Entrevista a Lídia Pereira. Eurodeputada portuguesa chefia delegação do Parlamento Europeu à COP29
A delegação do Parlamento Europeu vai apresentar um conjunto de propostas, entre as quais a de aumentar o financiamento anual – atualmente de 100 mil milhões de euros – destinado à luta contra as alterações climáticas.
Financiamento climático
Pergunta: Nesta COP 29 os eurodeputados vão defender que todos os países, em função das suas capacidades financeiras – incluindo economias emergentes como a China, a Índia ou a Arábia Saudita – contribuam para o novo objetivo de financiamento climático?
Resposta: O Parlamento Europeu está empenhado em garantir que os outros países do mundo com responsabilidades na área – não só do financiamento climático, mas também pela sua esfera de influência junto de alguns países, e estou a referir-me em particular à China que, infelizmente, ao longo destes anos todos nunca passou do estatuto de país desenvolvido e, por isso não contribui o suficiente para o financiamento climático – contribuam verdadeiramente para o esforço que tem sido suportado pela União Europeia.
Não na sua totalidade, mas a maioria do financiamento climático provém da União Europeia e isto não é aceitável porque são desafios globais.
As catástrofes naturais são cada vez mais frequentes e mais severas. Veja-se aquilo que aconteceu em Portugal, com os incêndios há não muito tempo, ao mesmo tempo que tínhamos cheias no Leste europeu. Recentemente tivemos a tragédia em Valência E o Furacão Idai em Moçambique, para sairmos um pouco deste espaço geográfico.
E vê-se em que situações, na prática, há exemplos concretos dessa ação da União Europeia que nos possa dar?
Destaco duas coisas no que diz respeito à ação: a ação do lado da descarbonização e do crescimento económico – a Europa conseguiu nos últimos 20 anos criar 26 milhões de postos de trabalho, conseguiu crescer economicamente 27 por cento e conseguiu reduzir as emissões de CO2 dois entre 25 e 30 por cento – é possível descarbonizar e crescer; e depois a ação política – quando andavam as novas gerações nas ruas nas manifestações Fridays for Future – a Presidente da Comissão Europeia, em dezembro de 2020, apresentou o Green Deal perante o Parlamento e em dezembro de 2021, no pico da pandemia, aprovámos a primeira Lei Climática do Mundo.
Aprovámos a Lei Europeia do Clima, em que traduzimos a letra da lei o compromisso com a neutralidade carbónica e com os objetivos intermédios e a seguir o pacote para a descarbonização o famoso Fit for 55.
Portanto, aquilo que a União Europeia vai fazer, novamente na COP 29, no espaço que é possível pela diplomacia é mostrar há uma estratégia e há uma estratégia que funciona. Mas precisamos que os outros países estejam empenhados tal como a União Europeia tem estado.
Lídia Pereira destaca a necessidade de um progresso contínuo no cumprimento das metas de redução de emissões. "Embora a Europa esteja a liderar globalmente na ação climática, temos de garantir que todos os Estados-membros cumprem com os seus compromissos para a implementação do pacote Fit for 55, essencial para atingirmos a neutralidade climática até 2050.”
Outras prioridades do Parlamento Europeu
Mas há outros pontos que querem discutir ou que pelo menos o Parlamento Europeu quer que sejam tidos em conta nesta COP 29?
Uma das coisas que nós também queremos salientar é a importância da água, da gestão da água, que infelizmente escasseia em alguns pontos do globo enquanto noutros sítios é mais abundante e muitas vezes pelas piores razões.
Portanto, temos que nos referir a questão da água. A outra questão fundamental tem que ver com o investimento nas novas tecnologias limpas.
Esta é particularmente relevante também para a União Europeia. Nós temos visto várias declarações a respeito de relatórios que têm sido publicados, seja por Mario Draghi e por Enrico Letta, acerca da competitividade europeia.
Portanto, nós, na Europa, precisamos de energia mais barata, mas energia que vá ao encontro também dos objetivos da descarbonização.
E nesse aspeto eu creio que tanto Portugal e a Espanha têm um papel a
desempenhar, mas aquilo que nós queremos dizer ao resto do mundo é que é
possível pôr a inovação e a tecnologia ao serviço desta adaptação – por
vezes, porque há alterações climáticas que já são irreversíveis – é
possível por a tecnologia e a ciência e o conhecimento ao serviço do
ambiente.
A adoção de mecanismos de fixação de preços do carbono em todo o mundoOs eurodeputados lamentam que as soluções de taxação do carbono cubram apenas 24% das emissões globais, o que é demasiado baixo para cumprir os objetivos do Acordo de Paris. Apelam à Comissão para que incentive e apoie ainda mais outros países a introduzir ou melhorar mecanismos de fixação de preços do carbono, seguindo o exemplo das iniciativas da UE, como o seu sistema de comércio de emissões e o mecanismo de ajustamento das fronteiras do carbono.
O financiamento climático é a questão mais difícil: definir e conseguir um fundo para a luta contra as alterações climáticas para depois de 2025?
Vai-se discutir nesta COP 29 o financiamento anual para o pós 2025.
Portanto, todos os anos temos um fundo de 100 mil milhões de euros e aquilo que se vai discutir é o que é que acontece depois de 2025.A resolução do Parlamento Europeu reitera a necessidade de maiores esforços globais para combater a poluição hídrica, química e plástica, bem como para reduzir as emissões de metano e as emissões provenientes do transporte marítimo internacional, da aviação e da agricultura.
