Eleições em Itália. Votar sem ter ideia de quem vai governar

Sem perspetivas de encontrar uma solução governativa estável, os italianos preparam-se para ir a votos. O eleitorado apresenta-se fragmentado, o centro perde peso e os movimentos populistas continuam a crescer. Num país perdido no debate sobre a segurança e imigração, proliferam os cenários, sem soluções de futuro à vista. Os resultados conhecem-se a 4 de março. A solução de governo demorará mais a compor-se.

“Ninguém sabe o que se pode esperar destas eleições”. A resposta de Goffredo Adinolfi não deixa margem para dúvidas. Questionado sobre que combinação política é a mais provável na sequência das eleições legislativas de Itália, este investigador de ciência política não arrisca. O mesmo acontece com Marco Lisi, também ele professor italiano a trabalhar em Portugal.

Os motivos para a precaução são múltiplos: as sondagens não preveem uma maioria estável, estes próprios inquéritos estão muito sujeitos ao erro e os candidatos mostram-se suficientemente ambíguos para permitir uma multiplicidade de coligações.

O que as sondagens indiciam é um eleitorado fragmentado em três grandes polos: centro-esquerda, direita e Movimento Cinco Estrelas. O resultado é que qualquer uma destas forças deverá ficar longe da maioria absoluta.

“As previsões indicam que um partido para ter maioria tem que ter pelo menos 40 por cento dos votos no proporcional e ganhar cerca de 60 por cento dos círculos uninominais”, explicita o investigador Marco Lisi. Nos estudos conhecidos, nenhum partido ultrapassa os 30 por cento de votos. Mesmo coligada, a direita consegue 37 por cento.

 

Com estes dados, o que se pode traçar são meros cenários. Matematicamente falando, uma solução simples seria a coligação de direita conseguir a maioria. Itália teria um executivo apoiado pelo Força Itália de Berlusconi e por movimentos de extrema-direita como a Liga Norte e os Irmãos de Itália.

O cenário não é novo e o próprio Berlusconi – que agora não poderá ser primeiro-ministro por ter sido condenado por fraude fiscal – já liderou uma solução semelhante. No entanto, os extremistas têm agora maior peso eleitoral e não é de excluir que a Liga Norte possa ter mais votos que a Força Itália. No caso de ser o maior partido da coligação, Matteo Salvini já disse que quer ser o primeiro-ministro.

Na política de alianças, uma coligação entre o Partido Democrático de Matteo Renzi e a Força Itália de Sílvio Berlusconi aparece também com hipótese. Isto se os dois partidos conseguirem juntos a maioria dos deputados, cenário que as sondagens não preveem. Seria o equivalente ao “bloco central” português e à grande coligação da Alemanha.

“Berlusconi e Renzi têm uma boa relação. Berlusconi nunca fez uma oposição muito forte a Renzi. Mesmo agora, o grande parte do seu discurso é contra o Movimento Cinco Estrelas”, assinala o investigador Goffredo Adinolfi.



Apesar de ter fechado uma coligação pré-eleitoral com a extrema-direita, o professor da Universidade Nova de Lisboa Marco Lisi acredita que Berlusconi tem mantido abertura para uma eventual parceria com Renzi. “Tem mantido aberto as duas hipóteses. Tem tido flexibilidade, mesmo a nível programático. Há uma certa ambiguidade para se estar disponível para qualquer eventualidade”, afirma.

No tabuleiro político italiano há ainda lugar para a antítese da grande coligação. Uma aliança entre movimentos populistas que se opõem à construção europeia: um Governo apoiado pelo Movimento Cinco Estrelas e por forças de extrema-direita como a Liga Norte e os Irmãos de Itália. Um cenário possível, admite Lisi, mas que “não será o mais plausível”.

“As posições antieuropeístas do Movimento Cinco Estrelas têm vindo a ser muito mais moderadas. É um euroceticismo mais soft”, assinala o investigador. Apesar do pé-atrás com que todos estes movimentos olham para a Europa, ostentam diferenças consideráveis entre si, dificultando esta aliança temida por Bruxelas.

