Encontro histórico. Papa recebido pelo principal líder xiita do Iraque

por Inês Moreira Santos - RTP
Reuters

O Papa Francisco encontrou-se este sábado, em Najaf, com o principal líder religioso xiita do Iraque, o ayatollah Ali al-Sistani. Neste encontro histórico, que marca as relações entre o Vaticano e o Islão, os dois responsáveis religiosos defenderam que os cristãos no Iraque deveriam viver em paz e com todos os direitos.

No segundo dia da visita ao Iraque, o Papa Francisco está, este sábado, no sul do país para promover o diálogo inter-religioso. A agenda papal para o Médio Oriente ficou marcada pelo encontro com o ayatollah Sayyid Ali Al-Husayni Al-Sistani, em Najaf.

É um encontro histórico: pela primeira vez, um Sumo Pontífice da Igreja Católica reuniu-se com a mais alta figura da hierarquia do Islão xiita no Iraque.

A reunião decorreu à porta fechada, durante cerca de 45 minutos, na modesta casa de Al-Sistani, num dos bairros humildes de Najaf, cercado por forças de segurança. Como alguns especialistas têm vindo a apontar, Francisco teve de respeitar o protocolo e tirar os sapatos antes de entrar no quarto de al-Sistani.

O encontro histórico entre os dois líderes religiosos foi preparado ao longo de meses, tendo sido discutido e analisado cada detalhe ao pormenor, entre o gabinete do ayatollah e o Vaticano. Al-Sistani concordou com a reunião com o Papa desde que nenhuma autoridade iraquiana estivesse presente, segundo informou uma fonte do gabinete do Presidente à Reuters.

O pontífice de 84 anos, que tem viajado no Iraque num veículo blindado, chegou na manhã deste sábado à rua Rasool de Najaf, que culmina na cúpula dourada do Santuário Imam Ali - um dos mais venerados locais do mundo para os xiitas - e dirigiu-se a pé até à casa do aiatola iraquiano.

Foto: Vatican Media/EPA

Recebido à porta por um grupo de iraquianos, vestidos com trajes tradicionais, quando o Papa entrou no edifício foram soltas algumas pombas brancas, numa forma simbólica de paz.

O gabinete de Al-Sistani divulgou, entretanto, fotografias do encontro entre os dois líderes religiosos, que ocorreu sem a presença da imprensa, em que Francisco, vestido de branco, e Al-Sistani, de preto, são vistos em dois sofás da modesta casa do líder xiita, num gesto considerado histórico para as relações entre o Vaticano e o Islão.
Conflito entre muçulmanos e cristãos em debate

A reunião à porta fechada e sem qualquer órgão de comunicação presente, teve como principal objetivo o diálogo inter-religioso sobre o conflito entre muçulmanos e a minoria cristã no Iraque.

Durante o encontro, de 45 minutos, os dois responsáveis defenderam uma solução pacífica para este conflito que tem marcado as últimas duas décadas da história do Iraque.
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Segundo um comunicado do Vaticano, o Papa "sublinhou a importância da colaboração e da amizade entre as comunidades religiosas, de modo que, cultivando o respeito mútuo e o diálogo, se possa contribuir para o bem do Iraque, da região e da humanidade inteira".

"O encontro permitiu ao Papa agradecer ao grande ayatollah Al-Sistani por ter, no meio da violência e das grandes dificuldades dos anos passados, levantado a voz, juntamente com a comunidade xiita, em defesa dos mais frágeis e perseguidos, defendendo a sacralidade da vida humana e a importância da unidade do povo iraquiano", acrescenta o documento.

Ali al-Sistani, de 90 anos, agradeceu ao Sumo Pontífice da Igreja Católica por se ter deslocado até Najaf para a realização deste encontro de cortesia e expressou também a "preocupação de que os cidadãos cristãos vivam, como todos os iraquianos, em segurança e paz, e com todos os seus direitos constitucionais", de acordo com um comunicado do gabinete do líder xiita citado pela Ecclesia.

O clérigo iraquiano enfatizou o papel que a autoridade religiosa tem desempenhado em "proteger todos aqueles que sofreram injustiças e danos nos últimos anos, especialmente durante os quais terroristas tomaram grandes áreas em várias províncias iraquianas, onde cometeram atos criminosos".

Durante o encontro de cortesia, segundo o comunicado, os responsáveis abordaram "os grandes desafios que a humanidade enfrenta neste momento e o papel da fé" e fizeram referência específica às "injustiças, assédios económicos e deslocamentos sofridos por muitos povos" da região, "especialmente o povo palestiniano nos territórios ocupados" por Israel.

No final, Al-Sistani enfatizou ainda o "papel que os grandes líderes religiosos e espirituais devem desempenhar para conter todas essas tragédias".

Al-Sistani é uma das figuras mais poderosas do Islão e as suas opiniões e posições sobre questões religiosas e sociais são procuras por xiitas de todo o mundo. Para a cada vez menor minoria cristã no Iraque, uma demonstração de solidariedade do grande aiatola xiita podia ajudar a garantir o seu lugar no Iraque e os seus direitos após anos de deslocamento, assim como o fim do conflito com os muçulmanos.

Recorde-se que, sendo uma das mais altas figuras religiosas muçulmandas, os seus decretos religiosos (fatwa) levaram muitos muçulmanos a mobilizarem-se em 2014 contra o Estado Islâmico, com a criação da Forças de Mobilização Popular, em janeiro de 2019.

A passagem por Najaf foi um dos pontos altos desta que é a primeira viagem do Papa ao Iraque, uma vez que é uma cidade sagrada para os muçulmanos xiitas, a expressão religiosa maioritária do país.

Francisco viajou para esta cidade sagrada, a cerca de 100 milhas ao sul de Bagdade, que abriga o túmulo de uma das figuras mais reverenciadas do Islão, Ali, primo e genro de Maomé e o primeiro homem a converter-se ao Islão.

A agenda papal inclui encontros com a comunidade católica, composta por 590 mil pessoas, cerca de 1,5 por cento da população iraquiana, além de cristãos de outras Igrejas e confissões religiosas e líderes políticos.

Durante a viagem a este país do Médio Oriente, o Papa vai passar por Bagdade, Najaf, Ur, Erbil, capital do Curdistão iraquiano, Mossul e Qaraqosh.
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