Donald Trump espera acordo "fenomenal" que poderá nunca existir

por Graça Andrade Ramos - RTP
Donald Trump, Presidente dos EUA e Theresa May, primeira-ministra demissionária do Reino Unido Reuters

Todas as hipóteses estão "em cima da mesa", afirmou esta terça-feira em Londres, o Presidente dos Estados Unidos sobre o acordo de livre comércio que Washington e Londres pretendem estabelecer após a concretização do Brexit.

E, apesar de Trump se estar a referir a hipóteses quanto ao que poderá ser incluído no acordo, a verdade é que a possibilidade de este nunca sequer vir a existir é muito forte, já que pelo menos um dos protagonistas dos encontros de hoje, a primeira-ministra Theresa May, está de saída.

O que quer que tenha sido debatido esta manhã entre Trump e May, em nada irá obrigar o próximo chefe de Governo britânico. Donald Trump poderá também não ser reeleito para um novo mandato, em novembro de 2020.

E, apesar das boas probabilidades de um eventual novo Presidente norte-americano manter o interesse no acesso livre ao mercado britânico, a vida política britânica está longe de navegar em águas calmas.

No atual conjuntura, o próximo primeiro-ministro do Reino Unido será conhecido dentro de mês e meio. Será o sucessor de Theresa May na chefia do Partido Conservador, o qual venceu as últimas legislativas e se mantém Governo.
As próximas eleições legislativas no Reino Unido estão oficialmente previstas apenas para 5 de maio de 2022.

Um cenário de antecipação eleitoral não pode ser descartado, após a perda de votos e de influência dos conservadores demonstrada nas recentes eleições europeias, somada à eventualidade de um Brexit sem acordo e de um Partido do Brexit, do eurocético Nigel Farage, em crescimento.

O número 10 de Downing Street poderá por isso conhecer uma sucessão de novos inquilinos em poucos meses, prejudicando as negociações que tanto entusiasmam o Presidente dos EUA.
Acordo "fenomenal"
Nenhum cenário fatídico interessou a Donald Trump, apostado em fazer um sucesso desta visita de Estado ao Reino Unido, em antecipação de ano eleitoral.

Diferendos sobre a presença do grupo chinês Huawei no mercado britânico de telecomunicações 5G - que os EUA pretendem minar -, sobre a estratégia para com o Governo iraniano ou sobre a importância dada às alterações climáticas, foram varridas para debaixo do tapete.

Donald Trump não teve dúvidas em afirmar que o futuro acordo de comércio entre ambos os países será "fenomenal". Sobraram incógnitas, que não meteram medo ao antigo empresário e atual Presidente dos EUA.

"Quando se negoceia sobre o comércio, está tudo em cima da mesa", respondeu Trump à pergunta se o Serviço Nacional de Saúde britânico poderá vir a ser aberto a empresas norte-americanas.

"Por isso, também o SNS e tudo o resto e muito mais ainda", referiu, na conferência de imprensa desta manhã ao lado da primeira-ministra, Theresa May."É a maior aliança que o mundo já conheceu", afirmou Trump, sobre a relação entre Estados Unidos e Reino Unido, que considerou "especial".

Trump também não poupou elogios a Theresa May. "Eu gostei muito de trabalhar consigo. Você é uma grande profissional e uma pessoa que ama muito o seu país", afirmou, para logo a seguir fazer uma suave crítica, ao dizer que, no lugar dela, teria "processado" a União Europeia para forçar a saída do Reino Unido.

"Mas nunca se sabe. Ela é provavelmente uma melhor negociadora do que eu", ironizou.

Theresa May, que vai abandonar o cargo no fim desta semana, foi mais prudente sobre o futuro, reconhecendo apenas que ambos os países "querem muito" concluir "um acordo de comércio livre ambicioso, logo que o Reino Unido deixe a União Europeia", mas sublinhando que há muito ainda a negociar sobre o ele deverá, ou não, incluir.Futuro turbulento

Ignorando a regra de que um chefe de Estado nunca deve comentar a vida interna de outro Estado, Donald Trump já expressou as suas preferências para a próxima chefia do Governo britânico.

Mencionou o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson, e o seu sucessor no cargo, Jeremy Hunt, a quem Trump pediu um encontro.

"Eu conheço o Boris. Eu gosto dele. Eu gosto dele há muito tempo, acho que ele faz um ótimo trabalho. Eu conheço o Jeremy, acho que ele faz um ótimo trabalho", afirmou Trump, alegando não conhecer o ministro do Ambiente, Michael Gove, apesar de este o ter entrevistado para o jornal The Times pouco depois de ter sido eleito Presidente dos EUA.

Johnson é dono de uma personalidade próxima do temperamento de Trump, o que poderá tanto facilitar como prejudicar futuras negociações, isto caso tanto o Presidente norte-americano como Johnson se mantenham em funções de liderança executiva alguns anos.

Pelo contrário, caso o líder trabalhista e atual chefe da oposição, Jeremy Corbyn, venha a ocupar o nº 10 de Downing Street, um futuro acordo de livre comércio será complicado de gerir, sobretudo se Trump continuar Presidente.

As negociações irão provavelmente esbarrar num antagonismo mútuo entre os líderes, bem expresso esta terça-feira.

De manhã, Corbyn discursou num protesto anti-Trump, que juntou alguns milhares de pessoas em Londres.

Na conferência de imprensa, por seu lado, o Presidente norte-americano considerou Corbyn uma "força negativa" e disse ter recusado reunir-se com o líder da esquerda mais radical britânica. "Queria encontrar-se comigo e eu respondi não", revelou Trump.
E o Brexit, é para quando?

Em contraste, o Presidente dos EUA reuniu-se com Farage esta tarde, na embaixada norte-americana, num reconhecimento implícito da sua importância na atual cena política britânica, mesmo se a hipótese de Farage poder vir a ser eleito primeiro ministro do Reino Unido parecer remota.

À saída, Farage comentou que o encontro correu muito bem, que Trump está a gostar muito da estadia em Londres e que o Presidente acredita no Brexit, mas acha que está a levar muito tempo.

Ele "acredita absolutamente no Brexit, pensa que é a coisa certa para o país fazer, e está preocupado porque parece estar a demorar muito", revelou.

Para bom entendedor, o Reino Unido terá de, nos próximos tempos, escolher entre aliados. Ou se curva perante um Brexit sem acordo - um cenário cada vez mais provável - e salta para os braços norte-americanos, ou tenta prolongar o prazo para o Brexit, arriscando a ira de Trump.
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