Eleições no Irão. Líder supremo apela à participação entre descontentamento crescente

por Carla Quirino - RTP
Assembleia de voto em Teerão Majid Asgaripour - WANA via Reuters

O Irão tem esta sexta-feira as urnas abertas para eleições parlamentares. O regime dos ayatollahs apela ao voto, para que a participação reforce a sua legitimidade. Isto após meses de protestos desencadeados pela morte da jovem Mahsa Amini em 2022, quando estava sob custódia da denominada polícia da moralidade.

Mais de 61 milhões dos 87 milhões de cidadãos iranianos, de acordo com o Conselho de Supervisão Eleitoral do Irão, estão convocados no primeiro dia de março para definirem a composição do Parlamento.

As urnas abriram às 8h00 (4h30 em Lisboa) e vão manter-se abertas durante pelo menos dez horas. O anúncio dos resultados finais poderá demorar três dias. Contudo, os dados parciais podem ser conhecidos a partir de sábado.

O líder supremo, Ali Khamenei, com 84 anos, votou cedo em Teerão. O ayatollah apelou aos cidadãos para que fossem votar e entendessem a participação “como um ato de resistência contra os inimigos da nação”

"Não há nenhuma razão para não votar. Isso não resolve nenhum problema do país", acentuou.

Ali Khamenei votou diante de uma multidão de jornalistas em Teerão | Majid Asgaripour - WANA via Reuters
Eleição para legitimar regime islâmico

Estas eleições parlamentares têm sido descritas como um teste à popularidade do poder religioso, que enfrenta um crescente descontentamento com as tensões económicas, políticas e sociais.

“Todos devem notar que o cumprimento destes deveres e responsabilidades é um ato de jihad (guerra santa) no confronto com o inimigo, porque não querem que estes deveres sejam cumpridos”, apelou Khamenei, citado pelo Tehran Times.

Cerca de 15 mil candidatos concorrem às eleições parlamentares para preencherem 290 assentos. Outros 144 concorrem aos 88 assentos do poderoso órgão clerical, a Assembleia de Peritos, que tem o poder de nomear o líder supremo, a mais alta autoridade política no Irão. Esta nova Assembleia tem como missão escolher o sucessor de Khamenei, caso o líder supremo morra durante o mandato de oito anos do órgão.

Se estas eleições registarem uma grande participação, o regime reforçará a sua posição, entretanto prejudicada após meses de protestos desencadeados pela morte da curda Mahsa Amini. A mulher de 22 anos terá sido espancada pela polícia da moralidade por não usar o lenço islâmico, de acordo com as regras do país. Acabou por morrer sob custódia das autoridades.
Dúvidas sobre a afluência
Persiste a especulação sobre a afluência às urnas. Quem não alinha com o regime deixa uma mensagem clara.

“Não, não votarei”, declarou uma iraniana de 23 anos à CNN, vinda de Teerão. “As eleições acontecem como espetáculo e propaganda e, na minha opinião, participar em tais eventos é ser cúmplice e ajudar na sua propaganda política”, afirmou sob anonimato, por medo de represálias por parte das autoridades.

Embora “uma boa percentagem dos cidadãos iranianos, que não gostam do atual governo no Irão, quando ouvem a Administração norte-americana a falar sobre Direitos Humanos, não o aceitam”, afirma por sua vez Foad Izadi, professor associado da Faculdade de Estudos Mundiais da Universidade de Teerão.

O docente acrescenta que os iranianos veem o Ocidente como tendo perdido a legitimidade de falar sobre Direitos Humanos, depois de “deixar a carnificina em Gaza durar meses”. Daí pode “não ser difícil encorajar o voto apelando à unidade nacional contra os EUA e Israel”, sublinha Izadi.

Já a jovem iraniana acentua que “os incitamentos do Governo do Irão, sob qualquer forma, ao voto não influenciarão o povo, mesmo se incluirmos a guerra Israel-Gaza”. Observa ainda que, uma vez que o Governo tem usado repetidamente a guerra de Gaza “para a sua própria propaganda”, aqueles que se opõem ao regime, mas apoiam os palestinianos, “preferem ficar calados”, evitando serem vistos como apoiantes da agenda oficial.
 

Assembleia de voto em Teerão, uma das 59 mil em todo o país | Majid Asgaripour - WANA via Reuters

De acordo com a lei iraniana, o Parlamento supervisiona o poder executivo, mas na prática o poder absoluto no Irão pertence ao líder supremo, o ayatollah Ali Khamenei.As últimas eleições presidenciais do Irão, em 2021, que levaram o radical Ebrahim Raisi ao poder, registaram uma participação de 48,8 por cento, abaixo dos 85 por cento no ano de 2009.

Prevê-se que as eleições legislativas agora em curso “tenham a menor participação nos 45 anos de história da República Islâmica”, observou Holly Dagres, membro não residente do Conselho Atlântico, atribuindo a fraca participação à “corrupção sistémica, má gestão e repressão” por parte do Estado, colocando em causa o “quão ilegítimo é o regime clerical preestabelecido aos olhos do povo do Irão”.

“Esta passividade é em si uma escolha e um voto de insatisfação com o regime governante”, vincou uma outra jovem em Teerão, acusando as autoridades de terem apagado o verdadeiro significado das palavras “eleição” e “república”.

c/ agências
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