E se a independência afinal não servir a Escócia?

por Graça Andrade Ramos - RTP
A primeira ministra escocesa Nicola Sturgeon na primeira reunião de gabinete em Edinburgo , a 14 de março de 2017, após anunciar a realização de um novo referendo sobre a independência. Reuters

A vida politica da primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, acabou de se complicar. O povo escocês pode, ou não, estar cada vez mais dividido quanto à independência, mas está, aparentemente, muito mais eurocético. O que deita por terra um dos maiores argumentos dos nacionalistas para defender a saída escocesa do Reino Unido.

Segunda-feira, Sturgeon jogou a cartada de um novo referendo sobre a independência da Escócia, argumentando que o Brexit alterou as regras do jogo e a Escócia votou massivamente pelo "ficar" na União Europeia em junho passado.

"Estou a garantir que o futuro da Escócia seja decidido pelo... povo da Escócia", referiu, marcando o referendo para finais 2018 ou princípios de 2019 - quando as negociações do Brexit estiverem mais avançadas.

Só que, duas sondagens esta quarta-feira mostram que o povo escocês mencionado pode estar a preparar-se para baralhar as contas.Uma das sondagens mostra que, se o povo escocês quer cada vez mais a independência, está também muito mais eurocético. A outra contradiz a primeira e conclui que o apoio à independência está no seu ponto mais baixo dos últimos dois anos.

O primeiro estudo foi realizado pelo Scottish Social Attitudes Survey entre julho e dezembro de 2016. Os resultados apontam um apoio de 46 por cento à independência, o mais alto desde o início das pesquisas em 1999.

Já a pertença à União Europeia entusiasma poucos. Um total de 67 por cento quer menos Bruxelas nas suas vidas, sendo que 25 por cento, apoiam mesmo o Brexit.

A segunda análise, da YouGov, publicada pelo jornal Times, abrangeu cerca de 1000 escoceses e realizou-se entre 9 e 14 de março. Os inquiridos dividiram-se, 43 pela independência e 57 por cento pela permanência no Reino Unido.

Sondagens - valem o que valem, foi isso que os mais recentes atos eleitorais, sobretudo no Reino Unido, ensinaram aos analistas. Certo é que ninguém deixa de sofrer a sua influência.
"Vá para a fila"
O anúncio de um novo referendo pode não ter passado de uma jogada para garantir um pé escocês nas negociações do Brexit.

Nicola Sturgeon tem-se sentido posta de lado por Londres, depois de numa primeira fase a sua homóloga, Theresa May, lhe ter prometido toda a colaboração.

Theresa May e Nicola Sturgeon na Escócia em julho de 2016 Foto: Reuters

A Escócia pretendia que o Reino Unido lutasse por um estatuto especial para a Escócia no Brexit mas, a preparação das negociações não está a passar por Edimburgo. Parece ter-se erguido um "muro de intransigência" na capital britânica, acusou Nicola.

Sturgeon defende que a Escócia não pode ser arrastada para fora da Europa à revelia da vontade dos seus cidadãos mas, a acreditar nas sondagens, poderá ter de invocar novas razões para marcar um novo referendo.

Até porque o aparente "golpe baixo" dos escoceses esta quarta-feira seguiu-se ao encontrão recebido terça-feira de um importante Estado-membro.

Uma Escócia independente não terá inclusão automática na União Europeia disse a Espanha, a contas também com uma Catalunha rebelde. O ministro espanhol dos Negócios Estrangeiros, Alfonso Dastis, ameaçou cortar as vazas da Escócia e disse a Sturgeon que o país terá de "ir para fila'.
Alternativa EFTA
Célere, o Partido Nacionalista Escocês, o ENP, não perdeu tempo.

Logo na segunda-feira tinha colocado no terreno a sua poderosa máquina de propaganda - reforçada por quatro vezes mais membros do que no referendo pela independência de 2014.

Lançou também uma campanha online de angariação de fundos e o país encheu-se de bandeiras escocesas. Ao fim do dia, após as declarações de Dastis, a mensagem já estava a ser adaptada.

Fontes bem colocadas no partido da primeira ministra afirmam ao The Telegraph que Nicola Sturgeon vai defender a adesão à EFTA - a comunidade de países que, sem pertencer à União Europeia, adotam muitas das suas regras para ter acesso ao mercado único. Inclui a Noruega, a Islândia, a Suíça e o Liechtenstein.

A alternativa EFTA até poderá resultar mas uma Escócia independente terá de enfrentar uma série de outros problemas.

Fora da UE e fora do Reino Unido, poderá ficar sem moeda - pois Londres poderá recusar-lhe o uso da libra esterlina.

Uma nova moeda implicaria a desvalorização séria do nível de vida escocês.

Sem esquecer que a Escócia recebe mais em subsídios e ajudas do Reino Unido do que paga em impostos e os recursos próprio, nomeadamente o petróleo do Mar do Norte, poderão não chegar para encher os cofres.

São incógnitas que poderão dar um golpe de misericórdia às pretensões independentistas escocesas, caso Westeminster autorize a realização do novo referendo pretendido por Sturgeon.
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