Eleições em Espanha. A Presidência do Conselho da UE e um cenário governativo a virar à direita

por Inês Moreira Santos - RTP

Em maio, depois da derrota geral do PSOE nas eleições municipais e regionais em Espanha, o primeiro-ministro e líder socialista anunciou a dissolução do Parlamento e a antecipação de eleições para o próximo dia 23 de julho. Pedro Sánchez ainda está à frente do Governo espanhol e assumiu, esta segunda-feira, a Presidência rotativa semestral do Conselho da União Europeia. Mas as sondagens estimam que o cenário se repita nas legislativas deste mês e, se a direita espanhola tiver melhores resultados eleitorais, os avanços em algumas pastas europeias, que Madrid tem em mãos nos próximos meses, podem ser postos em causa.

A campanha eleitoral só começa oficialmente na próxima sexta-feira, mas a pré-campanha e as sondagens já começam a revelar as tendências do eleitorado. As eleições legislativas espanholas estavam previstas para dezembro deste ano, mas com a clara derrota para a direita nas regionais de maio, Pedro Sánchez decidiu dissolver o parlamento e antecipar as eleições.

"Como primeiro-ministro e secretário-geral do PSOE assumo os resultados e vou submeter o resultado democrático à vontade popular", afirmou o primeiro-ministro, na altura, referindo que os resultados de maio demonstravam uma "clarificação sobre a vontade da população espanhola".

Pedro Sánchez é chefe do Governo de Espanha desde 2018 e na atual legislatura, iniciada em janeiro de 2020, liderou um executivo de coligação entre o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e a plataforma de extrema-esquerda Unidas Podemos. Contudo, o mapa regional e autárquico de Espanha deixou de ser dominado pelos socialistas com as eleições regionais e locais, que o Partido Popular (PP, de direita) ganhou, reivindicando o início de um "novo ciclo político" no país.

O partido socialista (PSOE), à frente do Governo nacional desde 2018, liderava os executivos regionais de nove das 12 regiões autónomas que tiveram eleições em maio e, no final da contagem dos votos, tinha perdido mais de metade, conservando apenas quatro. No entanto, o PP não venceu com maioria absoluta em todas as regiões e dependia em alguns casos do apoio do VOX (extrema-direita) para conseguir governar.

O PSOE, de centro esquerda, perdeu para os conservadores as eleições em cinco das nove regiões autónomas que governava. Já o Partido Popular (PP, de direita) conquistou sete vitórias, duas delas com maioria absoluta, em Madrid e La Rioja.

As sondagens do El País, divulgadas esta segunda-feira, revelam uma perda de pouco mais de dois pontos percentuais para o PP, que segue à frente com 31 por cento, e um aumento de 1,3 pontos percentuais no PSOE, que está nos 29 por cento. São as primeiras estimativas, em semanas, que prevêm uma subida dos socialistas. O partido de extrema-direita Vox continua a subir nas contagens, mantendo o terceiro lugar das sondagens, com 15 por cento.
Pedro Sánchez contra a extrema-direita
Com a vitória do PP nas eleições regionais e municipais, Pedro Sánchez viu-se obrigado a reagir, dissolvendo o Parlamento e convocando eleições para julho. Segundo os analistas políticos, o líder socialista quis usar uma estratégia de “tudo ou nada” para que os eleitores espanhóis decidam quem quererem no Governo.

Todavia, ao antecipar as legislativas, o chefe de Governo deixou em aberto a possibilidade de o país ter um governo de direita dividido entre o Partido Popular e o Vox. O conservador PP, liderado por Alberto Núñez Feijóo, ultrapassou os socialistas, mas para ter maioria teria de se juntar ao Vox.


Ao chamar os eleitores às urnas a 23 de julho, Sánchez apresenta-se como o líder europeu que quer combater a extrema-direita e obriga todos os partidos de esquerda a mobilizarem-se para impedir a ascensão da direita ao poder. Para o chefe de Governo, se o PP e o Vox ganharem, junta-se no poder legislativo “a direita extrema com a extrema-direita”.

“Urge ganhar se quiserem um presidente do Governo de Espanha ao lado de Biden ou de Trump, ao lado de Lula ou de Bolsonaro
”, disse no Conselho de Ministros após dissolver o Parlamento.

Mas neste contexto, e a menos de dois meses das eleições, apareceu uma nova plataforma de esquerdas - o SUMAR - que engloba muitos partidos e movimentos que estão à esquerda do PSOE.

