Entrevista de ex-guarda-costas compromete Macron

por RTP
Philippe Wojazer, Reuters

O antigo guarda-costas do presidente francês deu ontem mais uma entrevista, que vem sustentar as alegações sobre a cumplicidade de Macron com o encobrimento do escândalo resultante das agressões de Benalla contra manifestantes, disfarçado de polícia.

Em entrevista à plataforma digital Journal du Dimanche (JDD), Alexandre Benalla nega as agressões registadas em vídeo, e causadoras da sua queda em desgraça no Palácio do Eliseu, com posterior despedimento e processo-crime actualmente a correr os seus termos.



Durante vários meses, a opinião pública sofreu um primeiro choque perante aquilo que parecia ser apenas mais um vídeo provando a proverbial brutalidade da polícia francesa: à margem da manifestação do 1º de maio, um agente, ou pelo menos alguém fardado como tal, derrubava um jovem inofensivo e punha-se a espancá-lo. Fazia-o em frente de outros polícias, que não participavam no espancamento, mas tão-pouco tomavam qualquer iniciativa para pôr-lhe termo.

Logo no dia seguinte, 2 de maio, o staff do presidente Emmanuel Macron sabia mais do que a opinião pública. Sabia, nomeadamente, que o "agente" não era um verdadeiro polícia, e sim alguém abusivamente fardado de polícia. Pior ainda, sabia que o impostor era o próprio responsável da segurança do presidente.

E, por saber tudo isso, a presidência castigou Benalla com uma suspensão de quinze dias, sem vencimento, mas também sem perda de dinheiro (compensou-os com dias de licença não gozada até aí). E, depois, foi business as usual: Benalla recuperou todas as suas funções e obteve, até, mais mordomias, como se houvesse a intenção de compensá-lo pelo castigo.

Decorridos mais de dois meses, o diário Le Monde revelou aquilo que até aí parecia destinado a permanecer como um segredo de Estado - a identidade do autor das agressões (bem como de Vincent Crase, que o acompanhava e igualmente prestava serviço na segurança do presidente). E revelou também a tentativa de abafamento do escândalo por parte das autoridades.

Seguiu-se o calvário das audições parlamentares, com o ministro do Interior, o prefeito da Polícia e o chefe de gabinete do presidente a empurrarem uns para os outros a responsabilidade de Benalla ter sido castigado com uma suavidade surpreendente e, principalmente, de não ter havido qualquer comunicação à Procuradoria-Geral da República sobre aqueles factos com óbvia relevância criminal.

Emmanuel Macron acabou por quebrar o seu prolongado silêncio, afirmando que toda a responsabiliade lhe cabia a ele próprio, e a mais ninguém. Mas a teatralidade do gesto tardio não apagou a sua tentativa para desvalorizar o sucedido como "tempestade num copo de água", nem suprimiu as várias perguntas que continuam no ar.
Uma entrevista comprometedora para Macron
Benalla, depois da suspensão e do regresso à normalidade das suas funções, foi demitido, detido para interrogatório, libertado sob caução e aguarda a conclusão do processo e o julgamento. A sua ascensão fulgurante nos serviços da Presidência terminou.

Na entrevista que ontem concedeu a JDD, Benalla começa por negar a agressão contra o jovem presente no momento da manifestação: segundo sustenta, apenas o atirou ao chão, mas não lhe bateu. Comenta: "Foi vigoroso, admito. Eu sou impulsivo, mas não sou violento".

Benalla, de 26 anos, conta a história da sua infância, a imigração de sua mãe de Marrocos para França, e o contacto que estabeleceu, aos 15 anos, com o então ministro do Interior Nicolas Sarkozy, pedindo-lhe que o pusesse à experiência numa unidade policial de elite. Sarkozy permitiu-lhe fazer a experiência durante três dias.

Depois, Benalla recorda como o filme norte-americano The Bodyguard, com Whitney Houston e Kevin Costner, inspirou o seu sonho de ser guarda-costas do presidente. Diz que viu o filme "umas 20 vezes ou algo assim". E viu também In the Line of Fire, em que Clint Eastwood desempenhava um papel semelhante. Aparentemente, viu demasiados filmes americanos. E estudou aplicadamente para fazer essa carreira.

Sobre a sua relação com Macron, Benalla classifica-a na entrevista como "cordial mas respeitosa". E acrescenta: "Não havia qualquer familiaridade. Eu estava ao serviço dele. Ele confiava em mim, sem saber muito sobre mim. Espero, creio, que não o lamentou".

Desde a sua eleição, Macron teve Benalla como chefe da segurança. O mais interessante na entrevista, é que Benalla admite o conhecimento de Macron sobre a agressão do 1º de maio logo na altura da suspensão de 15 dias. Segundo Benalla, o presidente chamou-o de parte e disse-lhe: "Você cometeu um erro grave e eu estou decepcionado. Sinto-me traído. Você é castigado, é normal. Tenho confiança em si, mas você tem de aceitá-lo".

Benalla diz também que ofereceu a sua demissão. Mas foi-lhe dito que não era necessária. E conclui: "Estou a encarar tudo isto como mais um desafio. Sei que vou emergir daqui mais forte. Posso viver com a minha consciência, sei o que fiz e o que não fiz. Sei que há mentirosos e há os que dizem a verdade".
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