9 de novembro de 1989. Na noite em que caiu o muro, Berlim caminhou para a unificação com euforia. Em 2019, os novos muros europeus completam o equivalente a seis muros de Berlim.
Uma barreira construída em 1961 dividiu a Europa durante quase três décadas. De um lado o comunismo, do outro o liberalismo. Berlim era o centro do confronto entre ocidente e oriente, num duelo urbano que percorria 100 quilómetros e atravessava até linhas de comboio.
Como uma tundra, o nome atribuído às áreas extensas de vegetação rasteira, o Muro de Berlim saneava a influência ocidental e protegia a República Democrática Alemã, ao mesmo tempo que impedia a fuga dos seus desertores.
Muro de Berlim em agosto de 1961 / Fotografia: Direitos reservados
A divisão durou até 9 de novembro de 1989, quando forças soviéticas anunciaram que não disparariam sobre os cidadãos que tentassem atravessar. Alemães orientais puderam cortar vedações, correr pelo terreno baldio, trepar proteções antitanque e partir, ao ritmo das picaretas do outro lado, a parede que dividia Berlim.
Encontrando-se em cima do muro, berlinenses de ambos os lados cantaram juntos.
“I've been looking for freedom
I've been looking so long
I've been looking for freedom
still the search goes on”
- David Hassefhoff -
Nas décadas posteriores à demolição, o ocidente europeu percorreu um caminho quase contínuo de integração e paz. Horst Köhler, antigo Presidente alemão, definiu mais tarde o que aconteceu no dia 9 de novembro como o fim de um “edifício do medo” e o início de um “espaço de alegria”. Pedaços físicos de pedra viajam pelo mundo como lembrança da vitória da democracia, mas também como amuleto para a queda de outras barreiras.
À esquerda: Queda do Muro de Berlim em 1989. À direita: Segmento do Muro de Berlim em 2019. / Fotografia: Reuters
Os últimos trinta anos consolidaram a imagem do Muro de Berlim como símbolo de libertação. Mas foi também durante esse tempo que se construíram novos muros na Europa. Desde então, a União Europeia ergueu quase mil quilómetros de fronteiras físicas no seu território.
O Instituto Transnacional para a pesquisa e defesa de Direitos Humanos, que liga académicos, atores políticos e movimentos sociais, quantificou em 2018 os muros construídos na UE desde 1990.
Dos 28 Estados-membros, mais de um terço tem barreiras físicas erguidas pelo homem. Dez das quais foram construídas durante ou após a crise migratória de 2015, o ano com o maior fluxo de refugiados desde a II Guerra Mundial.
No pico de 2015 entraram na União Europeia mais de um milhão de migrantes através das rotas que conduzem a Itália, Chipre, Malta, Grécia ou Espanha. Embora os números estejam desde então em queda o tema tornou-se fragmentário no discurso político, principalmente nos países de entrada. De acordo com a legislação europeia, um refugiado que entre na UE deve requerer asilo no primeiro país europeu com o qual contacta, sobrecarregando os países fronteiriços.
Chegada de migrantes à estação de Hegyeshalom, na Húngria. Em setembro de 2015 e em outubro de 2015/ Fotografias: Leonhard Foeger - Reuters
O leque de soluções é limitado e controverso. A solução a longo-prazo, implementada em parte pelas operações do Serviço Europeu para a Ação Externa (EEAS), é a de melhorar as condições nos países de origem, quase todos alvos de intervenções militares internacionais.
A maior parte dos refugiados que chegam à UE vêm do Afeganistão, Iraque ou Síria. Deste último fugiram mais de cinco milhões de refugiados desde que a guerra civil começou em 2011. Mais de um terço de todos os refugiados sírios espera na Turquia pela entrada na Europa ou pelo regresso ao país de origem.
Em 2018:
5,6 milhões de sírios deslocados
3,6 milhões de sírios a aguardar na Turquia
10,400 sírios embarcaram em rotas para a EU
141,472 número total de migrantes que entraram na EU
O Fundo Madad é a resposta direta da UE à situação na Síria e conta com contribuições de 22 Estados-membros e da Turquia, embora a maior parte do financiamento saia do orçamento geral da Comissão Europeia. Desde a inauguração em 2014 recebeu mais de 1,8 mil milhões de euros.