Com um Parlamento fragmentado, um executivo minoritário que estabeleça acordos pontuais é uma forte possibilidade. O Chefe de Estado pode tentar um Governo de iniciativa presidencial e conduzir o país novamente para eleições.
Confiar nas sondagens?
Se o cenário revelado pelas sondagens perspetiva um período de instabilidade política na Península Itálica, não é de excluir que o resultado possa ser completamente diferente. As sondagens no país já provaram que são propícias ao erro. “A cada eleição há uma nova lei eleitoral e novos partidos”, justifica o investigador do ISCTE Goffredo Adinolfi, o que prejudica os modelos estatísticos.

O poder legislativo italiano reside num Parlamento dividido em duas câmaras, ambas com a mesma importância e função. Neste bicameralismo perfeito, uma maioria estável implica conquistar mais de metade dos lugares disponíveis quer na Câmara dos Deputados quer no Senado.



A lei eleitoral italiana não está inscrita na Constituição e tem sido alterada sucessivamente ao longo dos anos. A versão atual foi redigida em 2017 e resulta de um acordo entre o centro-direita e o centro-esquerda. O Movimento Cinco Estrelas votou contra e é, dizem os analistas, o principal prejudicado com este sistema.

A composição do Senado e da Câmara dos Deputados é escolhida numa eleição mista: 61 por cento dos parlamentares são eleitos pelo método proporcional e 37 por cento em círculos uninominais – círculos pequenos em que apenas uma pessoa é eleita.

“É uma lei que premeia as coligações e o Movimento Cinco Estrelas não coliga”, recorda o politólogo italiano Goffredo Adinolfi. Os círculos uninominais beneficiam os partidos tradicionais, que têm forte implantação regional, como é o caso do centro-esquerda e do centro-direita.


Apesar de poder não ter o maior grupo parlamentar, o Movimento Cinco Estrelas lidera as intenções de voto com 28 por cento. A força política fundada pelo comediante Beppe Grillo em 2009 mantém a trajetória de crescimento, depois de ter conseguido 25 por cento nas legislativas de 2013. É agora liderada por Luigi di Maio, um jovem político de 31 anos.

"Beppe Grillo era o porta-voz de um movimento antisistema. Luigi Di Maio é a personificação da sua tentativa de normalização”, explica o politólogo Massimiliano Panarari, em declarações ao diário francês Libération.

Marco Lisi acredita que o movimento ganhou experiência e competência e já não é só um voto de protesto. “Há uma capacidade do movimento em ganhar a confiança dos eleitores, mesmo daqueles que não se identificam com ele. Atrai tanto eleitores de direita como de esquerda”, explica o investigador da Universidade Nova de Lisboa.

A conquista de voto faz-se também à custa de alguma ambiguidade, nomeadamente nas questões europeias, com um discurso contra a União Europeia e a moeda única, mas que está mais moderado. “São ambíguos porque sabem que este é um discurso de que as pessoas têm medo”, considera Goffredo Adinolfi.

A ascensão do Movimento Cinco Estrelas é o outro lado da queda dos partidos tradicionais que tem assolado a Europa. Mesmo que a Força Itália de Sílvio Berlusconi e o Partido Democrático de Matteo Renzi se coliguem, é pouco provável que consigam maioria absoluta. “Está a reproduzir-se o que aconteceu em França. Por enquanto, o sistema antigo ainda aguenta mas as forças antissistema reforçam-se. Mais cedo ou mais tarde, se não resolverem o problema do bem-estar, vão perder”, antevê o politólogo do ISCTE.

Goffredo Adinolfi considera que “há uma desconfiança total em relação à política e ao Estado”. Um sentimento de abandono que cresce com o aumento das desigualdades, a flexibilização das leis laborais, a precariedade e o desinvestimento no Estado social. Um sentimento que resvala para a xenofobia, a oposição à imigração e à integração europeia.
Imigração e segurança
A segurança tornou-se precisamente o tema central de uma campanha feita mais de casos do que de temas de futuro. A xenofobia e a imigração entraram de rompante ainda a campanha eleitoral não tinha oficialmente começado com o atentado de Macerata.

