou a definição de vítimas, passando a incluir pessoas LGBTI (lésbicas, `gays`, bissexuais, transgénero, intersexuais), crianças adotadas sem consentimento dos progenitores e as línguas e culturas basca, catalã e galega, entre outros casos.

Mais de 500.000 pessoas morreram na guerra civil, entre 1936 e 1939, entre as forças nacionalistas rebeldes lideradas por Franco e os defensores de uma República espanhola.

Franco declarou-se vencedor em 01 de abril de 1939, e governou de forma autoritária até à morte, em 20 de novembro de 1975, havendo mais de 110.000 vítimas mortais da guerra e da ditadura que ficaram por identificar.

Espanha está este ano a celebrar oficialmente os 50 anos do fim da ditadura, tendo como referência a data da morte de Franco.

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