À falta de consenso para a distribuição de migrantes através de quotas, soluções mais imediatas foram implementadas. A Hungria foi pioneira. Embora já existissem outros muros no território europeu, Viktor Orbán foi o grande impulsionador da Europa Fortaleza, nome com que ficou conhecida a estratégia de fortificação das fronteiras terrestres e que engloba, agora, agências europeias, polícias fronteiriças nacionais e quilómetros de barreiras físicas.
“Uma cerca não é uma coisa má. Todas as pessoas que têm uma casa com jardim têm uma cerca para controlar quem entra"
- Johanna Mikl-Leitner, Ministra do Interior da Áustria em 2015 -
Ao mesmo tempo que os governos dos países mais afetados pela crise migratória se voltaram para o encerramento das fronteiras, a Comissão Europeia reforçou a patrulha das mesmas através da Agência Europeia para o Controlo da Costa e das Fronteiras (Frontex).
A Frontex é responsável por monitorizar as fronteiras europeias e repatriar migrantes sem documentos que não sejam requerentes de asilo. O orçamento da polícia fronteiriça europeia aumentou de 6,2 milhões de euros para 333 milhões entre 2005 e 2019. Em paralelo, aumentou também o orçamento para as deportações, de 80 mil euros para 63 milhões durante o mesmo período.
A agência é ainda responsável pela execução dos acordos com países terceiros, nomeadamente a Turquia e a Líbia. Em 2018, o número de refugiados evacuados da Líbia foi seis vezes maior face ao ano anterior. Ainda assim, apenas 2,404 refugiados de campos líbios tiveram entrada direta para a União Europeia no ano passado. As estimativas apontam para mais de 43 mil refugiados registados na Líbia pela Agência da ONU para os Refugiados. É de lá que partem 90% dos migrantes para as rotas que atravessam o Mar Mediterrânio.
Fontes:UNHCR; DW
Somadas, as estratégias parecem ter resultado. O número de migrantes desceu drasticamente: em 2018, chegaram a solo europeu 140 mil migrantes, um décimo do fluxo de 2015. Mas os números de refugiados no Médio Oriente continuam a aumentar e as rotas conhecidas foram desviadas para trajetos mais perigosos.
Em 2018, apesar do número total de migrantes por terra ter descido, o número de mortes nas rotas terrestes quase duplicou e pelo menos duas mil pessoas morreram ao atravessar o Mar Mediterrâneo.
Ainda assim, para os defensores da Europa Fortaleza, como Viktor Orbán, a construção de cercas foi um sucesso: as estações de comboio regressaram à normalidade, muitos dos acampamentos de refugiados desapareceram. No seu lugar estão novos muros europeus. Em vez de tijolo, são construídos com arame farpado. Mas juntos contabilizam o equivalente a seis Muros de Berlim.
Hungria / Sérvia
“Atenção. Está na fronteira com a Hungria. Danificar a cerca ou tentar atravessar de forma ilegal é crime”. Os anúncios podem ser ouvidos em Inglês, Árabe e Farsi ao longo da fronteira com a Sérvia, separada com duas filas de arame farpado, vigiadas com câmaras com infravermelhos e protegidas por choques elétricos.
Data da construção: 2015 / Comprimento: 151 km / Altura: 4 m
Fotografias: Laszlo Balogh - Reuters
Hungria / Croácia
Meses depois da construção da cerca com a Sérvia, a Hungria fechou também a fronteira com a Croácia, desviando a rota dos Balcãs para a Eslovénia.
Data da construção: 2016 - 2019 / Comprimento: 1,6 km concluídos em 2018, 110 km planeados para 2019 / Altura: 2,5m
Fotografia: Antonio Bronic - Reuters
Grécia / Turquia
A fronteira com a Turquia foi a principal rota migratória para solo europeu até ser encerrada em 2016. É consequência do acordo com a União Europeia que determina que migrantes sem asilo na Grécia sejam deportados. O trajeto por terra podia ser feito através do norte da Grécia mas foi fechada em 2012 com vedações de arame farpado.
Data da construção: 2012 / Comprimento: 12,5 km
Fotografia: Vassilis Ververidis/Motion Team via Reuters
Macedónia / Grécia
Apesar de ainda não pertencer à União Europeia, a Macedónia do Norte faz parte da rota dos Balcãs. O país construiu uma vedação na fronteira com a Grécia feita de arame farpado. O exército macedónio patrulha também a fronteira com a Sérvia desde 2017.