Segundo explicou à RTP Oscar Martínez Tapia, professor de Ciência Política na IE Universidade, as eleições municipais de maio serviram como “terramoto” para os partidos de esquerda, uma vez qe “perderam a fiabilidade” enquanto parceiros de Governo.
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Yolanda Díaz assume a liderança deste novo movimento e tenta juntar os 15 partidos mais à esquerda do PSOE. O Podemos, de Pablo Iglesias, foi o último partido a juntar-se antes da formalização do movimento. Sendo partido de coligação a formar governo com o PSOE, corre o risco de desaparecer num movimento com tantas forças políticas. Por outro lado, ao candidatar-se sozinho podia não conseguir um bom resultado eleitoral.

Yolanda Díaz, uma política da Galiza, era praticamente desconhecida no resto de Espanha quando, no início de 2020, Pablo Iglesias a levou para o Governo nacional como ministra do Trabalho. Segundo sondagens publicadas antes das eleições regionais e municipais de 28 de maio, Yolanda Díaz é agora o elemento do Governo com mais popularidade e uma das políticas espanholas que mais simpatia gera no eleitorado.
 
A maior questão é que, segundo o quadro eleitoral, nenhum partido conseguirá formar Governo sozinho.

Segundo Tapia, “há mais ou menos um empate entre o socialismo e a esquerda do socialismo, e os conservadores do PP com o VOX”. Por isso, a chave para o futuro Governo de Espanha pode estar, mais uma vez, nas mãos dos independentistas ou movimentos como o SUMAR. E, nesse caso, a direita não sairá favorecida nestas eleições.
Compromissos europeus
Ao assumir a pasta da presidência rotativa semestral do Conselho da União Europeia, Pedro Sánchez garantiu, esta segunda-feira, que Espanha cumprirá os deveres na presidência europeia espanhola, mesmo que o Executivo mude nas eleições de 23 de julho.

“Transmiti à presidente da Comissão Europeia que vamos cumprir com os nossos deveres (…). Vamos atuar como intermediários imparciais e coordenar debates construtivos, incluindo nos dossiês abertos”, como as migrações, leis digitais e segurança económica, declarou o ainda primeiro-ministro numa conferência de imprensa no final de uma viagem do colégio de comissários a Madrid, quando arranca a presidência espanhola do Conselho da União Europeia (UE).

De acordo com o chefe do Governo espanhol, Espanha assegura a liderança rotativa europeia “com absoluta normalidade”, apesar das eleições legislativas antecipadas, uma vez que “não é a primeira vez que um país que está na presidência tem eleições”.

Sobre o mesmo assunto, a presidente da Comissão Europeia admitiu ter confiança de que, “independentemente do resultado das eleições”, o Governo espanhol “e as instituições espanholas consigam avançar”.

De acordo com Ursula von der Leyen, Espanha assume a liderança do Conselho da UE num “momento decisivo”, tendo vários dossiês em aberto, nomeadamente no apoio a Kiev, dada a proposta relativa a uma reserva de 50 mil milhões de euros de apoio à recuperação da Ucrânia, no âmbito da revisão do orçamento da UE a longo prazo.

A presidência do Conselho da UE é semestral e, por isso, mesmo que a direita ganhe em Espanha, não se esperam grandes alterações na liderança espanhola. Além disso, a presidência espanhola da UE ocorre quase no final da atual legislatura europeia – há eleições em maio de 2024 – numa fase final de trabalhos e negociações. Mas as posições políticas que Madrid passa assumir poderão mudar. O Partido Popular, que segue à frente nas sondagens para as legislativas, apelou já ao Governo espanhol e às instituições europeias para que todos os eventos da presidência previstos acontecer em território espanhol durante o período de campanha eleitoral sejam alterados para Bruxelas.

No entanto, mesmo que saia derrotado, Sánchez pode manter-se como primeiro-ministro até ao final da presidência espanhola da UE, caso se repitam bloqueios na formação de um novo governo, como aconteceu por duas vezes na última década em Espanha.

A pré-campanha eleitoral tem estado dominada pelos acordos do PP com o VOX e, na última semana, pelas declarações e perfis de pessoas que o partido de extrema-direita escolheu para presidir aos diversos parlamentos regionais ou para o governo da Comunidade Valenciana, que são negacionistas das vacinas e das alterações climáticas, ativistas contra o aborto ou que dizem que a violência de género não existe.

As sondagens das eleições nacionais de 23 de julho têm dado, nas últimas semanas, a vitória ao PP sem maioria absoluta (o que poderia conseguir com um acordo com o VOX). Mas considerando as oscilações das sondagens e as análises dos especialistas políticos, o futuro político de Espanha ainda é incerto. Depois de os espanhóis irem às urnas ainda será necessária a formação de Governo, o que poderá levar semanas ou meses.

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