
Uma enfermeira da Cruz Vermelha alemã que acompanhou Adolf Hitler nos últimos dias da Segunda Guerra Mundial quebrou pela primeira vez o silêncio para relatar as últimas horas do ditador alemão e dos seus colaboradores.
Numa entrevista hoje publicada no diário britânico The Guardian, Erna Flegel, de 93 anos, garante, entre outras coisas, ter tentado persuadir a mulher do ministro da Propaganda do Terceiro Reich, Joseph Goebbels, a não matar os seis filhos do casal.
"Eu queria que pelo menos um ou dois dos seus filhos fossem levados da cidade (Berlim)", mas Magda Goebbels recusou, afirmando:
"Eu pertenço ao meu marido. E os meus filhos pertencem-me a mim".
As crianças, que morreram envenenadas após a morte de Hitler, eram encantadoras, recorda a enfermeira, segundo a qual o próprio ditador gostava delas, tomando chocolate quente na sua companhia e deixando-as utilizar a sua banheira.
Magda Goebbels, que Flegel descreve como uma mulher "inteligente", tolerava as conhecidas e frequentes infidelidades do marido.
Flegel afirma, por outro lado, que o "Führer" ficou profundamente abatido quando o exército soviético chegou ao centro de Berlim e percebeu claramente que a Alemanha perdera a guerra.
"Hitler não necessitava de cuidados especiais. Eu estava ali exclusivamente para me ocupar dos feridos. Ele tinha envelhecido muito nos últimos dias e dava a impressão de ser um homem 15 ou 20 anos mais velho", recorda.
De acordo com a enfermeira, Hitler tremia muito, era-lhe difícil andar e o lado direito do corpo estava muito debilitado devido ao atentado que sofrera em Julho de 1944.
Na entrevista, Erna Flegel classifica a amante do ditador, Eva Braun, como uma "jovenzita insignificante" e garante que a morte de Blondi, o cão de Hitler, o afectou mais do que o suicídio dela.
A decisão do ditador de casar-se com Eva Braun convenceu a enfermeira de que o Terceiro Reich se aproximava do fim.
Flegel, uma das sobreviventes do "bunker" de Hitler ainda vivas, trabalhou na chancelaria do Reich, em Berlim, a partir de Janeiro de 1943.
Segundo o seu relato, Hitler despediu-se de toda a sua equipa médica nas primeiras horas de 30 de Abril de 1945, antes de se suicidar com um tiro na mesma tarde.
"Saiu de um quarto lateral, apertou-nos a mão a todos, disse umas quantas palavras amistosas e foi tudo", conta a enfermeira.
Erna não chegou a ver o cadáver de Hitler, mas soube que o ditador tinha morrido ao ver de repente no "bunker" mais mortos - incluindo Magda e Joseph Goebbels e os filhos - do que os que normalmente havia.
O corpo do ditador foi levado para o jardim da chancelaria e cremado.
Depois do seu suicídio, um grupo de oficiais das SS tentou fugir do "bunker", mas Flegel foi uma das seis ou sete pessoas que esperaram lá dentro a chegada dos russos, a 02 de Maio de 1945, há exactamente 60 anos.
Erna Flegel, que actualmente vive numa residência para idosos no norte da Alemanha, recorda que a partir de Novembro de 1944 e enquanto o exército alemão era derrotado, Hitler continuou em Berlim, recolhendo de vez em quando ao "bunker" com os seus colaboradores.
De acordo com a enfermeira, o ditador falava regularmente com todo o pessoal ao seu serviço.
"A sua autoridade era extraordinária. Sempre se mostrou cortês e encantador. Não havia nada a criticar-lhe", relembra.
A existência desta enfermeira foi até recentemente um mistério e o Guardian chegou até ela após uma longa investigação com base na "desclassificação", há quatro anos, pela CIA (serviços secretos externos norte-americanos) de um interrogatório a que foi submetida em Novembro de 1945 pelos norte-americanos.
A secretária de Hitler, Traudl Junge, cujas memórias inspiraram o mais recente filme sobre as últimas horas do ditador, cujo papel é representado pelo actor Bruno Ganz, morreu em 2002, e outra testemunha desses últimos momentos, a sua telefonista, Rochus Misch, de 88 anos, recusa-se a falar à imprensa.