Eddie Ndopu: "Todas as pessoas com deficiência são atletas. É precisa muita força para continuar"

Negro, gay, com deficiência. Fez história na universidade de Oxford e prepara-se para ir ao espaço no próximo ano. Eddie fintou todas as probabilidades.

Quem olha para Eddie Ndopu não vê logo a doença. Vê-o a deslocar-se em cadeira de rodas e, portanto, percebe que alguma limitação terá. Mas o que é mais evidente é o sorriso rasgado e a tranquilidade. Os dias não são todos sorridentes - nunca foram - mas nota-se que Eddie tenta absorver as mensagens de otimismo que partilha em conferências e eventos.

Ele tem a história perfeita para fins motivacionais mas, para chegar aqui, foi mesmo preciso fintar muitos obstáculos. O primeiro, e um dos maiores, foi tão cedo que já nem mora na sua memória. Aos dois anos, foi-lhe diagnosticada Atrofia Muscular Espinal, uma doença degenerativa neuromuscular. Os médicos ditaram a sentença: a doença seria fulminante e Eddie viveria no máximo até aos cinco anos. Completou 28 anos no final do ano passado. 


Foi o primeiro africano com uma doença degenerativa a licenciar-se na Universidade de Oxford, é assessor especial para o Impacto e Sustentaibilidade Corporativa da RTW Investiments, co-fundador da Evolve Initiative, uma start-up focada na influência das pessoas com deficiência nas políticas públicas e foi nomeado uma das 50 pessoas com deficiência mais influentes do mundo, pela Shaw Trust. Desta lista fazem também parte o ator Michael J Fox, diagnosticado com a doença de Parkinson, e Madam Haidi, presidente da Federação Chinesa de Pessoas com Deficiência e ela própria com paraplegia.


Ao currículo, Eddie quer somar conquistas de outra dimensão: prepara-se para ser a primeira pessoa com deficiência a ir ao espaço. A capacidade pulmonar já foi testada, mas o verdadeiro desafio reside na questão motora. "Por alguma razão as pessoas com esta doença nunca foram ao espaço. Os nossos corpos não foram construídos para aguentar algo tão duro e extenuante, mas eu estou determinado a mostrar ao mundo que tudo é posível", disse à MTV, que irá fazer um documentário sobre a viagem. A ONU e outras organizações estão a trabalhar para que tudo aconteça no próximo ano.

Aquele que é também um dos Sustainable Development Goals Advocate, das Nações Unidas, esteve em Bona (Alemanha), no SDG Global Festival of Action. O seu discurso arrancou aplausos e selfies

Questionado pela RTP se se sente um campeão, respondeu: "Acho que todas as pessoas com deficiência são campeãs. Somos todos atletas, porque a resiliência emocional que é precisa, a força psicológica que é precisa, a garra para continuar, para enfrentar a exclusão social... A minha carreira como atleta começou logo aos dois anos", brincou. 



"Negro, homossexual, com deficiência e fabuloso". É assim que Eddie gosta de se apresentar, somando uma série de características sujeitas a discriminação mas coroando-as com o facto de se sentir bem nas várias peles. A doença tira-lhe a parte do sistema nervoso que controla o movimento muscular voluntário, uma área localizada na espinal medula. Isto faz com que Eddie precise de apoio 24 horas por dia para comer e para se vestir, por exemplo.

A cabeça está intacta e o desejo de estudar nunca conheceu limites. A deslocar-se em cadeira de rodas desde os 5 anos e com uma doença que nunca foi escondida, as dificuldades sentiram-se quando foi rejeitado "vezes sem conta" em escolas ditas comuns. No final dos anos 90, Eddie era apenas um "rapaz à procura de poder ir para a escola". Hoje, é o embaixador da Humanity & Inclusion UK para os direitos de educação de milhões de crianças com deficiência pelo mundo inteiro.

"Apesar de as leis contemplarem os direitos das pessoas com deficiência, ainda há um fosso entre a lei e a prática das instituições. Eu fui rejeitado por muitas escolas que diziam que eu não me ia adaptar ao sistema de ensino regular. Mal sabiam que um dia eu me iria graduar em Oxford", constata. 


Segundo o relatório da Organização Mundial de Saúde, há mais de mil milhões de pessoas no mundo com algum tipo de deficiência. Destas, uma em cada dez são crianças e 80% delas vivem em países em desenvolvimento. Por isso, sublinha a OMS, "as crianças com deficiência têm menos probabilidade de ir à escola e, se forem, têm ainda menos probabilidades de chegar ao ensino secundário". O acesso à escola para estas crianças é limitado devido à "falta de entendimento sobre as suas necessidades e de professores e elementos de apoio", reforçam.

Na luta das pessoas com deficiência, cabem mais que casas de banho adaptadas e rampas. "Os três grandes desafios que as pessoas com deficiência enfrentam são o isolamento, a negligência e o trauma. A acessibilidade é importante, mas também é importante a intimidade e haver formas de divertimento", destaca o ativista, nascido na África do Sul. 

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Mauritius on my mind.

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Para quem estava destino pela medicina a não subsistir além da infância, todas os dias são oportunidades para sonhar mais alto. "Eu sou uma prova viva de possibilidades", define nas suas redes sociais. Apresenta-se também como "futuro astronauta", para não deixar dúvidas de que o sonho é para levar a sério. 

"Continuamos a não acreditar que as pessoas com deficiência podem ter uma vida normal ", considerou à RTP. Mas logo se corrigiu: "Na verdade, o normal não existe. O que é ser normal? A independência também não existe. Nós somos todos dependentes de alguma maneira. Todos precisamos uns dos outros para que isto faça sentido".