Dirigentes timorenses defendem demissão de vice-PM que anunciou candidatura presidencial

por Lusa

 Dirigentes políticos timorenses defenderam hoje que por questões de "ética política" a vice-primeira-ministra, Armanda Berta dos Santos, se deve demitir do executivo depois de ter anunciado a sua candidatura às presidenciais de 2022.

"Quando alguém em funções oficiais, com responsabilidade de governação, vencimento, viatura, combustível e tudo o mais, se declara candidata, devia demitir-se do cargo. É uma questão incompatível e acima de tudo de ética política", disse à Lusa José Ramos-Horta, ex-Presidente da República.

"O partido já a declarou formalmente como candidata. Houve um anúncio e uma proclamação oficial", enfatizou.

O ex-chefe de Estado -- que já se declarou disponível para se apresentar ao voto de 2022, se tiver o apoio do líder histórico Xanana Gusmão -- considera que a governante, que é também ministra da Solidariedade Social, se deveria ter demitido.

"Deveria ter comunicado ao PM a sua resignação do cargo, dadas as funções que ocupa, onde gere milhões de dólares do OGE, mas quando já é candidata. Surpreendeu-me que o Presidente da República não tenha convocado o primeiro-ministro para questionar isso", disse.

Já Mari Alkatiri, secretário-geral da Fretilin, maior partido do Governo, considera em declarações à Lusa que a candidatura é não só extemporânea, ocorrendo antes sequer das eleições serem marcadas, e que por questões éticas Armanda Berta do Santos deve pelo menos suspender funções.

"As coisas aqui em Timor-Leste são feitas de cabeça para baixo e pernas para o ar. Como vice-PM ainda em funções devia ter esperado. Quem marca as eleições é o Presidente. E só depois disso é que poderá haver candidaturas. Se coincidir com alguém no executivo, por questões éticas, devia no mínimo suspender as suas funções", explicou.

Alkatiri disse que se fosse consigo colocaria o lugar à disposição do primeiro-ministro, considerando que pode haver perceção de que as funções do executivo estejam ligadas à campanha.

"Vai haver de certeza absoluta intervenção da área social para mitigar efeitos da covid-19, e vai haver essa perceção. O político se quer mostrar transparência tem que separar as águas. Infelizmente nem o Xanana o faz", considerou.

Opinião ecoada por Antonio da Conceição, deputado do Partido Democrático (PD) que considera que há incompatibilidade.

"Ainda falta bastante tempo para as eleições e nem sequer temos decreto do Presidente sobre a data. Por questões éticas sou da opinião que a vice-primeira-ministra e ministra da Solidariedade Social deve abandonar o atual cargo", referiu.

"Assim pode estar livre das funções executivas e garantir que não associa as funções que tem no Governo com a sua candidatura", notou.

Conceição recorda que em 2017, era então ministro da Educação, anunciou a sua candidatura presidencial dentro do período eleitoral pedindo a suspensão de funções.

"A minha candidatura foi anunciada já dentro do período eleitoral. Não a esta distância. Pedi suspensão de funções. Aqui ainda falta muito tempo e é difícil separar as funções do executivo em relação à sua própria pré-campanha", considerou.

Ex-ministro e jurista, Avelino Coelho também aponta as questões éticas do caso, admitindo que o quadro jurídico não tem expressamente citada esta situação.

"Por uma questão de ética política, qualquer membro do executivo que se formaliza a sua candidatura devia resignar-se para preparar essa candidatura", disse.

"A campanha formal em si só começa depois da marcação da data, mas no entretanto a vida política partidária ocorre todos os dias. E nesta situação, eticamente, qualquer membro do Governo tem o direito de se candidatura, mas deve assumir uma postura mais correta e ética", sublinhou.

Considerando vital preencher esta lacuna no regime jurídico, Avelino Coelho sublinha que esta questão exige "posturas éticas" que ajudem a "contribuir para o processo da democracia, construção do Estado, construção de sociedade plural e aberta".

Dionísio Babo, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e responsável da Comissão Diretiva Nacional do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), maior força da oposição, também aponta a questão ética.

"Acho que eticamente é questionável, e a pessoa em si devia refletir, estando em funções como membro do Governo, se deve continuar ou não no executivo"; afirmou.

"Em Timor-Leste ainda não há um escrutínio forte da sociedade civil e da camada política para estas questões, ainda para mais porque quando se fala dessa situação as pessoas referem-se às questões legais. Mas é preciso para adotar uma ética política moderna", sublinhou.

Afirmando que não cabe ao CNRT "meter-se nos assuntos internos de outros partidos", Babo sustenta que a decisão cabe ao primeiro-ministro mas também à candidata em si.

"A candidata em si e o Governo devem refletir sobre isto, para o bem da atmosfera política do nosso país e da imagem de Timor-Leste", afirmou.

Já Fidelis Magalhães, ministro da Presidência do Conselho da Ministros, discorda, considerando que não há nem questões éticas nem incompatibilidades em que a vice-primeira-ministra se mantenha em funções.

"Não é precisa a demissão do Governo. A candidatura não carece da demissão do Governo, mas apenas pausar essas funções durante o período da campanha, como fez António da Conceição", disse Magalhães em declarações à Lusa.

"Não há incompatibilidade e não vejo aqui qualquer questão ética", disse.

A lei eleitoral para o Presidente da República não inclui membros do Governo entre pessoas inelegíveis para a candidatura presidencial.

Proibidos de se candidatar são apenas magistrados judiciais e do Ministério Público, diplomatas de carreira ou funcionários públicos "em efetividade de serviço", bem como os membros das Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL) e da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) que estejam em funções, "ministros de qualquer religião ou culto" e os membros da Comissão Nacional de Eleições.

Além disso a lei determina como "regalias dos candidatos" que "durante a campanha eleitoral, o candidato tem direito a dispensa do exercício das respetivas funções, sejam elas públicas ou privadas, contando esse tempo para todos os efeitos, incluindo o direito à retribuição, como tempo de serviço efetivo".

 

ASP//MIM

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