Dou só uma nota, por exemplo, acerca do orçamento do Estado das Maldivas: estamos a falar de um país que gasta mais de 50 por cento do seu orçamento do Estado, todos os anos, em adaptação às alterações climáticas e que mesmo assim está em risco de desaparecer.
O financiamento climático na COP29
Este objetivo deve ser socialmente justo, alinhado com o princípio do
poluidor-pagador e baseado numa variedade de fontes de financiamento
públicas, privadas e inovadoras, afirmam os eurodeputados. Reiteram o
pedido do Parlamento de um mecanismo financeiro previsível da UE para
prestar apoio adequado para cumprir os compromissos de financiamento
climático da UE.
A resolução destaca as prioridades da União Europeia, que incluem o
estabelecimento de um novo objetivo de financiamento climático global,
reforçando a meta global de 100 mil milhões de dólares anuais, a qual,
no contexto global, até ao momento apenas foi alcançada e superada pela
União Europeia.
São precisos 100 mil milhões de euros?
Pelo menos. Eu ainda já tive a oportunidade de dizer isto: qualquer acordo que seja feito abaixo de 100 mil milhões de euros – perante as catástrofes naturais a que nós temos assistido, a frequência e a severidade – eu acho que é um fracasso.
Redução dos combustíveis fósseis
E qual é a posição do Parlamento no que se refere aos combustíveis fósseis, aos apoios ou à redução dos apoios à aquisição ou mesmo à produção?
Essa tem sido a posição do Parlamento Europeu. Já o foi no ano passado, inclusivamente nas negociações da Comissão Europeia – recordo que o ano passado, no Dubai, as negociações estiveram suspensas e estivemos em perigo de não se chegar a acordo porque a União Europeia não aceitava que não houvesse uma referência à redução da utilização e aos subsídios aos combustíveis fósseis – e, portanto, esta continua a ser uma das matérias que está plasmada no texto da resolução como sendo, evidentemente, uma prioridade.
Como eu dizia, estamos a falar da oportunidade das novas tecnologias
limpas, estamos a falar em escalar as tecnologias limpas, mas para isso
precisamos de investimentos e só assim é que vamos conseguir ter energia
barata que não comprometa o desempenho das empresas europeias. E por
isso é tão importante esta redução dos combustíveis fósseis.
A eliminação gradual dos combustíveis fósseis e dos subsídios relacionados
Os eurodeputados querem que a COP29 coordene um “sinal inequívoco” como seguimento do compromisso da COP28 de abandonar os combustíveis fósseis.
Gestão da água
Peço-lhe que nos possa pormenorizar um pouco mais a questão da gestão da água porque é uma questão que interessa sobretudo à Península Ibéria, mas não só…foi difícil convencer eurodeputados de outros Estados-Membros, aqui no Parlamento Europeu, que este é um tema que interessa a todos mesmo aos que não lidam tão de perto com este problema?
Não foi difícil. Eu creio é que a perceção e a sensibilidade são diferentes e é inegável dizer o contrário.
Mas é nestes momentos que eu acho que nós temos também o espaço para trazer ao debate político aquilo que são as prioridades dos países mais expostos.
O relatório do IPCC, do Painel Intergovernamental para as Alterações
Climáticas, é muito claro: a Península Ibérica será das regiões
europeias mais afetadas pelas alterações climáticas. E portanto há um
trabalho de sensibilização que nós também aproveitamos para colocar a
gestão da água como um tema primordial neste novo encontro da COP.
Os Eurodeputados realçam a necessidade de ações mais ambiciosas para enfrentar a crise climática, com especial foco na gestão da água.
Interconexões energéticas
Disse há pouco que a Península Ibérica pode ter um papel a desempenhar no que se refere às energias limpas mas há uma questão antiga que é a das interconexões: Portugal e Espanha não estão ligados ao resto da Europa porque França não o tem permitido. Que trabalho é que pode ser feito ou está a ser feito no Parlamento para que estas ligações sejam uma realidade rapidamente?
No Parlamento Europeu nós temos sido muito claros – em particular o meu grupo político, o PSD, que faz parte do PPE – e há não muito tempo tivemos uma iniciativa, juntamente com as delegações espanhola e francesa, precisamente para alertar para o fraco desenvolvimento que temos na área das interconexões energéticas.
Esta é uma prioridade.
Portanto, para nós é uma prioridade e eu posso dizer também que há outras delegações – a delegação alemã por exemplo também está preocupada com o acesso à energia – interessadas em que a energia seja segura e contínua.
E é isso que não temos garantido pelos acordos que temos com países terceiros – veja-se o que aconteceu com o início da guerra na Ucrânia e com os acordos que havia com a Rússia – e portanto, até do ponto de vista de segurança energética nós precisamos mesmo de alavancar o nosso potencial.
Infelizmente – e isto também tem que se dizer – estas infraestruturas têm sido bloqueadas sucessivamente pela França e por Emmanuel Macron e, portanto, Emmanuel Macron continua a fazer um péssimo serviço à Europa pelos acordos bilaterais que vai celebrando para tentar vender a energia proveniente de centrais nucleares e por não estimular a ligação que nós precisamos.
Se precisamos de segurança energética, precisamos de concluir uma União para a Energia.