"Donos do nosso destino". Emmanuel Macron quer independência da Europa face aos EUA, Rússia e China
O presidente francês, Emmanuel Macron, terminou esta sexta-feira uma visita a Portugal, num momento de incerteza para a Europa, quanto ao seu lugar no mundo e sobre a sua própria segurança. Macron analisou os desafios, concluindo que a única saída é o reforço da autonomia e independência europeias, face tanto a parceiros como os EUA como a ameaças como a Rússia e a China.
Entrevistado para a RTP pelo jornalista Paulo Dentinho, Macron afirmou que "é preciso saber melhor como sermos donos do nosso destino".
"E isso passa pela Ucrânia", disse. Mais do que uma questão de direito
internacional, a "Ucrânia é uma questão de segurança de todos os
europeus", lembrou. "Se deixarmos a Rússia ficar com a Ucrânia, deixamos que fique com o maior exército da Europa, com muito armamento que lhe entregamos, e deixamos a Rússia ficar nas nossas fronteiras".
"No fundo, quando se fala da paz ou da guerra na Europa, quando se trata
da nossa independência estratégica, quando tentamos regular o clima, a
nossa saúde, o nosso acesso ao espaço e à Inteligência Artificial, a
única obsessão que devemos ter enquanto europeus, é como o conseguir por
nós próprios", defendeu.
"Os parceiros não são alguém de quem dependamos", sublinhou ainda
Macron, reconhecendo alguma irritação com a recente retórica americana
de que a Europa explora os EUA.
"Cabe-nos a nós não sermos fracos", acrescentou, e conseguir "soluções
europeias" para a Ucrânia, para o reforço da segurança europeia com
meios europeus.
Questionado sobre a função da Europa nas conversações de paz na Ucrânia,
Emmanuel Macron lembrou que, neste momento, sem a presença da Ucrânia
na mesa das negociações, estas não existem.
"O que queremos é que a Ucrânia tenha as melhores condições possíveis
para defender os seus interesses legítimos" face às exigências russas, afirmou. "E continuaremos a fazê-lo", garantiu, referindo diversas iniciativas previstas para os próximos dias.
Macron reconheceu que a sua "obsessão" é fazer com que a Europa, entre a
América e a Rússia, se torne "protagonista da sua própria
segurança", obtendo "enquanto europeus, uma maior capacidade e uma maior
autonomia em todos os domínios do jogo". "É exatamente isso que devemos
fazer".
Lembrando que a França desenvolveu a autonomia que considera necessária, Macron reconheceu que
isso não se verifica em toda a Europa, sendo necessários maiores
investimentos. Será dessa forma que os europeus poderão estar "à volta
da mesa a falar com a Rússia, como des-escalamos", afirmou.
"É esse debate que devemos ter para a nossa segurança coletiva".
Dissuasão nuclear
Emmanuel Macron lembrou que a Europa tem vindo a adotar programas para se reforçar em termos de segurança, mas considerou que esses esforços ficam aquém das necessidades. "Espero que este seja o segundo acordar", afirmou, até para defender as próximas gerações de europeus.
"Os europeus têm de perceber o que querem ser", sublinhou.
Emmanuel Macron, uma das potências nucleares europeias a par do Reino Unido, mostrou-se ainda aberto a debater a necessidade da dissuasão nuclear, que poderá incluir a colocação de armas nucleares em diversos países europeus.
“Se os colegas quiserem avançar para uma maior autonomia e capacidades de dissuasão, então teremos de abrir esta discussão estratégica muito profunda. Tem componentes muito sensíveis e muito confidenciais, mas estou disponível para que esta discussão seja aberta", disse.
Uma das ações mais necessárias para os europeus será "edificar os
elementos de segurança de hoje e de amanhã na Ucrânia e para a Europa",
afirmou ainda o presidente francês.
Ataque a Putin
"Se há alguém que brinca à Terceira Guerra Mundial chama-se Vladimir Putin",
acrescentou Emmanuel Macron, numa crítica velada às recentes posições
assumidas por Trump na sua aproximação ao presidente russo na busca da
paz na Ucrânia.
"Foi ele que iniciou a guerra de agressão há já três anos, foi ele que
trouxe para o solo europeu 10.000 soldados norte-coreanos, foi ele que
foi buscar drones iranianos ajudando o programa nuclear [de Teerão]
para os usar na luta em solo europeu e que aprofundou os laços com a
China", lembrou.
A China é um "adversário" "que não partilha os nossos valores" e "um competidor economico", mas também "um parceiro" nas questões climáticas ou dos Oceanos. "Precisamos dela".
Já os "Estados Unidos são um nosso aliado, A questão é se vão mudar", analisou, considerando que é necessário "lucidez aos europeus" para fazer face a tal desafio na dependência atualmente existente da Europa face aos EUA.
