Entrevista a Zelensky. Desistir dos territórios ucranianos é "uma questão muito, muito difícil"

por Rachel Mestre Mesquita - RTP
Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, em Rivne, na Ucrânia, a 30 de julho Genya Savilov - AFP

Mais de dois anos e meio após o início da invasão russa na Ucrânia, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, deu uma entrevista aos meios de comunicação social franceses sobre a situação na linha da frente do conflito, que descreve como "difícil", e sobre o possível desfecho da guerra, durante uma visita a Rivne, no oeste do país. Zekensky aproveitou a ocasião para apelar à China para que exerça pressão sobre a Rússia para abrir caminho às negociações.

Numa entrevista esta terça-feira ao Le Monde, Libération, L'Équipe e à Agence France-Presse, Volodymyr Zelensky fez declarações exclusivas sobre as sanções impostas à Rússia, a próxima cimeira de paz e o perigo das eleições presidenciais norte-americanas para Kiev.

O presidente da Ucrânia descreveu a situação na linha da frente como "difícil" e atribuiu os recentes ganhos territoriais da Rússia no território ucraniano à proibição ocidental a ataques profundos em território russo. "É um grande obstáculo o facto de não podermos usar armas ocidentais, pois precisamos de deter o inimigo", disse Zelensky. 

O lider ucraniano lamentou ainda a falta de assistência material por parte dos países ocidentais. "Alguém acredita que é possível travar (os russos) se apenas três (brigadas ucranianas) em 14 estiverem equipadas?", lamentou Zelensky.
Sanções impostas à Rússia nos Jogos Olímpicos são "meias medidas"
Numa altura em que decorrem os Jogos Olímpicos em Paris, Zelensky criticou a presença de atletas russos e bielorussos na competição sob uma bandeira neutra, descrevendo as sanções impostas à Rússia e à Bielorrúsia nos Jogos Olímpicos de Paris como "meias medidas". "Todos os países do mundo veem claramente que os atletas sob a bandeira neutra são atletas da Rússia e da Bielorrússia", denunciou Zelensky.

Após a invasão da Ucrânia pela Rússia com o apoio da Bielorrússia, o Comité Olímpico Internacional proibiu estes dois países nos Jogos Olímpicos de 2024. No entanto, vários atletas russos e bielorussos estão a participar individualmente, sob uma bandeira neutra e sem hino, nas várias modalidades.

Questionado sobre a sua ausência na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos em Paris, o presidente ucraniano explicou que "gostava de estar presente, se a situação no meu país não fosse tão difícil".
"O mundo inteiro" quer a Rússia na próxima Cimeira de Paz

Volodymyr Zelensky disse aos jornalistas franceses que o "mundo inteiro" quer que a Rússia participe numa futura cimeira de paz este ano, depois de ter recusado particpar na cimeira para a paz organizada pela Ucrânia, em meados de junho, na Suíça.

"A maioria do mundo diz hoje que a Rússia deve estar representada na segunda cimeira, caso contrário não chegaremos a resultados importantes. Como o mundo inteiro os quer à mesa, não podemos estar contra", disse Zelensky.

O porta-voz de Kiev explicou que a Ucrânia elaborará até novembro um plano que deverá servir de base para uma futura cimeira com a presença do Kremlin. "Vamos preparar um plano baseado na fórmula de paz que foi apresentada publicamente na primeira cimeira, quero fixar uma data para os nossos diplomatas e quero que os nossos parceiros internacionais façam o mesmo, para que em novembro tenhamos um documento que contenha tudo: integridade territorial, soberania ...", explicou Zelensky.
O risco das eleições norte-americanas

O presidente ucraniano reconheceu a existência de um "risco" para a Ucrânia com o resultado das eleições presidenciais norte-americanas. “Não podemos influenciar nenhuma eleição, mas é claro que os Estados Unidos são um desafio atual. E há riscos que nenhum de nós pode prever”, disse Zelensky.

Os Estados Unidos são um aliado vital da Ucrânia, desde o início do conflito, que forneceram dezenas de milhares de milhões de dólares de ajuda a Kiev, sob a direção do atual presidente Joe Biden. Caso Kamala Harris, a sua vice-presidente e atual candidata democrata à Casa Branca, vença as eleições o apoio a Kiev deverá estar assegurado. No entanto, caso seja o republicano Donald Trump, a ajuda pode ser posta em causa.

“Como presidente da Ucrânia, tenho de estabelecer um diálogo entre a minha equipa e a equipa de (Joe) Biden, a equipa de Trump e a equipa de Harris. Nós precisamos de ter estes contactos para discutir o que poderá ser o futuro se este ou aquele lado ganhar as eleições”, concluiu o líder ucraniano.

Por último, o presidente da Ucrânia apelou à China para que exerça pressão sobre Moscovo. "Se a China quiser, pode obrigar a Rússia a acabar com esta guerra. A China pertence ao mundo e é um Estado influente", afirmou Zelensky, acrescentado que "não a quero como mediadora (das negociações), quero que ela exerça pressão sobre a Rússia".

c/agências
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