A líder do Partido Conservador, Kemi Badenoch, defendeu esta quinta-feira a realização de uma investigação a nível nacional ao "escândalo de gangs de violadores" de meninas no Reino Unido, considerando que "2025 tem de ser o ano em que as vítimas comecem a obter justiça".
Apesar do problema ter décadas, o escândalo explodiu esta semana a nível internacional na rede X, com o próprio Elon Musk a intervir, denunciando alegadas responsabilidades do atual primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, na proteção dos violadores.
Muitos destes agressores dos gangs são identificados como muçulmanos, britânicos de origem paquistanesa. Os Trabalhistas são acusados de os protegerem para evitar tensões raciais e para conquistar votos.
Elon Musk não se tem coibido de usar a X para atacar Starmer, desde que este foi eleito no verão passado, sobretudo pela criminalização do "discurso de ódio" nas redes sociais, que levou à detenção e subsequente condenação de centenas de pessoas, que se insurgiram publicamente contra o que consideram pressão imigrante e islâmica no Reino Unido.
Esta semana, Musk apelou à realização de "novas eleições no Reino Unido". "Não há Justiça para os crimes graves e violentos, mas prisão para publicações das redes sociais", denunciou o multimilionário, a par de fotografias de Keir Starmer. Musk defendeu ainda a detenção de Jess Phillips.
Em resposta, o ministro da Saúde, Wes Streeting, afirmou esta sexta-feira que o ataque de Elon Musk à forma como o Governo britânico tem lidado com os gangs de violadores é "mal avisado e certamente mal informado".
"Para este Governo, a questão da exploração sexual de menores é incrivelmente grave", acrescentou Streeting, citado pela BBC. O ministro convidou ainda Elon Musk a "arregaçar as mangas e a trabalhar connosco" contra os gangs de violadores.
Conservadores indignam-se
Elon Musk tem apoiado a agenda anti-imigração e anti-islamita de vários partidos europeus, sobretudo a AfD, na Alemanha.
No Reino Unido, o escândalo dos gangs de abusadores está a servir de arma de arremesso contra o Governo Trabalhista e a ser alimentado sobretudo pela extrema-direita britânica.
Os Conservadores de Badenoch estão a procurar tomar as rédeas da indignação popular, sobretudo depois de se saber que Jess Phillips havia rejeitado o pedido da autarquia de Oldham para uma investigação nacional a décadas de exploração sexual de menores.
Phillips sugeriu que aquela autarquia assumisse o inquérito local, alegando confiança nas estuturas policiais, o que levou ao protesto de vários membros do Partido Conservador.
Será, em vez disso, chegado o momento de um inquérito nacional, com poderes de "obrigar as testemunhas a apresentar-se" para "conseguir a verdade", como explicou à BBC o ministro-sombra da pasta de Phillips, Chris Philp.
As denúncias das falhas dos serviços de proteção de menores no Reino Unido, sobretudo em relação a vítimas de raça branca, do sexo feminino e pré-adolescentes, remontam a quatro décadas, com o número de vítimas a poder chegar ao quarto de milhão, só em Inglaterra e no País de Gales.
Paquistaneses acusados
Apesar da detenção e condenação de vários dos agressores, suspeita-se que as redes de sedução e de desvio de menores para abuso sucessivo e prostituição continuem ativas, elevando o número potencial de vítimas a níveis incalculáveis. Alguns dos violadores terão cumprido penas mínimas e estarão em liberdade nas mesmas comunidades em que viviam.
Foram já realizadas inúmeras investigações, incluindo em Rotherham, na Cornualha, em Derbyshire, em Rochdale e em Bristol.
Em Rotherham e em Rochdale, foi comprovado que os homens responsáveis por seduzir e desviar meninas brancas pré-adolescentes para as violar e depois prostituir, eram muçulmanos britânicos de origem paquistanesa, o que tem alimentado o discurso anti-imigração e anti-islâmico da extrema-direita, à boleia da indignação contra os abusos.