A 2 de fevereiro de 2018, um homem de cabeça rapada e que fora candidato autárquico da Liga Norte, disparou a matar sobre transeuntes de origem africana. O ataque aconteceu dias depois de uma italiana ter sido assassinada por um requerente de asilo. A condenação pouco firme da elite política mostra o medo que o tema gera. “Preocupa-me pela indiferença”, afirma Goffredo Adinolfi, certo de que “antigamente teria havido uma condenação mais unânime”.

A campanha italiana fica ainda marcada por temas como a moralização da vida política e a regeneração da classe. A economia, de um país que ainda tenta recuperar da crise, não marca a corrida eleitoral.

Com mais de 60 milhões de habitante, Itália é a quarta economia da União Europeia, projeto do qual foi um dos países fundadores. No entanto, o seu PIB per capita é inferior à média europeia e a sua dívida pública extremamente elevada: 132 por cento do PIB, a segunda maior entre os 28 Estados-membros.

A República italiana passou ao lado de um resgate do Fundo Monetário Internacional mas não ficou alheia à política de austeridade. Apesar dos problemas que a economia ainda enfrenta, os resultados do último ano foram animadores. O desemprego continua a descer. A economia teve o mais alto crescimento desde 2010, apesar de abaixo da média europeia.



Na opinião do investigador Marco Lisi, o facto de a economia não fazer parte dos temas de campanha está a ser um trunfo para os partidos de direita e o Movimento Cinco Estrelas e a prejudicar Matteo Renzi. “O Partido Democrático poderia afirmar-se para recuperar a imagem e apresentar resultados positivos em termos económicos”, assevera o professor da Universidade Nova de Lisboa.

Quando chegou ao Palazio Chigi em 2014, Renzi era o rosto da mudança. Prometia uma nova Itália, apostava forte na integração europeia mas deixava críticas às regras orçamentais.

A economia dá sinais de mudanças mas ainda não recuperou da crise. O número de italianos em risco de pobreza aumentou mais de três milhões. A taxa de desemprego permanece mais elevada do que antes da crise. A situação é especialmente preocupante para os mais jovens. O desemprego afeta mais de 30 por cento dos jovens com idades até aos 25 anos.



Renzi deixou a liderança do Governo italiano em dezembro de 2016 depois de os italianos terem chumbado as alterações constitucionais que propôs em referendo. Foi substituído pelo seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Paolo Gentiloni.

Matteo Renzi venceu depois as primárias democráticas e volta agora a apresentar-se. “É curioso que Berlusconi e Renzi sejam dois perdedores que voltam novamente à lisa para tentar reconquistar o poder”, não deixa de notar Isabel Meirelles, especialista em Assuntos Europeus.

Na opinião de Marco Lisi, Renzi desgastou demasiado a sua imagem com um “excesso de protagonismo” que “afetou muito o desempenho do Governo”. “Lidou com esta vontade de renovar o cenário político com excesso de voluntarismo. Alguns atribuem-no também à arrogância”, avalia o especialista em partidos políticos. Para Goffredo, Renzi tenta “aguentar-se no poder”.

O facto é que, um ano depois da saída, Renzi tenta o grande regresso. Berlusconi também. “Os italianos não veem a mudança, o tal rejuvenescimento e o aparecimento de novos rostos galvanizadores. É a evolução na continuidade”, avalia Isabel Meirelles. A opção passa também pelas forças antissistema. O Movimento Cinco Estrelas tenta traduzir o poder popular em poder de facto. A Liga Norte aproxima-se de Berlusconi.

No meio de tantos protagonistas e indefinição, o dia 5 de março promete ser de cálculos e de busca por consensos. O Presidente da República de Itália acumulará mais poder depois das eleições. O atual primeiro-ministro Paolo Gentiloni poderá permanecer no cargo mais tempo do que espera. Um governo de iniciativa presidencial e a preparação de novas eleições são cenários em cima da mesa.

Os transalpinos já se vão habituando. Nos últimos 20 anos, tiveram dez primeiros-ministros. A estabilidade não está ao virar da esquina.