O embaixador russo em Lisboa, Oleg Belous, considerou esta segunda-feira que os Estados Unidos estão na linha da frente da atual "agressiva campanha anti-russa" porque não gostam que a Rússia tome "decisões independentes".
"O papel principal nesta agressiva campanha anti-russa é desempenhado pelos Estados Unidos, que incentivam outros Estados a seguir o mesmo caminho", considerou o embaixador, em entrevista à Lusa, em plena crise político-diplomática entre Moscovo e o ocidente, que já implicou a expulsão de centenas de diplomatas pelas duas partes.
No final de semana passada, o embaixador português em Moscovo, Paulo Vizeu Pinheiro, foi chamado a Lisboa para consultas, na sequência da crise motivada pelo envenenamento em território britânico do ex-duplo espião russo Serguei Skripal e da sua filha Yulia. Uma ação atribuída por Londres a Moscovo, que refuta as acusações.
Lisboa não expulsou nenhum diplomata russo.Ameaça de retaliação
Oleg Belous garantiu que a Rússia entende as razões da posição de Portugal no contexto e não tem interesse em originar problemas na embaixada de Portugal.
"Analisámos com toda a atenção as respetivas declarações e documentos emitidos pela parte portuguesa. Em particular, os representantes portugueses dizem existir uma necessidade de informação adicional sobre esta situação, e entendemos muito bem que não tenham sido tomadas decisões finais", considerou Oleg Belous.
No entanto, e caso Portugal acabe por acompanhar a decisão dos parceiros ocidentais, o embaixador de Moscovo assegura que haverá retaliação similar.
"Qual a diferença entre Portugal e outros países", questionou. "Seria um problema do ministério português se ficassem sem diplomatas. Não estamos interessados em eventuais dificuldades que possam surgir na embaixada portuguesa em Moscovo... No caso de eventual expulsão de algum diplomata, o trabalho da representação diplomática será paralisado e podem ser consideradas várias opções. Sabemos que Portugal tem poucos diplomatas em Moscovo". "Entendemos" Portugal
A 14 deste mês, o Reino Unido anunciou a expulsão de 23 diplomatas russos, decisão seguida nos últimos dias por muitos países ocidentais, pela Ucrânia e pela NATO, que afetou mais de 150 membros de representações diplomáticas da Rússia em dezenas de países e mereceu uma resposta equivalente de Moscovo. E mesmo que Londres não tenha fornecido "quaisquer factos", como precisou Belous, sobre o alegado envolvimento russo no envenenamento dos Skripal.No total, a crise diplomática originada pelo envenenamento de Sergei Skripal com um produtor neurotóxico no início de março já implicou a ordem de expulsão de cerca de 300 diplomatas.
No entanto, sobre a decisão de Lisboa em não expulsar até ao momento qualquer diplomata russo, Oleg Belous, que chefia uma embaixada com 20 diplomatas, remeteu a explicação para o Ministério dos Negócios Estrangeiros português.
Na passada quarta-feira, a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Ana Paula Zacarias, referiu numa comissão parlamentar que no caso de expulsão de diplomatas portugueses, a representação portuguesa em Moscovo ficaria "sem ninguém" e referiu-se a "aspetos pragmáticos".
Nesta entrevista à Lusa, o embaixador garantiu que "temos acompanhado e analisado todos os comunicados e declarações do Ministério dos Negócios Estrangeiros português, do ministro dos Negócios Estrangeiros e do Presidente da República".
"Também sabemos que o embaixador português em Moscovo teve a oportunidade de passar os feriados da Páscoa no seu país, em Portugal, e também tomámos nota das decisões até ao momento anunciadas pelo Governo português", precisou."Campanha anti-russa"
Perante o atual contexto geopolítico, agravado desde 2014 pela anexação russa da península da Crimeia após um referendo no território, o embaixador russo prefere evitar o termo de um suposto regresso à Guerra Fria, mas admite uma "crise nas relações" entre Rússia e o ocidente e entre Rússia e NATO.
"O mais importante neste momento seria que os políticos em Washington, na Europa, na Rússia, fizessem uma pausa para pensarem no que vamos fazer nesta situação. Mas de qualquer forma, não estamos interessados num aumento desta tensão", disse. Oleg Belous também recorre a declarações do Presidente russo, Vladimir Putin, para assegurar a disponibilidade de "cooperação e diálogo" e que poderiam solucionar as atuais posições opostas.
"Mas é um facto evidente que há uma guerra de informação, basta mesmo ler os jornais portugueses, sem falar dos norte-americanos ou britânicos. No terreno da informação, existe uma ofensiva muito ativa", considerou.
"Os EUA não gostam que a Rússia tenha a sua própria opinião, não gostam que a Rússia tome decisões independentes, que dê uma prioridade aos seus interesses nacionais, claro que tomando em conta os interesses nacionais dos restantes parceiros", assinalou o diplomata de 66 anos, que desde 2013 exerce em Lisboa as funções de embaixador da Federação da Rússia.
"Não gostam que a Rússia tenha a sua própria avaliação da situação mundial e, mais importante, não gostam que não escutemos as ordens que Washington tenta dar a todos", prosseguiu Oleg Belous. "Disparates"
As relações diplomáticas entre Washington e Moscovo têm-se ainda degradado recentemente, após as alusões de uma ingerência russa nas eleições presidenciais norte-americanas de 2016.
"Estamos todos, inclusivamente o Presidente da federação da Rússia, Vladimir Putin, bastante cansados de falar sobre o tema da eventual ingerência nas presidenciais dos EUA. Até ao momento não há provas... [e esta questão está sempre a ser colocada] porque a candidata Hillary Clinton não podia admitir que ia perder, e alguém teria de ser culpado por esse fracasso. E a Rússia passou a ser a responsável... Os participantes mais ativos destas acusações são democratas", sublinhou.
Quanto às recentes acusações sobre interferências de Moscovo em outros processos eleitorais, no referendo sobre o `Brexit`, na Alemanha, mesmo na Catalunha, define-as como "disparates".Equilíbrio estratégico
Oleg Belous sustenta que o fim do equilíbrio estratégico foi provocado pelos Estados Unidos, quando declararam em 2002 a sua saída do Tratado sobre Defesa antimíssil. "Por isso, no momento atual, o território russo está cercado por instalações antimísseis, para que possam intercetar os eventuais mísseis balísticos russos", disse. O diplomata, formado em 1973 pelo Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscovo, ano em que iniciou a carreira diplomática, já exerceu funções em França e na Bélgica, ao serviço da União Soviética, e na segunda capital também ao serviço da Rússia, além de ter representado o seu país junto da OSCE.
A resposta, como refere, foi concretizada recentemente.
As Forças Armadas russas estão a ser equipadas com mísseis que não podem ser intercetados pela defesa antimíssil norte-americana. Ou seja, no momento atual e em certa medida regressámos ao equilíbrio estratégico. Não se trata de nenhuma corrida aos armamentos, anualmente as despesas militares russas são cerca de 50 mil milhões de dólares norte-americanos, os EUA despendem 700 mil milhões".
Mas, como garantiu, existe a disponibilidade de Moscovo em fazer recuar esta eventual escalada.
"Já após as eleições presidenciais russas, em 18 de março, o nosso Presidente declarou que os principais programas militares de defesa foram cumpridos e por isso as despesas militares russas podem ser reduzidas", assegurou.