Data da construção: 2015 / Comprimento: 33 km / Altura: 2,5 m
Fotografias: Vassilis Ververidis/Motion Team via Reuters
Bulgária / Turquia
A Bulgária também protegeu a fronteira com a Turquia. A barreira é composta por torres de controlo, arame farpado, câmaras de infravermelhos e patrulhas militares.
Data da construção: 2013 / Comprimento: 201 km / Altura: 3 m
Fotografia: Stoyan Nenov - Reuters
Áustria / Eslovénia
Em outubro de 2015 o governo austríaco revelou a intenção de construir uma vedação na fronteira com a Eslovénia, a primeira barreira a ser implementada entre países pertencentes a Schengen. A vedação acabou por ter menos de quatro quilómetros e pode facilmente ser contornada. Em 2016, a Áustria impôs também postos de controlo na fronteira com a Hungria.
Data da construção: 2015 - 2016 / Comprimento: 3,7 km / Altura: 2 m
Fotografia: Srdjan Zivulovic - Reuters
Eslovénia / Croácia
Do outro lado, também a Eslovénia construiu vedações de arame farpado na fronteira com a Croácia.
Data da construção: 2015 / Comprimento: 200 km
Fotografia: Antonio Bronic - Reuters
Reino Unido / França
A parede que divide Calais, paga pelo Reino Unido e França, foi erguida para impedir a passagem de migrantes através do Canal da Mancha. A antiga Selva de Calais, o acampamento improvisado onde viviam mais de 10 mil migrantes, foi destruída no mesmo ano.
Data da construção: 2015 / Comprimento: 1 km / Altura: 4 m
Fotografia esq.: Philippe Wojazer - Reuters | Fotografia dir.: Benoit Tessier - Reuters
Letónia / Rússia
Os países balcânicos estão também a investir em vedações na fronteira com a Rússia. As razões são uma mistura entre a prevenção de entrada de refugiados e a consequência do aumento da tensão com o país vizinho.
Data da construção: 2015 - 2019 / Comprimento: 90 km (23 km construídos em 2017) / Altura: 2 m
Fotografia: Ints Kalnins - Reuters
Noruega / Rússia
O fecho da rota dos Balcãs conduziu migrantes à entrada pela Noruega, pela chamada rota do Ártico, que atravessa o território russo e termina na estação de comboios de Storksog. A fronteira com a Rússia foi entretanto parcialmente fechada.
Data da construção: 2016 / Comprimento: 200 m / Altura: 4 m
Fotografia: Cornelius Poppe/NTB Scanpix via Reuters
Estónia / Rússia
À semelhança da Hungria, a Estónia pediu à União Europeia ajuda para o financiamento da vedação que pretende erguer até ao final do ano na fronteira russa, no valor de 197 milhões de euros. A fronteira é controlada com drones.
Data da construção: 2016 - 2019 / Comprimento: 1,6 km concluídos em 2018, 110 km planeados para 2019 / Altura: 2,5m
Fotografias: Ints Kalnins - Reuters
Lituânia / Rússia
A Lituânia também ergueu obstáculos na fronteira com Kaliningrado, o enclave russo à beira do Mar Báltico situado entre os lituanos e os polacos.
Data da construção: 2016 - 2019 / Comprimento: 1,6 km concluídos em 2018, 110 km planeados para 2019 / Altura: 2,5m
Fotografias: Ints Kalnins - Reuters
Espanha / Marrocos
Os enclaves de Ceuta e Melilla, território espanhol em Marrocos, foram as primeiras experiências da UE na gestão dos fluxos migratórios. Foi o primeiro Estado-membro a levantar barreiras para impedir a entrada de migrantes do Norte de África. Os muros têm vigilância permanente com sensores de movimento que permitem às autoridades espanholas intervir em menos de um minuto.
Data da construção: 1993 e 1996 / Comprimento: 18,3 km / Altura: 6 m
Ceuta / Fotografia: Juan Medina - Reuters
Melilla / Fotografias: Youssef Boudlal - Reuters
Melilla / Fotografia : Youssef Boudlal (esq.) e Juan Medina (dir.) - Reuters
Chipre / Turquia
A zona desmilitarizada do Chipre, também conhecida como Linha Verde, foi implementada pela ONU em 1974. É a barreira fronteiriça mais antiga da UE. Surgiu do conflito entre cipriotas turcos e cipriotas gregos, depois da invasão e ocupação da Turquia no norte da ilha, que ainda se mantém.
Data da construção: 1974 / Comprimento: 180 km
Melilla / Fotografia: Reuters