O caso de Rotherham é um dos mais escandalosos e levou à criação da Operação Stovewood, por parte da Agência Criminal britânica, a NCA.
Duzentos investigadores têm-se debruçado sobre factos ocorridos entre 1997 e 2013, tendo registado já 1376 crimes, identificado 1080 sobreviventes e detido 209 indivíduos. Vinte pessoas foram até agora condenadas por crimes relacionados com as investigações e o número deverá aumentar. As condenações acumuladas rondam os 250 anos de prisão.
A Operação permitiu nomeadamente que, em junho de 2024, sete homens da comunidade paquistanesa de Rotherham tivessem sido considerados culpados de uma série de abusos de duas raparigas
adolescentes, ambas sob proteção dos Serviços Sociais.
As duas eram
amiúde recolhidas pelos seus agressores das próprias casas onde viviam,
tendo sido sujeitas a abusos "aterradores" e "desumanizantes" num período entre há 25
e 20 anos, quando tinham entre 11 e 16 anos.
Um dos investigadores na
NCA, Stuart Cobb, referiu que "os relatos que ouvimos a estas vítimas
estão entre os mais horrendos que encontrámos e os crimes envolvidos são
dos mais graves até agora investigados pelos agentes da Operação
Stovewood".
"Presto tributo à coragem destas duas vítimas em
apresentar-se e em contar as suas histórias. Foi a chave para conseguir
estas condenações e espero que consideram que finalmente lhes foi feita
justiça", acrescentou Cobb.
Polícia e Serviços Sociais sob suspeita
O choque generalizado nas redes sociais, com as revelações em catadupa de crimes cometidos ao longo de décadas, tem levado a apelos de que os erros por parte dos próprios responsáveis pela proteção de menores no Reino Unido sejam igualmente investigados, levando eventualmente à responsabilização criminal, por negligência e eventual cumplicidade nos abusos. Os Serviços Sociais e a Polícia das várias localidades afetadas têm sido acusados de minimizar o escândalo e de proteger os violadores em detrimento das vítimas, para evitar exacerbar tensões raciais, nomeadamente contra as comunidades muçulmanas em geral e paquistanesas em particular.
São apontados vários casos em que pais e mães procuraram intervir para resgatar as filhas, tendo acabado por serem eles próprios pressionados ao silêncio por parte da polícia, com ameaça de prisão.
Apesar da sua pouca idade, as vítimas foram muitas vezes elas próprias detidas por prostituição e desacatos sem que nada acontecesse aos abusadores.
Num dos casos mais chocantes, uma menina de 12 anos foi encontrada embriagada e meio despida num quarto com sete homens adultos britânicos paquistaneses. Foi detida e acusada de "prostituição e conduta desordeira". Nenhum dos homens presentes no quarto com ela foi questionado na altura.
Em outubro de 2022, foi publicado e apresentado ao Parlamento, o Relatório Independente aos Abusos de Menores, que estudou 19 outros relatórios e 15 investigações a uma série de instituições britânicas, incluindo a Igreja Católica e a Igreja Anglicana.
Ao estudar os inquéritos às redes organizadas de exploração sexual, o Relatório debruçou-se sobre seis áreas de Inglaterra e do País de Gales, "para obter uma visão correta das práticas das polícias e das autoridades locais". "Os relatos das vítimas e sobreviventes nos casos estudados demonstram a crueldade dos agressores contra as vítimas que exploram", sublinhou.
O Relatório denunciou ainda a forma como foram tratados os dados nas áreas estudadas, considerando-os "confusos e atabalhoados, marcados por inconsistências e variações e tendências inexplicadas". "Além disso, a etnicidade das vítimas e dos alegados agressores raramente era registada", acrescentou.
O documento propunha ainda duas dezenas de medidas a serem adotadas. A professora Alexis Jay, que liderou o estudo, afirmou em novembro passado que se sentia "frustrada" por nenhuma delas ter sido ainda implementada nos dois anos subsequentes à apresentação do Relatório.