Sobre dúvidas sobre a confiança que Donald Trump merecerá à Europa,
depois de se aproximar de Moscovo e de ameaçar agravar as tarifas sobre
os produtos europeus, Macron preferiu dizer que "não estou aqui para
comentar mas para agir".
"O meu desejo é que os Estados Unidos da América continuem ao lado da sua História e dos seus princípios", lembrando os laços históricos que unem a França aos primórdios da Revolução Americana que originou os EUA.
"Os Estados Unidos estiveram sempre até agora do lado certo da
história", referiu, afirmando que "nós, europeus, tivemos muita sorte de
sermos apoiados pelos EUA depois da II Guerra Mundial, no quadro da
Aliança Atlântica [NATO] para nos proteger no nosso solo".
Reconhecendo "legitimidade" ao realinhamento da estratégia americana de
dar prioridade à defesa dos seus interesses na Ásia, algo que "não
começou com Trump", mas "de que nos avisaram" há vários anos, o
presidente francês concluiu que a Europa "devia ter acordado mais cedo " e tornar-se "mais soberana, mais unida e mais independente".
"Há pontos de interrogação" sobre o rumo que os Estados Unidos irão
tomar "mas o nosso dever não é esperar pela próxima declaração e
comenta-la". "Não é para isso que sou presidente da República da
França".
A defesa da Ucrânia
Macron tem-se desdobrado nas últimas semanas em contactos diplomáticos
para reequilibrar relações diplomáticas entre a União Europeia e os
Estados Unidos da América, após iniciativas da Administração Trump para
resolver a guerra na Ucrânia terem desencadeado diversas crises.
O presidente Donald Trump recebeu esta tarde na Casa Branca o homólogo
ucraniano, Volosymyr Zelensky, que tem sido afastado das negociações de
paz bilaterais entretanto encetadas entre Washington e Moscovo.
"Penso que todos nós, europeus, japoneses, canadianos, americanos, ajudámos a Ucrânia desde o primeiro momento a Ucrânia e tivemos razão,
porque foi o direito internacional que foi desprezado, a soberania e
integridade um país que foram desprezadas, foi a nossa possibilidade, de
todos nós, de viver em paz, que foi desprezada", lembrou.
"Era justo ajudar a Ucrânia, afirmou Macron, saudando a coragem e
determinação demonstradas pelo povo ucraniano e pelo presidente Zelensky
em três anos de guerra. "Devemos-lhes muito respeito".
Depois de se ter deslocado a Washington para se reunir com Donald Trump
na Casa Branca, Emmanuel Macron reconheceu que houve uma "alteração de
valores" recente mas lembrou diplomaticamente ser "necessário reconhecer
que os americanos estiveram ao nosso lado desde o início e necessário
desejar que o diálogo seja fecundo com o presidente Zelensky".
"E nós europeus, temos de agir", defendeu. "Como o fizemos desde o primeiro dia, ajudando a Ucrânia e sancionando a Rússia", acrescentou, sublinhando que a Ucrânia, ao defender-se legitimamente da Rússia, defende igualmente o resto da Europa.
Macron lembrou que a Europa tem "uma base" na defesa mas que esta deve ser desenvolvida, apoiando a produção europeia e o desenvolvimento das capacidades naquilo em que atualmente dependemos. "Não devemos precipitar-nos", aconselhou ainda, reconhecendo que, para já, a Europa depende dos EUA.
Tratado de "amizade"
Emmanuel Macron agradeceu o acolhimento recebido em Portugal e fez um balanço positivo dos dois dias de visita, durante a qual Portugal e França assinaram no Porto vários acordos bilaterais, incluindo um acordo de amizade, um acordo de cooperação franco-portuguesa e uma carta de intenções no domínio do armamento.
"A assinatura de um tratado de amizade foi para mim um momento importante, o primeiro entre dois países que, no entanto se conhecem tão bem", sublinhou.
Emmanuel Macron invocou a presença de dois milhões de luso-descendentes em França e de milhares de franceses em Portugal, recordes de turismo e "as trocas comerciais que aumentarem 50 por cento nos últimos 10 anos", para afirmar que os "muitos" acordos assinados dão à relação franco-portuguesa "uma força política".
"Num momento em que o mundo está tão abalado e em desordem, ter dois países tão próximos que reexaminam a sua visão da Europa e a realinham para obter uma Europa mais forte e unida, é também muito importante", referiu o presidente francês.
No esforço de desenvolvimento da produção de meios de segurança, Portugal é "reconhecido pelos seus engenheiros e capacidades", acrescentou Macron, sendo um "parceiro" muito importante.
O presidente francês afastou ainda o ceticismo sobre o futuro da Europa. "Penso que continuamos unidos", defendendo que a Europa "é mais forte do que pensamos" apesar de reconhecer que vive um "momento existencial".
"O nosso futuro está nas nossas mãos". "O mundo mudou mas temos de defender o que somos, acabou a inocência e temos de nos tornar adultos, de lutar pela democracia", afirmou.